Ela diz que se encanta com a honestidade dele. Ele diz que admira a sinceridade dela. E é assim, com mais de 55 anos juntos, que a capixaba Maria da Penha Ravani Ferreira, 78 anos, e o mineiro José Ferreira Filho, 81 anos, começam a falar um do outro.
O trabalho dos dois na lanchonete que possuem em um puxadinho em frente à residência, localizada na Folha 27, no Bairro Nova Marabá, em Marabá, onde vendem caldo de cana e pastel – frito na hora – encanta a freguesia, seja pelo cuidado e zelo na preparação, pelo bom atendimento – que rendem boas conversas – ou pelo sabor incomparável do caldo de cada do “Seu Zé”.
Tradicionais na cidade, o caldo de cana e o pastel frito são famosos e atrai fãs de vários bairros da cidade, além da própria vizinhança – a maioria de empresas. E a sintonia no trabalho vem da boa relação dentro de casa. Para falar do marido e do matrimônio, a esposa muda o tom de voz, que fica mais doce – igual ao caldo de cana. “Hoje em dia é difícil um casal ficar tanto tempo juntos. Parece que um não confia no outro. Então, por isso que acho que tem desavenças. E tem homem também que quer ser machista, que acha que a mulher tem que ficar trancada dentro de casa, no fogão e tanque. E não é assim. O Zé era bem traquino, gostava de rua. Mas, depois que casou, nesses 55 anos, ele sempre saiu comigo. Sempre nós dois juntos”, diz ela, com a voz mais doce ainda.
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O primeiro olhar entre os dois não foi na melhor situação. Penha estava saindo da missa de sétimo dia da mãe, que havia falecido, quando os olhares se cruzaram. “Estava toda de preto e ele sentado em cima de monte de madeira. Eu estava com meu pai, muito triste. Mas, aquele olhar foi diferente. Depois de um tempo nos encontramos de novo e começamos a conversar. E depois passamos a namorar. Apresentei o Zé pro meu pai e ele falou sobre as intenções dele, que eram as melhores”, relembra Penha, afirmando que namoraram por dois anos até o casamento.
Para Zé, a mulher foi um presente de Deus. Ele conta que achava que não ia ser bom no casamento, porque era muito danado e mulherengo. Mas, assim que casou mudou completamente. “Depois que me casei, a mulherada caía em cima de mim. Bonitão, jogador de futebol… Mas, graças a Deus, eu encontrei a Penha e mudei completamente”, garante.
Os idosos afirmam que a base do casamento – e do trabalho – sempre foi a confiança. “Se algo não está bom, a gente senta e conversa. Não somos ignorantes um com o outro. E isso vale em casa e na lanchonete”, ressalta Penha.
Vinda para Marabá
Morando no Estado de Minas Gerais, o casal veio para Marabá no final do ano de 1979. Com três filhos – duas moças e um rapaz – ainda pequenos, eles relembram que o patriarca foi transferido para o município de Redenção, no sul do Estado, mas o trabalho acabou não dando certo.
“Liguei para o meu cunhado, irmão da Penha que morava em Marabá, e ele falou pra vir pra cá. Viemos e começamos a trabalhar com lanchonete, já vendendo caldo de cana”, relembra seu Zé.
Há mais de 40 anos na cidade trabalhando com caldo de cana, o casal iniciou o trabalho na Marabá Pioneira, depois foram para a Folha 32, em frente à Rodoviária da Nova Marabá. Lá, além da lanchonete, trabalharam por 14 anos com a venda de marmitex.
“Quando saímos da 32, viemos trabalhar aqui em casa. Fizemos esse ponto, e continuamos trabalhando. Pelas nossas filhas a gente já teria parado há muito tempo. Mas isso é uma terapia. Na época da pandemia a gente quase morreu, porque ficar sem trabalhar é muito ruim”, conta dona Penha.
Aposentados, eles trabalham porque gostam. E afirmam que ainda têm vitalidade para trabalhar por muito tempo. “Nem é tanto pela venda, é pela amizade e pelas conversas. A gente não vê o dia passar. Já estou até pensando como vão ser os próximos dias, porque vou precisar fazer uma cirurgia de catarata e vou passar uns dias dentro de casa sem ver os amigos”, antecipa, triste, dona Penha.
Já seu Zé, finaliza dizendo que o maior presente do trabalho é a freguesia, que vem e bate um papo gostoso. “A amizade que construímos na lanchonete é o mais importante”.
O que dizem os fregueses?
O goiano Daniel Paiva, 25 anos, está em Marabá há menos de 20 dias, e até a data da entrevista – 2 de setembro de 2022 – já havia ido ao caldo de cana do seu Zé seis vezes.
“Vim pra cidade a trabalho, e um colega que é daqui me chamou pra tomar um caldo de cana e comer um pastel. Comi a primeira vez e amei. É excelente o pastel, com orégano é bom mesmo. E o caldo de cana geladinho, feito na hora. Tudo limpinho e organizado. Esse é o velhinho mais gente boa que tem em Marabá”, afaga Daniel, que foi levado à lanchonete pelo colega Alexandre Lima, 37 anos.
Aliás, Alexandre, que marabaense, sabe que o caldo do Seu Zé é gostoso e tradicional. “Eu viciei nesse pastel e no caldo de cana. Aqui é tudo feito na hora. Esse é o diferencial. Além da simpatia deles dois, que são gente boa demais”.
(Ana Mangas)