Correio de Carajás

Na volta às aulas, educadora de Marabá alerta sobre uso de Chat GPT

Doutora da Unifesspa observa que alunos estão cada vez mais em uma disputa querendo transformar a aula do professor em uma aula de YouTube, e isso não existe na sala de aula

Fidelainy se preocupa com o fato de a tecnologia não chegar para todos os alunos ao mesmo tempo/ Fotos: Ulisses Pompeu

O avanço da Inteligência Artificial e a popularização de ferramentas como o Chat GPT têm impactado cada vez mais o ambiente educacional, incluindo a sala de aula. Diante desse cenário, surge a importante questão de como os professores podem lidar de forma eficiente com o uso crescente dessas tecnologias pelos alunos, a fim de evitar plágio de trabalhos escolares e promover a aprendizagem significativa em todos os componentes curriculares.

Nesta reportagem, discutimos com a professora universitária e do ensino fundamental em Marabá, Fidelainy Sousa Silva, os desafios para orientar educadores e estudantes, para que possam abrir dialoga-lo sobre as limitações dessas ferramentas e promover o desenvolvimento de habilidades críticas para compreender e questionar os resultados gerados por sistemas automatizados, contribuindo para um processo de ensino-aprendizagem mais eficaz e engajador.

Fidelainy Sousa é natural de São Domingos do Araguaia, é licenciada em Letras Inglês pela UFPA; cursou mestrado e doutorado em Teoria, Crítica e Comparatismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professora do curso de Letras na Unifesspa e formadora de educadores na rede municipal de ensino de Marabá. Acompanha na íntegra e através de vídeo, o diálogo de 20 minutos entre a docente e a repórter Thays Araujo:

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CORREIO DE CARAJÁS – Sabendo que a Inteligência Artificial já é uma realidade entre os estudantes, como os professores podem lidar de forma eficiente com o uso crescente dessa ferramenta e outras tecnologias de geração de texto pelos alunos, para evitar plágio e promover a aprendizagem significativa?

Fidelainy Sousa – Como professora, nos deparamos com situações inusitadas relacionadas à cópia e plágio de atividades. Em uma das nossas avaliações, a produção de texto em casa está sempre presente, ligada à atividade que as crianças devem desenvolver. É claro que eles utilizam a tecnologia, como o GPT, cada vez mais em todos os níveis de ensino, desde a escola básica até a universidade. No entanto, é essencial que o professor lance mão da ferramenta do diálogo e apresente essas tecnologias aos alunos com antecedência.

Acredito que uma das formas de lidar com o plágio, com a cópia das atividades feitas pelos alunos é orientá-los antes de direcionar as tarefas, conversando com eles e apresentando as ferramentas disponíveis, assim como o Google, que já estava disponível para pesquisas. No caso do GPT, ele entrega respostas semelhantes às que uma pessoa elaboraria, tornando importante a conversa prévia com os alunos antes de direcionar as atividades para casa.

Como professora de língua portuguesa, sempre trabalhamos com a produção e elaboração de atividades de escrita e a prática da oralidade. Nessa disciplina, aprender as competências de comunicação exige muito mais do que apenas copiar respostas. É necessário testar as competências dos alunos em diversos níveis, como interpretação, criticidade, reflexão sobre o conteúdo e diferenciação de opiniões e tópicos temáticos. A construção textual exige mais do que respostas prontas retiradas da internet.

O GPT ficou popularizado no final do ano passado, a partir do mês de novembro. Dali, passamos a perceber quando as respostas entregues pelos alunos são prontas e como isso pode distorcer o processo de aprendizagem que eles estavam desenvolvendo ao longo do curso. É fundamental considerar o diagnóstico que tínhamos de cada aluno e valorizar avaliações individualizadas para verificar suas competências individuais e se estão atingindo as metas propostas.

