Os evangélicos estão, ano a ano, se arvorando na seara política. Raras são as denominações religiosas no Brasil que ainda podem ser consideradas apolíticas, que não aceitam pastores disputando cargo eletivo no Legislativo ou Executivo, independente da esfera.
Em Parauapebas, a Capital do Minério, com Orçamento que beira R$ 2 bilhões, as candidaturas com nomes religiosos cresceram nada menos que 200% em 2020 em relação a 2016. Saltou de 10 há quatro anos para 31 este ano. Esse aumento é superior ao crescimento do volume de candidatos no período, que foi de 42%. O levantamento feito pelo Portal CORREIO DE CARAJÁS tem como base os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e analisou as candidaturas cujo “nome de urna” contém termos associados a religiões de diversas matrizes.
Esse aumento foi puxado pelas candidaturas de evangélicos e, embora tenhamos pesquisado, não há integrantes de religiões de origem africana. Todavia, pode ser ainda maior porque nem todos os candidatos indicam em seus “nomes de urna” sua identidade religiosa.
Leia mais:Para chegar a esses dados, o CORREIO verificou 422 registros de candidaturas feitos em 2020; 297 em 2016; e 256 candidatos em 2012, armazenados na base de dados do TSE e selecionou aqueles cujo nome de urna continham termos comumente associados a integrantes de religiões cristãs: pastor (a), irmão (ã), padre, frei (a), apóstolo (a), missionário (a), pai, mãe, babalorixá, entre outros.
A reportagem optou por fazer o levantamento com base no nome de urna porque é dessa forma que a maioria dos religiosos se apresenta aos eleitores. O levantamento considerou quatro dos maiores grupos religiosos brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): católicos, evangélicos, espíritas e adeptos de religiões de origem africana.
A influência para surgimento de candidaturas no seio das igrejas vem de cima. Há deputados e senadores, como Zequinha Marinho, têm ligação com a fé cristã e incentivam seus principais líderes a disputarem uma vaga nas prefeituras ou câmaras municipais.
Em Parauapebas, há 14 candidatos que usam no nome que vai à urna como “irmão ou irmã; 12 são pastor ou pastora; 4 missionários; e 1 diaconisa; e 1 frei.
Mas, o maior grupo de postulantes a uma vaga na Câmara é de empresários. Eles representam 8,18% dos candidatos (36 no total); há 34 comerciantes; 13 agricultores; 13 professores; 10 donas de casa; e 8 professores.
LEGISLATIVO ABARROTADO
O Correio apurou que dos 15 vereadores de Parauapebas, nove são religiosos, mesmo que nenhum deles tenha o nome na urna ligado à denominação cristã.
A vereadora Kelen Adriana Costa Coelho Mesquita (PTB), mais conhecida como Pastora Kelen, é da Igreja do Evangelho Quadrangular, descrição que consta no seu perfil no site da Câmara de Vereadores.
O vereador Maridé Gomes (PSC) também evidencia a vida religiosa no perfil da Câmara, sempre atribuindo os passos da vida pessoal e profissional a Deus.
Já as vereadoras Francisca Ciza (PP), Eliene Soares de Sousa (MDB), assim como José Francisco Amaral Pavão (MDB), José Marcelo Alves Filgueira (PSC), conhecido popularmente por Marcelo Parcerinho, Ivanaldo Braz Silva Simplício (PSDB), Antônio Horácio Martins Filho (PR) e Joel Pedro Alves (MDB), “Joel do Sindicato” são frequentadores de igrejas evangélicas do município, mesmo não havendo menção em suas descrições no site da Câmara Municipal de Parauapebas.
A reportagem não conseguiu confirmar a religião dos demais vereadores.
(Ulisses Pompeu e Theíza Cristhine)
Historiador preocupado com ascensão religiosa
Para o historiador Magno Braga, a ascensão de religiosos, notadamente evangélicos, na seara política é um movimento nacional, ligado ao crescimento das igrejas neopentecostais dentro do cenário político, de Norte a Sul do País, mas que vem carregado das influências internacionais da polarização que o mundo está vivendo.
O professor vê com preocupação esse avanço, por perceber não apenas no Brasil o recuo de acordos sociais que já estavam consolidados. Mas, para ele, isso não chega a ser uma surpresa, posto que o atual presidente foi eleito com a chancela das igrejas, principalmente as neopentecostais, e antes disso, ainda no governo petista (considerado de esquerda) representantes evangélicos já começavam a ser empoderados. Como exemplo ele cita o atual prefeito do Rio de Janeiro, o bispo Marcelo Crivela, que foi eleito apoiando o atual presidente, mas foi ministro do governo do PT. “Esse processo não é uma invenção do bolsonarismo”, reafirma.
O que mudou, na visão do doutor em História, é que o processo de empoderamento chegou a um ponto que permitiu que os líderes religiosos se tornassem protagonistas e não mais coadjuvantes.
No caso das igrejas neopentecostais, o professor chama atenção que essas igrejas têm um projeto de sociedade, que poderá ser consolidado ocupando os espaços de poder e, nisso, as lideranças evangélicas têm sido bem-sucedidas.
O historiador observa que, embora o grande número de evangélicos no poder legislativo não tenha sido capaz de promover mudanças na legislação brasileira, com alteração, criação e revogação de leis, a retórica tem influenciado no comportamento das pessoas. E é justamente aí que reside a crítica feita por Magno Braga.
Ele observa que hoje em dia se vê muito mais cenas de intolerância religiosa do que se via antes, apesar de legislação garantir a liberdade de credo. O mesmo fenômeno acontece em relação à orientação sexual também.
Para ele, essa intolerância é fruto do crescimento do conservadorismo, representado pela bancada “BBB”: Bala, Bíblia e Boi. “Esses grupos se juntaram para representar dentro do Brasil o que no mundo a gente chama de conservadorismo”, explica, acrescentando que percebeu esse mesmo movimento na eleição para conselheiros tutelares, onde hoje estão inseridos muitos religiosos que por vezes são contra muitos dos direitos garantidos por lei para as crianças e adolescentes
Magno Braga observa que caso essas lideranças se organizem e, em virtude disso, consigam modificar as legislações, muitos dos direitos individuais estarão em perigo maior ainda do que estão hoje, levando o Brasil para uma espécie de “teocracia”. “É uma grave ameaça”, resume, acrescentando que a sociedade precisa acordar e outros segmentos que discordam do modelo neopentecostal precisam também ocupar esses espaços e se inserir no debate. (Chagas Filho)