Correio de Carajás

O Ciclo dos Soberanos

Altalúnia era um recôndito império, onde cada nuance do céu refletia o imbróglio interno de seus soberanos. Coexistiam dois reis em eterna e inconciliável disputa. Mas, Altalúnia não era apenas um reino, era um reflexo sublime e cruel da mente dividida, um território em constante embate entre o fervor e a serenidade. A população oscilava com o humor dos regentes, dançando entre extremos que nenhum oráculo conseguiria prever.

O primeiro desses reis, Incandescente, era um déspota de emoções intensas, um vulcão ambulante, sempre irrompendo em júbilo e riso — mas também em um ardor tão devastador quanto um incêndio que queima sem piedade.

Em oposição ao Rei Incandescente, o enigmático Sinuoso, senhor das sombras sutis e dos invernos profundos, aguardava com a paciência amarga dos que preferem a contenção à explosão. Este não erguia a voz, mas sua influência fazia-se sentir como o manto da noite sobre um dia febril, trazendo o silêncio e uma espécie de letargia melancólica.

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Quando assumia o trono, Altalúnia se cobria de uma bruma quieta, que transpirava a densidade de um lamento contido. Nesse momento, o império experimentava uma vastidão estéril e fria, enquanto o sol se retirava, submetendo os habitantes ao seu reinado de quietude imponente.

O reino claramente era uma prisão decorada de contrastes. Os dois reis, ambos consumidos pela vontade de reger o mesmo território, jamais seriam capazes de ceder um ao outro.
Incandescente, ao retomar o poder, banhava a terra em um êxtase quase insuportável, obrigando seus súditos a uma exaltação pulsante, um movimento perpétuo. Nada em Altalúnia permanecia imóvel sob sua regência; tudo oscilava, fulgurava, e, por fim, exauria-se como a flama que se extingue em sua própria intensidade.

Mas tão logo seu reinado alcançava o ápice, Sinuoso, com sua quietude impenetrável, retomava o poder, impunha o contraponto sombrio e absoluto. Dois guerreiros internos e pomposos em eterna batalha intrínseca, de amores e pudores que ascende e declina, desenfreados e irascíveis.

Os sábios de Altalúnia, guardiões da história e da filosofia, observavam, absortos e fascinados, esse ciclo inexorável. Diziam que a natureza da alternância entre os reis revelava uma ordem oculta: era um microcosmo da alma humana.

Mas nenhum conselheiro ousava intervir. Compreendiam que, sem a chama de Incandescente e a serenidade gélida de Sinuoso, o império deixaria de existir em sua glória paradoxal. Altalúnia era, afinal, um reflexo do ciclo eterno de dualidade, onde o riso e a lágrima se entrelaçavam em uma harmonia dissonante, na coreografia imprevisível de uma dança cósmica, a qual podemos chamar de… vida.

Dessa forma, Altalúnia prosseguia. Os seus habitantes sabiam que viver em um território governado pelo ritmo caprichoso de Incandescente e Sinuoso era habitar a própria contradição, entre extremos de êxtase e quietude, num frenesi de oscilações. O reino, afinal, era uma encarnação viva das fases mutáveis da mente humana – um império onde a paz jamais se firmava, mas onde, paradoxalmente, existia a beleza brutal da eterna transformação.

Aos 21 anos, recebi o diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB). Antes disso, já sentia que algo estava profundamente fora do lugar. Eu percebia que as outras pessoas também enfrentavam altos e baixos, mas a minha montanha-russa parecia ser muito mais intensa. Seguindo o conselho de um amigo, comecei a escrever sobre as aflições que me consumiam. Essas oscilações se tornaram mais suportáveis através das palavras.

No entanto, nunca tinha conseguido encontrar uma maneira de fazer alguém realmente entender o que eu vivia. Hoje, ao me aprofundar no universo das crônicas, sinto que finalmente encontrei uma forma – ainda que muito pessoal – de ilustrar para você, que me lê agora, a dança visceral do distúrbio que eu, e tantos outros, carregamos.

Thays Araujo é jornalista e dá primeiros passos na arte de produzir crônica

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.