“É importante trazer os alunos para o diálogo e conscientizá-los sobre as limitações do robô”, adverte Fidelainy

CORREIO DE CARAJÁS – Como professores podem auxiliar alunos a desenvolverem maturidade e habilidades de leitura crítica para compreender as respostas geradas por ferramentas de pesquisa automatizadas?

Fidelainy Sousa – Precisa-se entender que somos nós que estamos sempre à frente das problemáticas que surgem. Surgiu um problema climático? Vamos verificar como os professores estão desenvolvendo e pesquisando sobre isso, o que estão dizendo e como estão agregando esse conhecimento. O mesmo deve ocorrer quando surge um novo aplicativo que promete fornecer respostas similares a de um ser humano, simulando diálogos instantâneos e baseado em milhões de artigos científicos qualificados, compilando toda a base da Scielo em segundos.

Este aplicativo, chamado de chat GPT, pode gerar excelentes respostas com base em palavras-chave fornecidas pelo usuário. Porém, como lidar com essa tecnologia quando orientamos alunos que ainda não possuem maturidade suficiente para compreender que o chat GPT não faz análises críticas, nem possui conhecimento contemporâneo ou histórico? Ele não consegue discernir disputas históricas, a menos que as perguntas o direcionem.

Os alunos podem ter dificuldade em distinguir fake news da argumentação lógica e cientificamente comprovada. É importante que os professores estejam cientes de que o chat GPT é apenas uma ferramenta adicional para a autonomia de estudo, não sendo a solução definitiva para todas as respostas, apesar de sua aparência promissora.

CORREIO DE CARAJÁS – E como os educadores estão lidando com essa ferramenta para promover o desenvolvimento de habilidades críticas e comunicativas dos alunos?

Fidelainy Sousa – O Chat GPT causou um grande impacto mundialmente, especialmente em profissões relacionadas à produção de textos e educação, já que a ciência é comprovada por meio de documentos escritos ao longo do tempo. O uso do GPT pode acelerar a produção de texto, mas também pode levar a resultados equivocados que exigem análise técnica.

É importante trazer os alunos para o diálogo e conscientizá-los sobre as limitações do robô, promovendo aulas personalizadas que incentivem o pensamento crítico, debate e argumentação. Dessa forma, os alunos poderão fugir da mera cópia e colagem e desenvolver suas habilidades comunicativas e de pensamento crítico, não utilizando o Chat GPT apenas como uma “bengala” para suas tarefas cotidianas.

 

CORREIO DE CARAJÁS – Já dá pra sentir impactos do uso do Chat GPT em escolas de Marabá?

Fidelainy Sousa – Nós estamos diante dessa tecnologia, e assim como os alunos estão utilizando o Chat GPT, os professores também vão utilizá-lo. Por exemplo, na elaboração de atividades, em vez de pensar em cinco questões discursivas, é possível pedir ao Chat GPT para transformá-las em questões objetivas. Além disso, podemos solicitar ao Chat GPT que corrija textos e verifique aspectos científicos.

É possível potencializar o trabalho docente ao utilizar essa ferramenta corretamente. Podemos transformar um texto em linguística com a inserção de diálogos e referências literárias. Também é possível fazer traduções de textos e adicionar referências a trabalhos acadêmicos. Assim como os alunos se sentem mais poderosos ao entenderem essa ferramenta, os professores também devem incluí-la em seu leque de ferramentas de trabalho, a fim de diversificar o ensino e se preparar cada vez mais.

Profissões como jornalistas, professores, escritores e profissionais de mídias sociais precisam estar na vanguarda dessa discussão, percebendo as potencialidades dessa ferramenta e utilizando-a a seu favor. A criatividade, o desempenho e a análise crítica prevalecem ao final, e é isso que diferencia um profissional medíocre de alguém que aproveita essa ferramenta para construir um futuro melhor, sem esquecer de suas habilidades e competências.

