Durante os 27 anos em que esteve preso, Nelson Mandela escreveu centenas de cartas, que agora, no ano do centenário do nascimento do líder da luta contra o apartheid, ganharam forma de livro na África do Sul para contar suas experiências atrás das grades.
“Cartas da Prisão de Nelson Mandela” (título não oficial em português) reúne 255 mensagens escritas por “Madiba”, como é conhecido popularmente no país natal e que completaria 100 anos em 18 de julho.
Mandela escreveu as cartas entre o final de 1962 – logo antes de ser levado ao presídio de segurança máxima de Robben Island (Cidade do Cabo) – e 11 de fevereiro de 1990, dia em que voltou a ser um homem livre no prelúdio do desmantelamento do regime de segregação racial sul-africano.
Leia mais:“Minhas queridas, mais uma vez, a nossa querida mãe foi detida, e agora tanto ela como o papai estão na prisão. O meu coração sangra ao pensar nela sentada em alguma cela policial longe de casa, talvez sozinha e sem ninguém com quem conversar, nem nada para ler. Vinte e quatro horas por dia tendo saudade das suas crianças”, diz uma das mensagens, enviada às suas filhas Zinzi e Zenani em junho de 1969.
Há também cartas escritas a sua segunda esposa, Winnie Madikizela-Mandela, a políticos, às autoridades da prisão e a seus advogados e amigos, organizadas em ordem cronológica.
“Ele escreveu cartas desde o início e até o último minuto, é impressionante”, disse à Agência Efe Sahm Venter, editora da obra.
O que começou como um projeto jornalístico terminou se transformando em um livro que conta a história de Mandela de maneira incomum: é o marido impotente que sabe que sua esposa sofre, o pai ausente nos aniversários e o avô que não conhece os netos.
“Sua foto é fonte de consolo quando penso em ti, olhá-la várias vezes é a única coisa que me dá conforto quando o amor e a lembrança me engolem. Seu estado e saúde e o das nossas filhas, os reconhecimentos e tudo o que inquieta sua alma me preocupa”, escreveu Mandela a sua esposa em setembro de 1976.
O líder também tentou melhorar as degradantes condições dos prisioneiros políticos e passar informações fundamentais para seus companheiros de luta.
“Temos, além disso, o Mandela líder, o sonhador e, sobretudo, o otimista. Pode-se pensar que na sua situação em algum momento poderia ter se dado por vencido, mas este é o retrato de uma pessoa que decidiu não renunciar nunca a sua dignidade, sem importar o que acontecesse”, afirmou a editora.
Sahm passou dez anos trabalhando com os arquivos dos registros oficiais sobre Mandela na prisão e em contato com amigos e conhecidos do Nobel da Paz para compilar todas as mensagens possíveis.
Algumas revelam fragmentos de histórias que até agora não eram conhecidas ou sobre as quais não havia provas, nem contexto.
“As cartas contam não só a história do que acontecia na prisão e no mundo, mas do que passava pela sua cabeça. Contam a história do que era ser aquela pessoa na prisão”, disse Sahm.
A editora cita como exemplo uma carta na qual Mandela pedia permissão ao ministro da Justiça para que sua esposa pudesse ter uma arma de fogo, algo altamente incomum para uma pessoa negra que, além disso, era uma notável oponente política.
Na mensagem, Mandela cita cartas de Winnie nas quais ela descrevia ataques sofridos até na sua própria casa, como uma noite na qual acordou ao perceber que alguém tentava estrangulá-la.
“Dá para imaginar o que é ser o marido e saber que tentam matar sua mulher várias vezes, mas não poder fazer nada exceto escrever ao ministro da Justiça? Ele nunca conseguiu a permissão, mas tentou. Ele tentava ser o marido, o pai e o líder”, ressaltou Sahm.
Todas as cartas escritas por Mandela foram revisadas, copiadas e censuradas pelos funcionários do presídio.
No início, só era permitido aos detentos escrever seis correspondências ao ano, e muitas nunca foram enviadas a seus destinatários, mas “Madiba” redigiu mensagens que hoje fazem parte da história de luta contra a opressão da maioria negra sul-africana.
“Cartas da Prisão De Nelson Mandela” é só o primeiro volume de cartas de um total de três que a editora deve publicar.
(EFE)