Entre 2010 e 2021, pessoas negras foram mais vítimas de erros médicos devido a acidentes ou à negligência profissional no Brasil. Essa é a conclusão do Boletim Saúde da População Negra, projeto do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto Çarê.
O estudo foi divulgado esta semana pelo IEPS e pelo Instituto Çarê, criado com o objetivo de produzir pesquisas e informações sobre a saúde da população negra. Os dados são exclusivos.
A pesquisa também revelou que as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste apresentam mais casos de internação de negros por incidentes, como cortes acidentais numa cirurgia, em comparação com brancos.
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Veja principais pontos sobre o tema
- Quais foram os dados analisados pelo estudo?
O estudo levantou que, entre 2010 e 2021, foram registradas 66.496 internações por causa de “eventos adversos”, que podem ser cortes acidentais, perfurações, limpeza (assepsia) insuficiente de uma ferida, objetos estranhos deixados no corpo do paciente durante procedimentos médicos, erros de dosagem, administração de substâncias contaminadas e outros. Pela média, foram 15 casos por dia.
- Quais foram as principais conclusões do estudo?
Em todas as regiões do país, menos no Sul, as taxas de internação devido a incidentes por causa de “eventos adversos” são mais elevadas entre a população negra.
Na média calculada de 2012 a 2021, no Norte e no Nordeste, as pessoas negras têm seis vezes mais chances de serem internadas por omissão médica em comparação com as brancas.
No Centro-Oeste, a probabilidade é três vezes maior. E, no Sudeste, as pessoas negras têm uma chance 65% mais elevada de serem hospitalizadas por conta de eventos adversos.
A análise comparou apenas negros e brancos pois a incidência de casos documentados de amarelos e indígenas foi baixa.
- Qual a exceção?
Na região Sul, a tendência se inverte. Pessoas brancas apresentam uma probabilidade 38% maior de serem internadas por acidentes médicos em comparação com a população negra.
- Como os erros médicos e acidentes ocorrem?
De acordo com o boletim, os erros médicos pode ocorrer em casos de negligência do médico, ação precipitada, imprudência do profissional e até desconhecimento teórico ou prático.
O instituto afirma que esses erros médicos são relacionados à deficiência no sistema organizacional e na execução dos serviços e que analisá-los é uma chance para aprimorar a qualidade do atendimento.
O estudo reconhece, porém, que “mesmo entre profissionais altamente conscientes, equívocos são inevitáveis devido à natureza humana”.
- Qual o perfil dos pacientes?
Dos 66.496 pacientes catalogados:
- 26.779 são brancos;
- 21.977 são negros;
- 792 são amarelos;
- 35 indígenas; e
- 16.913 sem informação.
Entre os negros que agrega pretos e pardos, 19.301 são pardos e 2.676 são pretos. Apesar da pequena diferença, as taxas dos acidentes com mulheres brancas superam as relativas às negras.
“Já para o caso dos homens, elas são um pouco maiores. Os homens negros têm apresentado as maiores taxas de acidentes e incidentes adversos, de maneira estável, desde 2016”, aponta o texto.
- Há soluções?
O documento diz que historicamente a população negra “sofre sobreposições de vulnerabilidades” pois “enfrenta mais barreiras no acesso à saúde e, inclusive, maiores níveis de discriminação racial no atendimento nos serviços de assistência médica”.
Para o instituto, as desigualdades no tratamento médico mostram a “importância de políticas específicas”.
O estudo cita a necessidade de aplicação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), para melhorar o acesso aos serviços de saúde à população como um todo.
“A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) (Brasil 2009), por exemplo, oferece diretrizes valiosas para abordar as disparidades, incluindo a promoção do acesso equitativo a serviços de saúde, o combate ao racismo estrutural e a participação ativa das comunidades afetadas no desenvolvimento de políticas de saúde”, diz o artigo.
Qual critério foi escolhido para a análise?
Os dados usam como base o Sistema de Informações Hospitalares (SIH).
O estudo analisou internações relacionadas a acidentes e incidentes adversos, conforme definidos pela Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Esta classificação diz respeito a situações que ocorrem na prestação de cuidados médicos e cirúrgicos.
Também foram considerados eventos na etapa do diagnóstico e também relativos a terapias, com uso de dispositivos médicos.
O autor do estudo e pesquisador do IEPS, Rony Coelho, explica que as taxas de internação comparam o número de internações em cada grupo étnico com base em uma população de 10 mil habitantes. Ele usou as estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua, IBGE).
“Assim, ao calcular as taxas de eventos (neste caso, acidentes e incidentes adversos) em relação à raça ou cor da população, ficam ajustados (balanceados) os números para garantir que não haja viés devido às diferenças na distribuição racial ou étnica na população. Isso visa evitar distorções nos dados causadas pela concentração de diferentes grupos raciais ou étnicos em determinadas regiões geográficas”, disse o representante do IEPS.
“Por exemplo, se a população negra é mais numerosa em uma região do país e a população branca é mais numerosa em outras, os valores brutos podem ser influenciados por essa distribuição regional desigual. No entanto, ao realizar o cálculo das taxas elas refletem as diferenças raciais ou étnicas na população de maneira equitativa, independentemente de onde esses grupos predominem geograficamente. Isso ajuda a obter uma imagem mais precisa das disparidades de saúde entre diferentes grupos raciais ou étnicos, levando em consideração a distribuição demográfica em todo o país”, exemplificou.