CORREIO DE CARAJÁS – Acha que a ferramenta pode acabar sendo usada como uma extensão do desinteresse crescente dos jovens com relação aos estudos?

Fidelainy Sousa – O desinteresse na sala de aula é algo muito evidente. Lidamos com isso constantemente. Os alunos estão cada vez mais em uma disputa querendo transformar a aula do professor em uma aula de YouTube, mais dinâmica, com cortes, pausas, que a câmera vá para lugares diferentes, e isso não existe na sala de aula.

O desinteresse também é resultado de uma conjuntura que nos leva a acreditar que tudo que é interessante deve estar em um formato de Instagram ou YouTube, uma ilusão criada por esse momento de “modernidade líquida” que vivemos. Temos a ilusão de que precisamos receber coisas engraçadas constantemente, fotos bonitas oriundas do Photoshop. Mas a sala de aula não é assim, ela é a realidade.

A sala de aula é projetada para ter uma dinâmica e processos, e nossos alunos são cada vez mais resistentes ao processo de aprendizagem. Por isso, o desinteresse existe, a ferramenta do Chat GPT, que produz instantaneamente respostas prontas, similares às de um ser humano, atrai muito nossos alunos. E eles estão preparados para receber cada vez mais formas de burlar as atividades, dizendo coisas como: “Estou cansado, não quero fazer essa atividade”; “Não gosto do ritmo da aula do professor”; enfim, eles vão realmente utilizar de maneira errônea, burlando cada vez mais. Eu acredito que, no futuro, pode existir uma marca d’água nos textos gerados pelo GPT para facilitar o trabalho do professor. Afinal, existem formas de burlar o sistema, reescrevendo o texto original e fazendo-o parecer autêntico. Inclusive, há algumas pesquisas que aceitam o GPT como colaborador em trabalhos, como em algumas pesquisas da engenharia, em que dois profissionais trabalhavam juntos e revisavam o trabalho um do outro.

A educadora acredita que os docentes precisam se adaptar às tecnologias que surgem para dialogar com seus alunos

CORREIO DE CARAJÁS – Por outro lado, como acontece com muitas ferramentas tecnológicas, vai demorar para todos os alunos terem acesso à pesquisa de IA?

Fidelainy Sousa – Me preocupo com aqueles alunos que, daqui a um ano, podem se deparar com o GPT e não saberem como lidar com isso. Isso me preocupa, pois a tecnologia nunca chega a todos no mesmo tempo, ela demora a alcançar a população como um todo. Queria que as tecnologias realmente fossem democráticas, que as escolas conseguissem abordar o tema de maneira mais aberta, tanto em escolas públicas como particulares. Na graduação, tenho a chance de mostrar aos meus alunos como o GPT funciona, abrir o diálogo. Mostro o que eu gostaria que eles fizessem, peço atividades e depois que tragam reflexões críticas em sala. Eles adoram, falam coisas como: “Professora, que bom que você mostrou, eu tinha medo de cair em plágio, mas agora temos muito mais confiança e autonomia para utilizar o Chat GPT corretamente.” Nas escolas públicas, com alunos entre doze e dezesseis anos, ainda é necessário preocupar-se em levar a tecnologia de maneira mais democrática.

 

CORREIO DE CARAJÁS – E as escolas estão preparadas para começar essa discussão já?

Fidelainy Sousa – É preciso preocupar-se em realmente envolver a sociedade nessa discussão e avançar em relação à tecnologia. As escolas sempre tiveram historicamente a missão de aglutinar o que é novo e formar profissionais pensando no futuro, e isso precisa continuar.

Eu sempre digo que a técnica da minha avó de que quando alguma coisa estava batendo na cozinha ela ia lá ver o que que era. Ela não ficava escondida no quarto. Então, espero que a gente não se esconda, com medo: “Ah eu não sei, minha professora não sabe, eu não entendi direito”, Precisamos ir lá ver que barulho é esse e entender de perto do que se trata”. (Thays Araujo)