- Contextualizando
- Presidente americano anunciou taxação de importações brasileiras em retaliação a julgamento do ex-presidente Bolsonaro; EUA também importam do país de Putin
Um post no Instagram viralizou ao afirmar que o Brasil está financiando a Rússia na guerra contra a Ucrânia ao comprar diesel russo e que “essa é uma das principais razões pelas quais estamos sendo sancionados tão severamente pelos Estados Unidos”. O vídeo analisado pelo Comprova afirma ainda que “as sanções não virão somente dos Estados Unidos, mas agora virão de todos os países da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]”.
Mas não é bem assim. O post acerta ao falar sobre os valores que o Brasil gastou ao comprar diesel russo: US$ 95 milhões em 2022, US$ 4,5 bilhões em 2023 e US$ 5,4 bilhões em 2024. O autor fala do grande salto entre o último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) e os anos de Lula (PT). O Comprova contatou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e confirmou os números.

I Legenda: Tabela do site do Ministério do Desenvolvimento mostra valores pagos pelo Brasil pelo diesel russo de 2022 a 2024 I
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No entanto, José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), destaca que “o fato de o Brasil comprar mais diesel não significa nada em relação à guerra. “O Brasil pode importar do país A, B ou C, o que são levadas em conta são decisões técnicas, anteriores a esse conflito”, explica.
Maurício F. Bento, professor de economia internacional na Hayek Global College, reforça: “O Brasil importa diesel não porque apoia a Rússia, mas porque que precisa de diesel e o país mantém preços bastante competitivos e favoráveis. Esse relacionamento existe porque é algo positivo para o próprio Brasil”.
De acordo com ele, como muitos países romperam com a Rússia por conta da guerra, o país continuou tendo que vender seus produtos e, assim, acabou baixando os preços, o que fez com que o Brasil fizesse importação recorde mencionada no post.
Se o que o autor do post diz fosse verdade, então seria correto afirmar que os Estados Unidos também financiam a Rússia, uma vez que, em 2024, eles importaram US$ 3,3 bilhões do país de Vladimir Putin. Ou que o Brasil financia a Ucrânia, tendo em vista que, em 2024, importou US$ 55,6 milhões daquele país.
O governo norte-americano anunciou que pode aplicar tarifas sobre países que fazem comércio com o mercado russo, como o Brasil. A medida foi anunciada após fracassarem as tratativas de um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, em julho.
Mas há outra sanção anunciada pelo presidente Donald Trump contra o Brasil que nada tem a ver com a Rússia: tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros por conta, segundo Trump, de uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro (PL) e um suposto déficit dos Estados Unidos nas relações comerciais com o Brasil, como mostrou o Comprova. Trump não fez nenhuma conexão entre a aplicação das tarifas e a compra de diesel russo pelo país.
O autor do post fala em possíveis sanções da OTAN contra o Brasil, referindo-se a uma declaração do secretário-geral da instituição, Mark Rutte. Em 15 de julho, ele afirmou que Brasil, China e Índia podem ser punidos por importar produtos da Rússia. Mas ele se referia às sanções mencionadas por Trump, não a uma medida da OTAN. “Se a Rússia não levar a sério as negociações de paz, em 50 dias ele (Trump) aplicará sanções secundárias a países como Índia, China e Brasil. Meu incentivo para esses três países em particular é que você pode querer dar uma olhada nisso, porque pode te atingir muito forte”, declarou Rutte.
A declaração foi divulgada um dia depois do anúncio de Trump sobre novas sanções. O republicano, no entanto, não detalha o que seriam essas tarifas secundárias e quem seria afetado.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, rebateu as declarações de Rutte. “Não faz sentido discutir questões comerciais com um funcionário de uma aliança militar da qual sequer participamos”, declarou. Segundo o chanceler, o debate sobre relações com a Rússia é pauta para debates bilaterais e na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Maurício F. Bento, entrevistado pelo Comprova, disse que, “se o Brasil simplesmente rompesse com a Rússia (para agradar a OTAN), seria o Brasil adotando os interesses de outro país”.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O vídeo foi postado por um perfil com mais de 2,6 milhões de seguidores. Na descrição, o autor se diz “cientista da mente inconsciente, formador de líderes do novo tempo e cristão com missão de forjar Inquebráveis”.
A página apresenta vídeos sobre temas de repercussão, com ênfase em política e religião. Nas postagens, o autor costuma fazer críticas ao governo Lula e ao ministro Alexandre de Moraes, além de demonstrar apoio a Trump. Ele aparece com boné com a inscrição da campanha do republicano, “Make America great again”.
O post verificado aqui foi visualizado mais de 1,1 milhão de vezes até a publicação deste texto.
Por que as pessoas podem ter acreditado
O post é em formato de vídeo, mas, logo na legenda, o autor escreve: “Eu tenho pra onde ir quando tudo “explodir” mas e o povo que não tem?”. Mensagens alarmantes costumam ser usadas por desinformadores para prender a atenção dos internautas. Ao sugerir que o Brasil estaria acabando como nação, o autor gera sentimentos como nervosismo e ansiedade no espectador, fazendo com que ele não pare para refletir no assunto abordado.
O vídeo inicia com a frase “se for inteligente, assista até o final” escrita sobre a imagem, o que atiça o internauta, levando-o a acreditar no conteúdo, uma vez que supostamente foi publicado por uma pessoa inteligente.
Fontes que consultamos: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, reportagens sobre o tema e entrevistas com José Augusto de Castro, da AEB, Maurício F. Bento, da Hayek Global College.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já explicou a sanção imposta pelos Estados Unidos ao Brasil e a sobretaxa estudada pelo país norte-americano para países que compram produtos da Rússia.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.