Representantes do Ministério Público Federal (MPF) e de instituições científicas reafirmaram nesta quarta-feira (28), em audiência pública realizada pelo Senado Federal, que a licença ambiental para obras na hidrovia Araguaia-Tocantins, na região conhecida como Pedral do Lourenço, no Pará, tem uma série de irregularidades, incluindo violações à legislação e deficiências técnicas.
A audiência foi promovida pela Comissão de Meio Ambiente do Senado para discutir os impactos ambientais e sociais da hidrovia. O MPF, que na semana passada pediu à Justiça a anulação da licença, foi representado no evento pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado.
O procurador da República destacou, na audiência pública, algumas das várias irregularidades apontadas pelo MPF na ação:
Leia mais:- a ausência de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas e tradicionais potencialmente impactadas, obrigação prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Até o momento essas consultas não ocorreram e elas deveriam ser prévias à própria concessão da licença. Sem a consulta prévia, sequer as audiências públicas ambientais poderiam ser realizadas, porque a consulta presume, inclusive, a possibilidade de a comunidade rejeitar o projeto”, ressaltou Machado;
- o fato de o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negarem que as comunidades ribeirinhas tenham direito a serem consultadas de forma prévia, livre e informada. Para negar a efetivação desse direito, Dnit e Ibama utilizam um critério de localização geográfica, referente à distância de cada comunidade em relação às obras. Para o MPF, o processo de consulta deve ser garantido a todos os povos indígenas e comunidades tradicionais impactadas. O procurador registra que “é importante esclarecer que impacto, na concepção adequada, no entendimento do MPF, tem a ver com o uso tradicional da calha principal do rio, para a prática da pesca, da navegação”;
- a decisão, em 2013, pela não realização de análise dos impactos referentes ao funcionamento da hidrovia – tráfego de comboios e grandes embarcações –, restringindo os estudos aos danos provocados pelas obras de explosão de rochas (derrocamento) e de retirada de bancos de areia (dragagem) do leito do Rio Tocantins, ignorando impactos a diversas regiões da bacia hidrográfica que serão potencialmente afetadas. Esse chamado fatiamento ou fragmentação do licenciamento faz com que possíveis impactos a diversas comunidades no Pará, Goiás, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins não sejam consideradas no licenciamento;
- a não demonstração da viabilidade socioambiental do empreendimento, sendo que a precariedade do diagnóstico da atividade pesqueira foi um dos aspectos mais negativos nesse contexto, alertou Machado. Mesmo que analistas do Ibama tenham apontado que o monitoramento da pesca durante um ciclo hidrológico completo seria imprescindível para a análise de viabilidade socioambiental do empreendimento, para a expedição da licença prévia o próprio Ibama dispensou a realização desse monitoramento. “Esse monitoramento seria indispensável para a constituição do chamado marco zero do licenciamento, que possibilitaria a identificação futura e a mensuração dos impactos sobre a pesca, a principal fonte de sobrevivência das comunidades”, ressalta o procurador.
“É outro grande empreendimento na Amazônia baseado em uma concepção de desenvolvimento que subestima os danos socioambientais e privatiza recursos escassos para o lucro de poucos. Sem consulta às comunidades, com critérios inadequados de avaliação e carência de monitoramento dos impactos futuros”, resume o titular do MPF para a defesa dos direitos humanos no Pará.
Pesquisadores criticam – O pesquisador Alberto Akama, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e a professora Cristiane Vieira da Cunha, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), enfatizaram, entre outros pontos, que o licenciamento não considerou os impactos da hidrovia que podem ocorrer de forma associada com danos provocados por outros grandes projetos na região da bacia do Araguaia-Tocantins.
“É também importante mencionar questões não diretamente ligadas ao processo de licenciamento. Por exemplo: para quem será feita essa obra? Para quem são as benesses? Para o povo brasileiro ou para produtores e mineradores?”, disse Akama.
A professora Cristiane Vieira da Cunha registrou que há o risco de que, em seguida à aceitação do fatiamento do licenciamento da hidrovia, também sejam aceitos licenciamentos de outros projetos na região – como hidrelétricas e outro pedral – de forma fragmentada, sem avaliação do acúmulo e da sobreposição de impactos.
“É preciso ter a compreensão que as comunidades ribeirinhas tradicionais são muito mais do que aquelas apresentadas nos estudos de impactos ambientais realizado pela empresa e na atual complementação desses estudos, apresentada em julho de 2024”, completou a pesquisadora, que também alertou para a ausência de mapeamento de impactos à fauna de quelônios, ameaçada de extinção.
Sobre o evento – A audiência foi solicitada pelos senadores Jorge Kajuru (PSB-GO) e Leila Barros (PDT-DF). Também participaram, como convidados, a diretora de Sustentabilidade do Ministério de Portos e Aeroportos, Larissa Amorim, o coordenador-geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Pontuais Terrestres do Ibama, Edmilson Comparini Maturana, a coordenadora de Manutenção e Serviços Aquaviários do Dnit, Mariana Vaini de Freitas Daher, e o secretário especial de Estudos e Projetos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Bruno de Oliveira Pinheiro.
(Fonte: MPF, com informações da Agência Senado)