O avanço da Inteligência Artificial e a popularização de ferramentas como o Chat GPT têm impactado cada vez mais o ambiente educacional, incluindo a sala de aula. Diante desse cenário, surge a importante questão de como os professores podem lidar de forma eficiente com o uso crescente dessas tecnologias pelos alunos, a fim de evitar plágio de trabalhos escolares e promover a aprendizagem significativa em todos os componentes curriculares.
Nesta reportagem, discutimos com a professora universitária e do ensino fundamental em Marabá, Fidelainy Sousa Silva, os desafios para orientar educadores e estudantes, para que possam abrir dialoga-lo sobre as limitações dessas ferramentas e promover o desenvolvimento de habilidades críticas para compreender e questionar os resultados gerados por sistemas automatizados, contribuindo para um processo de ensino-aprendizagem mais eficaz e engajador.
Fidelainy Sousa é natural de São Domingos do Araguaia, é licenciada em Letras Inglês pela UFPA; cursou mestrado e doutorado em Teoria, Crítica e Comparatismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professora do curso de Letras na Unifesspa e formadora de educadores na rede municipal de ensino de Marabá. Acompanha na íntegra e através de vídeo, o diálogo de 20 minutos entre a docente e a repórter Thays Araujo:
Leia mais:CORREIO DE CARAJÁS – Sabendo que a Inteligência Artificial já é uma realidade entre os estudantes, como os professores podem lidar de forma eficiente com o uso crescente dessa ferramenta e outras tecnologias de geração de texto pelos alunos, para evitar plágio e promover a aprendizagem significativa?
Fidelainy Sousa – Como professora, nos deparamos com situações inusitadas relacionadas à cópia e plágio de atividades. Em uma das nossas avaliações, a produção de texto em casa está sempre presente, ligada à atividade que as crianças devem desenvolver. É claro que eles utilizam a tecnologia, como o GPT, cada vez mais em todos os níveis de ensino, desde a escola básica até a universidade. No entanto, é essencial que o professor lance mão da ferramenta do diálogo e apresente essas tecnologias aos alunos com antecedência.
Acredito que uma das formas de lidar com o plágio, com a cópia das atividades feitas pelos alunos é orientá-los antes de direcionar as tarefas, conversando com eles e apresentando as ferramentas disponíveis, assim como o Google, que já estava disponível para pesquisas. No caso do GPT, ele entrega respostas semelhantes às que uma pessoa elaboraria, tornando importante a conversa prévia com os alunos antes de direcionar as atividades para casa.
Como professora de língua portuguesa, sempre trabalhamos com a produção e elaboração de atividades de escrita e a prática da oralidade. Nessa disciplina, aprender as competências de comunicação exige muito mais do que apenas copiar respostas. É necessário testar as competências dos alunos em diversos níveis, como interpretação, criticidade, reflexão sobre o conteúdo e diferenciação de opiniões e tópicos temáticos. A construção textual exige mais do que respostas prontas retiradas da internet.
O GPT ficou popularizado no final do ano passado, a partir do mês de novembro. Dali, passamos a perceber quando as respostas entregues pelos alunos são prontas e como isso pode distorcer o processo de aprendizagem que eles estavam desenvolvendo ao longo do curso. É fundamental considerar o diagnóstico que tínhamos de cada aluno e valorizar avaliações individualizadas para verificar suas competências individuais e se estão atingindo as metas propostas.
CORREIO DE CARAJÁS – Como professores podem auxiliar alunos a desenvolverem maturidade e habilidades de leitura crítica para compreender as respostas geradas por ferramentas de pesquisa automatizadas?
Fidelainy Sousa – Precisa-se entender que somos nós que estamos sempre à frente das problemáticas que surgem. Surgiu um problema climático? Vamos verificar como os professores estão desenvolvendo e pesquisando sobre isso, o que estão dizendo e como estão agregando esse conhecimento. O mesmo deve ocorrer quando surge um novo aplicativo que promete fornecer respostas similares a de um ser humano, simulando diálogos instantâneos e baseado em milhões de artigos científicos qualificados, compilando toda a base da Scielo em segundos.
