Correio de Carajás

O amor incondicional pelos sobrinhos que nasceu em meio à perda

Aparecida compartilha sua ode à capacidade de amar para além dos vínculos físicos, de se tornar mãe mesmo sem ter parido

Aparecida Duarte, a Cida, conta que há 14 anos se tornou mãe, sem esperar por isso/ Foto: Evangelista Rocha

A maternidade é um conceito que vai além da biologia; é uma experiência de amor incondicional, sacrifício e dedicação. Dentro da maternidade não biológica, há um domínio sagrado onde os laços do coração são capazes de escrever histórias emocionantes.

A marabaense Aparecida Duarte Carvalho personifica essa jornada extraordinária. Ao Correio de Carajás, ela compartilha sua ode à capacidade humana de amar para além dos vínculos físicos, de se tornar mãe não por uma decisão corporal, mas por uma escolha do destino.

Em um contexto familiar que foge ao convencionalismo, a marabaense de 56 anos revela que seus filhos Gilberto e Jetro nasceram da barriga de sua irmã, apesar de tê-los gerado em seu coração. A maternidade precisou ser construída em circunstâncias sorumbáticas, muito além dos laços sanguíneos, através do cuidado, da dedicação e do amor incondicional.

Leia mais:

O FIM QUE DEU INÍCIO

Para Cida, o lema “Não veio de mim, mas nasceu para mim” ressoa profundamente, salientando a ideia de que a conexão com seus meninos vai além da concepção física. Filha orgulhosa da terra bendita, ela narra que abraçou com coragem o papel de mãe postiça para seus sobrinhos após a trágica perda de sua irmã aos 34 anos: “Não esperávamos, foi uma fatalidade que acabou ceifando nossa família”.

Cida não hesitou em abrir seu lar e seu coração para os meninos. Com determinação inquebrantável, ela decidiu que cuidaria deles, os educaria e lhes daria o melhor que pudesse oferecer. Assim, há 14 anos, Aparecida assumiu a maternidade com suas nuances desafiadoras e suas recompensas inestimáveis.

 

CONCEPÇÃO DA MATERNIDADE

Questionada sobre quando teria sido o momento em que ela se entendeu como mãe, Aparecida diz que a autoconsciência da maternidade lhe caiu em um momento de desespero: “Quando Gilberto, o mais velho, enfrentou uma crise aguda de asma e eu achei que o perderia para sempre, ali eu entendi o que era a dor e a força de uma mãe”, relata.

É que em meio à agonia de ver seu filho lutar pela vida, ela descobriu o instinto protetor que a fez agir com rapidez e determinação para salvar seu filho.

Com Jetro, os momentos de luta foram e ainda são constantes. Todo dia é uma batalha contra as drogas. Nas noites sem sono, Cida conta que encontrou uma força especial dentro dela, determinada a trazer de volta a esperança que parecia perdida no caminho difícil do vício: “Infelizmente, meu menino caiu nesse mundo de ilusão e há quase uma década eu tento tirá-lo dali”, diz.

Muito emocionada, cita a vez em que encontrou Jetro em convulsões devido a uma overdose. Com a ajuda de outras cinco mães solidárias de sua rua, Aparecida lutou para trazer seu filho de volta à vida e à esperança: “Eu chorava e sacudia meu menino, vendo isso, elas saíram de suas casas para me ajudar a dar leite com açúcar e fazê-lo recobrar a consciência. Foi mais uma das vezes que pensei que perderia um dos meus filhos”.

Cida relata que em um certo momento, o pai de Jetro, após um desentendimento, decidiu levá-lo para Altamira, momento em que se sentiu desamparada emocionalmente, por medo de viver sem seu menino. O amor inabalável a levou a buscar seu filho, voando até o município em uma oportunidade inesperada proporcionada por sua empresa. Ela trouxe Jetro de volta para casa, uma decisão que mudaria suas vidas para sempre.

Cida afirma que, pela magnitude do amor, é como se Gilberto e Jetro tivessem saído de suas entranhas

O SENTIR

Ao longo dos anos, Aparecida aprendeu a arte complexa da maternidade não biológica. Cada desafio foi uma lição, cada vitória uma celebração. Ela nunca se chamou de “tia” para os meninos; para ela, eram seus filhos. Aparecida descobriu, em momentos cruciais como aqueles no hospital ou diante de uma convulsão, que a maternidade estava gravada em seu ser. Ela se tornou mãe não por escolha biológica, mas por um chamado do destino que a transformou para sempre.

“Por muitas vezes orei e pedi desculpas para minha irmã por, de certa forma, ter tomado seus filhos como meus. Mas, foi inevitável, um sentimento que fazia com que parecia que eles haviam saído de dentro das minhas entranhas”, revela.

Nas palavras de Cida, “Eu sou mãe”. A descoberta foi um presente inesperado, um propósito que se revelou nos momentos mais desafiadores. Ao vê-la contando sobre todos os momentos citados anteriormente, fica visível que ela enfrentou o estigma, os desafios da dependência química de Jetro e as lutas diárias, sempre com fé e determinação, algo que a maternidade proporciona às mães.

A DATA

O Dia das Mães ganhou um novo significado para Aparecida: “Não são apenas presentes materiais que importam; é o reconhecimento da jornada, do amor incondicional e da luta incansável pelos meus filhos”, celebra não apenas a vida dos meninos, mas a própria jornada que a transformou na guardiã de duas vidas.

Neste capítulo de sua vida, ela encontrou apoio e conforto em grupos de oração da igreja, onde mães como ela compartilham seus fardos e suas esperanças. Ela aprendeu a rezar por Gilberto e Jetro e a agradecer por cada momento.

Hoje, olhando para trás, Cida não tem dúvidas: ela é mãe, não por escolha de nascimento, mas por um amor que transcendeu laços de sangue. Seus filhos são seus presentes inesperados, suas estrelas guias numa jornada única e extraordinária de maternidade não biológica.

(Thays Araujo)