O verão mal começou e o vendedor Wanderley Bastos já procurou duas vezes o Hospital Regional, em Redenção, no interior do Pará. Alérgico à fumaça, Bastos sofre com as queimadas que começaram nos terrenos dentro e nos arredores da cidade. “Da última vez saí de casa praticamente desmaiado, sem poder respirar”, comenta o vendedor.
É no verão, durante o período de maior seca da floresta (maio a outubro) que a Amazônia registra os maiores índices de queimadas, tanto urbanas quanto na zona rural. O ano passado registrou um aumento de 30% em comparação a 2018. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 89.178 focos de queimadas em toda a Amazônia, contra 68.345 no mesmo período anterior. Na década, 2019 foi o terceiro ano com o maior número de focos no ranking, atrás apenas de 2017 (107.439) e 2015 (106.438).
No Pará, a situação é ainda mais grave. Em agosto de 2019, foram mais de 6.600 ocorrências em apenas 19 dias.
Leia mais:Rodrigo Freire, vice gerente de restauração florestal da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, alerta para os perigos que o fogo, desde o provocado por pequenas queimadas até incêndios florestais, pode trazer para a saúde da população. “É importante lembrar que passamos por um período de pandemia, devido à Covid-19, que ataca as vias respiratórias. No Estado do Pará, esse é o momento que acontece o maior número de focos de queimadas e incêndios, com muita fumaça no ar, provocando o aumento dos casos de internação de pessoas com problemas respiratórios causados pela fumaça, sobrecarregando, ainda mais, o sistema de saúde”, diz ele.
Organizações não governamentais, como a The Nature Conservancy, uma das maiores de conservação ambiental do mundo, já iniciaram campanhas para esclarecer principalmente aos produtores rurais das regiões sul e sudeste do Pará sobre os riscos do fogo. Um dos instrumentos da campanha da TNC é o programa de rádio “Floresta Sem Fogo”, que é veiculado nas principais emissoras das cidades de Altamira, São Félix do Xingu, Tucumã, Anapú e Senador José Porfírio. A expectativa é que um público ouvinte de, no mínimo, cinco mil pessoas, seja alcançado com as transmissões. No primeiro programa, o tema abordado foi justamente os perigos que o fogo e a fumaça trazem para a saúde.
No ano passado, quando os focos de incêndio aumentaram 30% e estamparam as manchetes dos principais jornais do Brasil e do mundo, houve aumento de 2,5 mil internações mensais por problemas respiratórios. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisou dados de hospitais de cerca de cem municípios da Amazônia Legal entre maio e junho de 2019 e concluiu que Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso foram os estados mais afetados.
Idosos e crianças
A fumaça das queimadas da Amazônia costuma afetar principalmente as crianças, ainda que tenha impacto também na saúde de idosos, grupo de risco para a Covid-19. A pesquisadora Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, explica que as crianças são mais vulneráveis à fumaça das queimadas porque o pulmão ainda está em desenvolvimento. “A criança começa a apresentar um quadro de redução da função pulmonar e isso traz problemas como asma”, afirma.
Nos idosos, a fumaça atua como agente irritante de vias áreas e pode agravar doenças pré-existentes. A fumaça das queimadas tem compostos tóxicos, como, por exemplo, monóxido de carbono, dióxido de carbono e óxidos de nitrogênio, além de materiais particulados, com alta capacidade de dispersão, o que faz com que a fuligem possa chegar a locais distantes dos focos de incêndio, ainda de acordo com a especialista da Fiocruz.
A pesquisadora das universidades britânicas de Oxford e Lancaster, Erika Berenguer, especialista em degradação florestal, afirma que qualquer problema respiratório, sobretudo neste momento de pandemia é arriscado. “A soma da Covid-19 com queimadas é a tempestade perfeita para termos um pico de morte nos estados do Norte por causa de problemas respiratórios”. A diretora de alta e média complexidades da Secretaria de Saúde de Redenção, Ágda Cleide, confirma a preocupação. “A rede pública de saúde do município já conta com poucos leitos disponíveis para atender a demanda da Covid-19, se somarmos mais dezenas de pacientes, vítimas da fumaça das queimadas, nosso sistema de saúde entrará em colapso”, pontua Ágda. (Gaby Comunicação)