José Diego Rodrigues de Lira, de 28 anos é uma daquelas pessoas que a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará tem o privilégio de receber como aluno num dos 42 cursos de graduação ofertados. Ele é o primeiro aluno cego do curso de Psicologia da Unifesspa, tendo ingressado, este ano, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Todo começo é difícil e o de Diego não foi diferente. Mas com garra e determinação ele vem avançando e conquistando seu espaço na sociedade.
A história de vida de Diego é vitoriosa e, segundo ele mesmo gosta de dizer: já venceu muitos desafios e, estar na Unifesspa é uma conquista dele e de toda a família.
Leia mais:“Eu sou uma pessoa que planeja o futuro, mas eu procuro colocar tudo em prática logo. Eu escolhi o curso de Psicologia, tendo em vista ter estudado em classe especial. Percebi que faltam psicólogos nas escolas; faltam profissionais que auxiliem os alunos com necessidades específicas, que entendam os meandros da educação especial”, pontuou.
Para ele, os psicólogos são os profissionais que motivam os pais e alunos a prosseguir, que buscam entender os dois lados: do aluno e do professor. “Eu sinto que a juventude está desinteressada em estudar. Minha perspectiva é de ser um bom profissional, além de poder dar um futuro melhor para minha família”, disse.
“Antes de chegar à Unifesspa, eu já sabia da existência do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão Acadêmica (Naia) e fiquei muito feliz por saber que ela busca dar todo suporte às pessoas com deficiência. Eu comecei as aulas bastante entusiasmado. A Calourada da Unifesspa foi muito legal e eu fui muito bem recebido”, destacou Diego.
A mãe de Diego é quem o acompanha todos os dias até a universidade. Ele explica que ainda não faz uso de bengala, não por preconceito, mas porque ainda não fez o curso de orientação espacial.
Segundo o acadêmico, o dia a dia em sala de aula tem sido bastante proveitoso e ele tem conseguido acompanhar todas as aulas e as respectivas disciplinas. “O bolsista apoiador também tem me ajudado bastante, estando ali para me acompanhar, caso eu necessite”, argumentou.
Concluir o curso é o seu principal projeto de vida e dar a visibilidade que a escrita em braille necessita. “Quero apresentar a importância do braille como código de escrita para os alunos”, afirmou.
Diego conta que ao receber a notícia de que havia passado na seleção do Sisu para o curso de Psicologia reuniu a família (pais e irmão) para decidir o que iriam fazer. “Em conjunto, decidimos que venderíamos a nossa casa em Goianésia-PA e mudaríamos para Marabá”.
“Recomeçar sempre fez parte da minha vida. Foi necessário. Pensamos no que era melhor, em nosso futuro. Meus pais aderiram ao meu sonho e resolveram investir nesse projeto e eu estou muito feliz por isso”, argumentou.
Seu irmão Manoel Rodrigues de Lira Filho, que também é cego, é aluno do cursinho popular “Emancipa”, ofertado pela Unifesspa a pessoas carentes de nossa região que querem ingressar num curso de nível superior.
“Pelo que percebo até agora, a Unifesspa é mais do que eu esperava. É uma universidade que faz o possível para que os alunos tenham o mesmo tratamento, os mesmos recursos e suas necessidades atendidas para que todos possam produzir conhecimento e contribuam com o desenvolvimento da nossa região.
Para ele, a Unifesspa é uma universidade que respeita os direitos e atende as necessidades de todos, tem pesquisas e pessoas sérias trabalhando nela e, isso, lhe traz alegria e segurança.
Professora Janete fez a diferença para Diego
Nascido em 20 de setembro de 1990, Diego é cego de nascença, natural de Gravatá, no estado de Pernambuco. É filho de Manoel Rodrigues de Lira e Josenilda Rodrigues de Lima. Começou a estudar na classe especial, aos 12 anos, tendo feito um período na Escola Pequeno Príncipe, mas concluído o ensino fundamental numa segunda escola: Lucíolo Oliveira Rabelo, na cidade de Goianésia-PA.
