Em tempos de aniversário de Marabá, falar de bairrismo também é salutar. Na série “Marabá do meu tempo” fomos até o núcleo de Morada Nova, distante 12 km do centro da cidade, para uma entrevista com a designer de sobrancelha Valéria Cristina do Carmo Silva, mais conhecida como Cris.
Ela nasceu, cresceu, estudou e trabalha em Morada Nova, núcleo do qual tem muito orgulho e defende com unhas e dentes. Cris tem 26 anos de idade, dona de uma beleza que reflete bem o marabaense. E, claro, o sorriso encantador (e não é só na fotografia).
Voltemos ao assunto “bairrismo”. Cris faz questão de enfatizar o quanto já sofreu com “piadinhas” sobre a distância entre Morada Nova e o centro da cidade e avalia que esse preconceito é muito maior com o bairro em que ela nasceu do que com São Félix, por exemplo.
Leia mais:Por isso, Valéria fala em nome de outros residentes em Morada Nova e conta que viver do outro lado da ponte do Rio Tocantins é muito difícil, porque a população desse núcleo se sente excluída do resto da cidade. “Tudo depende de Marabá. Se você for pagar um boleto, tem que atravessar a ponte; se for fazer uma transferência, tem que ir a Marabá. Então é muito dificultoso e o povo se sente, sim, discriminado. Eu faço parte dessa parcela.
Para Valéria, atravessar a ponte é um martírio e deveria haver mais inclusão da Marabá dita “central” com a cidade “abastada”. Para muitos, inclusive, Morada Nova seria uma espécie de zona rural, o que de fato não é.
Valéria é filha do casal Rosirene do Carmo Silva (agente comunitária de saúde) e José Ferreira da Silva (lavrador) e tem uma irmã mais velha, Andréia do Carmo Silva, de 31. No Ensino Fundamental, Cris estudou na Escola Pedro Peres, em Morada Nova, e o ensino Médio foi todo no Colégio Gabriel Sales Pimenta, muito famoso em toda a cidade de Marabá. Ela revela que não é afeita a festas porque seu pai sem foi um homem muito rígido. Na adolescência, a menina não costumava sair para se divertir, e quando o fazia, era com a família. “Meu pai sempre prezou pelo princípio da boa criação, tanto que ele nunca teve trabalho comigo nem com a minha irmã”, diz, orgulhosa.
Cris conta que estudava bastante e gostava de ir à escola Gabriel Sales Pimenta (ela citou o nome dessa escola na entrevista pelo menos nove vezes). As memórias agradáveis estão sempre relacionadas às atividades lúdicas que participava com as colegas, sobretudo a dança. Relembra que gostava de dançar ao som dos estilos tocados na época: axé, hip-hop, carimbó e outros. “O ruim era que, na época, nós só tirávamos foto pelo celular, que não tinha tantos recursos tecnológicos como os smartphones dos dias atuais”, lamenta.
Foi nessa época que sua mãe adquiriu uma câmera fotográfica, muito usada por Valéria no registro dos acontecimentos escolares. “Ela (a câmera) nem existe mais, porque eu tirei muita foto das nossas brincadeiras lá na escola e até estou tentando resgatar alguns registros para guardar de recordação. São dias que não voltam mais”, diz.
Os piqueniques e eventos na escola são fatos que fazem parte da memória afetiva de Valéria e diz, em meio ao suspiro de “ah, como era bom”, que sempre precisava levar alguma coisa para o lanche. “Como a minha mãe sempre foi confeiteira e gosta de cozinhar, eu aprendi com ela a preparar bons pratos e sempre tinha alguma coisa em casa para oferecer às amigas”. E todo mundo gostava. Quando tinha alguma coisa na escola (festa), era eu quem tinha de levar, nem que fosse um pão de queijo”, narra.
Como filha de bom lavrador, Cris conta que só recorda de momentos felizes da infância e juventude, não viveu dissabores por ser querida pelas colegas e afirma que as amizades que fez foram sempre verdadeiras. “Não existia maldade. Hoje em dia é difícil construir amizade com alguém porque as pessoas são muito maldosas. Por isso digo que vivi coisas maravilhosas naquele tempo”, gaba-se.
Outro fato da história da adolescência e juventude da jovem de Morada Nova é que ela sempre gostou de participar dos eventos da Igreja Católica e recorda que se reunia com um grupo de catequese na paróquia do bairro, chegando a estudar catecismo e a ser crismada (unção).
Mas não é só de Morada Nova que ela fala bem. A comunidade de Murumuru, localizada a seis quilômetros depois de Morada Nova, também foi muito importante em sua formação social. “Minha família mora em Murumuru e costumo passar os fins de semana por lá. Isso, para mim, é muito gratificante”, conta.
O AMOR PODE ESPERAR
Há sete anos, Valéria começou a trabalhar como designer de sobrancelha e hoje mantém um salão próprio em Morada Nova. Não tem namorado (jura que não está procurando um (será?) e que a clientela é grande e de vários cantos da cidade, inclusive de Nova Ipixuna, para onde viaja a cada 15 dias para retocar a beleza das clientes.
E por falar em clientes, a moça diz que não são apenas mulheres e que os homens também estão valorizando uma sobrancelha bem feita e investem no próprio visual. “Mas vou logo avisando: não atendo em domicílio, só aqui no meu salão mesmo”.
Para fazer o curso de designer, Cris revela que não tinha dinheiro e que foi uma época muito delicada de sua vida. “Eu não podia pagar aquele curso, embora o valor fosse apenas R$ 50,00. Foi uma vizinha minha, a Laura, quem pagou e eu sou muito grata a ela até hoje, de coração”.
Sim, Marabá é feita, também, de pessoas simples e trabalhadoras como Valéria Cristina, que não está no centro, mas ama a cidade e quer vê-la crescer para todos os lados. (Ulisses Pompeu)