Neste dezembro, oferecemos ao leitor histórias que sintetizam o que há de mais humano em nós – amor, alegria, fé, luz e esperança – reportagens inspiradas em São Francisco de Assis, que revolucionou a Igreja no século XIII e, posteriormente, ganhou uma oração, que se transformou em uma das preces mais populares no Ocidente. As palavras acima, que estão em negrito, foram retiradas da Oração de São Francisco para mostrar que em Marabá há pessoas que vivem os ideais dessa prece ajudando o próximo.
O capítulo 25 do livro de Mateus, na Bíblia, traz no versículo 36 “…Estive preso e vocês me visitaram”, ao citar uma das ações de humildade e bondade das ovelhas do rebanho de Deus. Tal frase representa bem a atuação da Pastoral Carcerária da Diocese de Marabá que, atualmente, possui 20 voluntários que visitam aproximadamente mil presidiários que vivem reclusos em Marabá. Exercício pouco reconhecido e de muita fé que exige desses filantropos enxergar com o coração, ao invés de julgar como a grande maioria da sociedade para transformar vidas através das grades.
Esta semana, o Correio de Carajás conversou com o missionário Domilson Carlos dos Santos, líder da Pastoral Carcerária há 21 anos. Ele falou sobre o projeto e detalhou como funciona o trabalho social com o entusiasmo de quem ama o que faz. Para ele, é de uma alegria sem tamanho estar nessa região do sudeste do Pará trabalhando com os que se encontram privados da liberdade.
Leia mais:O voluntário explica que a Pastoral Carcerária possui quatro dimensões. A primeira delas consiste na escuta: “A gente vai para cantar e rezar, mas antes de tudo, para ouvi-los e ser um ombro amigo. Não é fácil para eles dormirem e acordarem em uma cela com mais de oito pessoas todos os dias e não ter privacidade ou com quem desabafar”, clarifica, acrescentando que basta apenas se colocar no lugar de um deles para se empatizar com a situação.
Domilson diz que busca ser aquela pessoa com quem eles possam partilhar suas tristezas, angústias e alegrias. Após a escuta, há a leitura da liturgia do dia com os presos e, nela, o exercício de inserir a pessoa na condução daquela atividade, para que ela se sinta, ao máximo, parte do processo. Ao final, há também um momento de reflexão sobre a mensagem diante da realidade dos que estão ali, sendo aberto um espaço para que também falem sobre o que foi lido.
A segunda dimensão da Pastoral compreende acompanhar a inserção do preso à sociedade, o que o missionário considera um dos pontos mais difíceis, pois não é fácil fazer com que as outras pessoas olhem para os egressos com o olhar de Deus, de perdão e compaixão ao invés de preconceito e rejeição. “Esse é o verdadeiro desafio intransponível, já que é vivenciado dentro da própria família, entre amigos e no mercado de trabalho, barrando o ex-encarcerado de levar uma vida normal”, lamenta.
A terceira dimensão abarca formar uma equipe jurídica voluntária que possa acompanhar o preso durante sua estadia na prisão, com um grupo baseado em advogados, assistentes sociais e psicólogos. Esse aspecto, segundo Domilson, é o mais difícil, uma vez que depende de vários profissionais que estejam aptos a trabalhar voluntariamente com os detidos. São necessárias de empatia, dedicação e vontade.
No quarto e último processo, há o acompanhamento do egresso e sua família, saber como ele está lidando com o retorno à sociedade e a difícil missão de fazer com que esse preso não retorne à criminalidade e, consequentemente, à cadeia: “Isso exige muita responsabilidade, pois dentre aqueles mil homens com quem trabalhamos, pouquíssimos são os que estão lá pela primeira vez, justamente devido à discriminação e a facilidade de voltar ao mundo do crime por ser um caminho mais atrativo”.
Domilson relembra emocionado a narrativa de um pai encarcerado em Marabá e que tinha um filho que morava em Floresta do Araguaia. O adolescente de 13 anos possuía uma vontade arrebatadora de ver o pai. Quando o jovem entrou de férias, sua avó comprou uma passagem para que ele passasse um período em Goiânia, mas ele, desesperado pelo reencontro com o genitor, renunciou à viagem para entrar em contato com Domilson e lhe comunicar que viria até a cidade para que ele conseguisse esse encontro.
“Eu não achava que ele viria tão rápido aqui. Eu estava em uma missão em São Paulo e em uma questão de dias, ele já estava na rodoviária de Marabá. A avidez de sua atitude foi justificada pela grande saudade do pai”, conta o voluntário, emocionado.
Em resumo, como nada havia sido marcado e diante da burocracia existente para essas visitas, esse encontro dependeu de um combinado entre a direção da casa de acolhimento com a assistência social, e do bom relacionamento existente entre elas e a Pastoral, além de uma ordem expedida direta de Belém.
Segundo Domilson, foi um momento de pura emoção. De acordo com o relato do missionário, eles se abraçaram por mais de 20 minutos seguidos e ambos choraram exacerbadamente. “Um instante ímpar que poderia fazer qualquer um que estivesse presente, refletir sobre como a falta do aprisionado afeta e impacta a vida da família que o espera ansiosa e afoitamente aqui fora”.
No hiato pandêmico, as visitas foram suspensas e ele conta que mesmo assim, entrava em contato com as assistentes sociais para ter notícia de cada encarcerado ao qual era responsável.
“Não deixa de ser triste a situação devido às circunstâncias que eles vivem diariamente e a privação da liberdade, mas a perseverança e a esperança prevalecem e sigo acreditando que um dia haverá liberdade a todos, quando a sociedade passar a olhar e acreditar na reinserção do encarcerado no mundo”, encerra o missionário, acrescentando que quando a sociedade aprender a olhar o outro e sua realidade com os olhos de Deus, as coisas serão harmoniosas. (Thays Araujo)