Mas só aos 20 anos ingressou na classe regular. Quando Diego conheceu a professora do ensino regular Janete Figueiredo percebeu que havia uma grande afinidade entre os dois. Ele percebia que ela não colocava dificuldades em ensinar todos os alunos, em turmas que chegavam a 44 estudantes. “Naquela época não havia lei que obrigasse o professor a receber alunos como eu. Mesmo assim, ela não mediu esforços para me ajudar. Sou muito grato a Deus por tê-la colocado no meu caminho e ter me ajudado a ser quem eu sou”.
A partir da convivência com alunos com necessidades específicas, a professora Janete – da Sala Multifuncional – começou a se interessar pela educação especial e inclusiva. Hoje, desenvolve suas atividades nessa área e, segundo Diego, segue ensinando com afinco e motivando outros alunos a não desistirem da caminhada estudantil.
Aulas de braille
“Eu tinha aulas de braille duas vezes por semana. Não foi fácil a minha alfabetização. Na escola onde eu estudava faltavam recursos materiais. Havia apenas 1 reglete para 4 alunos. Às vezes, eu não tinha como usar a máquina porque já estava ocupada com outro aluno e havia poucos professores para atender vários alunos. Isso tudo fez com que a minha alfabetização durasse 5 anos.
Para Diego, era imprescindível aprender fazer seu nome, ele sempre quis isso; era um sonho. Quando ele descobriu que estava alfabetizado, começou a descobrir o mundo da leitura e ficou encantado com ele. Leu em braille diversos livros como “Alice no País das Maravilhas”, Estatuto da Criança, e outras histórias que iam mostrando um mundo novo que antes ele não conhecia.
“No início, eu tive muita ansiedade para o aprendizado em braille e depois que aprendi – tenho também o desejo de ensinar a outras pessoas”, disse. Na escola, Diego tinha mais 4 colegas cegos. Juntos, montaram um clubinho, jogavam dominó, além de conversarem sobre futebol.
Conseguiu concluir o ensino fundamental aos 25 anos de idade, e, logo em seguida, ingressou na Escola Professora Anunciada Chaves para cursar o ensino médio, mas acabou concluindo esta fase dos seus estudos no Instituto Magister, em Goianésia do Pará.
No ensino médio, Diego sentiu ainda mais dificuldade. “Apesar de todas as barreiras enfrentadas, estabeleci uma relação muito boa com os alunos do ensino médio. Todos os dias havia um ledor para mim. Isso me ajudou bastante”.
Diego relata que graças ao professor Tiese Teixeira Júnior, que ele conseguiu chegar até a Unifesspa. “Ele me ajudou no processo de inscrição no Sisu, na redação, além de ler artigos científicos de ciências sociais para mim”, disse.
Ele recorda que a professora Aurinete Macedo também o apoiou bastante em seus estudos para ingressar na universidade. “Sei que estou dentro da estatística dos 0,2% que têm chances de ingressar no nível superior. Era um sonho muito alto, mas eu o persegui até torná-lo realidade”.
Sem parceiro, ele joga Xadrez sozinho
Ler, ouvir música são coisas que Diego gosta de fazer nas horas vagas. “Sempre gostei muito de cantar, mas não toco nenhum instrumento”. Ele joga xadrez sozinho. Bem modesto, ele justifica: “Não encontrei parceiros para jogar comigo”.
Por enquanto, o estudante não exerce nenhuma atividade fora da Unifesspa. É cristão católico e gosta muito da celebração da missa e da liturgia da igreja. Ele conta que aos 20 anos começou a participar dos trabalhos da Pastoral da Juventude (P.J.) da Igreja Católica, tendo sido um grande aprendizado. “Eles realizam um trabalho social incrível. Sou feliz porque sempre me deram muita força”, disse.
Diego conta que já teve algumas namoradas, mas que hoje está solteiro. “Estou de coração aberto para o amor”, concluiu, em tom de convite para novo relacionamento.