Este aplicativo, chamado de chat GPT, pode gerar excelentes respostas com base em palavras-chave fornecidas pelo usuário. Porém, como lidar com essa tecnologia quando orientamos alunos que ainda não possuem maturidade suficiente para compreender que o chat GPT não faz análises críticas, nem possui conhecimento contemporâneo ou histórico? Ele não consegue discernir disputas históricas, a menos que as perguntas o direcionem.
Os alunos podem ter dificuldade em distinguir fake news da argumentação lógica e cientificamente comprovada. É importante que os professores estejam cientes de que o chat GPT é apenas uma ferramenta adicional para a autonomia de estudo, não sendo a solução definitiva para todas as respostas, apesar de sua aparência promissora.
CORREIO DE CARAJÁS – E como os educadores estão lidando com essa ferramenta para promover o desenvolvimento de habilidades críticas e comunicativas dos alunos?
Fidelainy Sousa – O Chat GPT causou um grande impacto mundialmente, especialmente em profissões relacionadas à produção de textos e educação, já que a ciência é comprovada por meio de documentos escritos ao longo do tempo. O uso do GPT pode acelerar a produção de texto, mas também pode levar a resultados equivocados que exigem análise técnica.
É importante trazer os alunos para o diálogo e conscientizá-los sobre as limitações do robô, promovendo aulas personalizadas que incentivem o pensamento crítico, debate e argumentação. Dessa forma, os alunos poderão fugir da mera cópia e colagem e desenvolver suas habilidades comunicativas e de pensamento crítico, não utilizando o Chat GPT apenas como uma “bengala” para suas tarefas cotidianas.
CORREIO DE CARAJÁS – Já dá pra sentir impactos do uso do Chat GPT em escolas de Marabá?
Fidelainy Sousa – Nós estamos diante dessa tecnologia, e assim como os alunos estão utilizando o Chat GPT, os professores também vão utilizá-lo. Por exemplo, na elaboração de atividades, em vez de pensar em cinco questões discursivas, é possível pedir ao Chat GPT para transformá-las em questões objetivas. Além disso, podemos solicitar ao Chat GPT que corrija textos e verifique aspectos científicos.
É possível potencializar o trabalho docente ao utilizar essa ferramenta corretamente. Podemos transformar um texto em linguística com a inserção de diálogos e referências literárias. Também é possível fazer traduções de textos e adicionar referências a trabalhos acadêmicos. Assim como os alunos se sentem mais poderosos ao entenderem essa ferramenta, os professores também devem incluí-la em seu leque de ferramentas de trabalho, a fim de diversificar o ensino e se preparar cada vez mais.
Profissões como jornalistas, professores, escritores e profissionais de mídias sociais precisam estar na vanguarda dessa discussão, percebendo as potencialidades dessa ferramenta e utilizando-a a seu favor. A criatividade, o desempenho e a análise crítica prevalecem ao final, e é isso que diferencia um profissional medíocre de alguém que aproveita essa ferramenta para construir um futuro melhor, sem esquecer de suas habilidades e competências.
CORREIO DE CARAJÁS – Acha que a ferramenta pode acabar sendo usada como uma extensão do desinteresse crescente dos jovens com relação aos estudos?
Fidelainy Sousa – O desinteresse na sala de aula é algo muito evidente. Lidamos com isso constantemente. Os alunos estão cada vez mais em uma disputa querendo transformar a aula do professor em uma aula de YouTube, mais dinâmica, com cortes, pausas, que a câmera vá para lugares diferentes, e isso não existe na sala de aula.
O desinteresse também é resultado de uma conjuntura que nos leva a acreditar que tudo que é interessante deve estar em um formato de Instagram ou YouTube, uma ilusão criada por esse momento de “modernidade líquida” que vivemos. Temos a ilusão de que precisamos receber coisas engraçadas constantemente, fotos bonitas oriundas do Photoshop. Mas a sala de aula não é assim, ela é a realidade.
A sala de aula é projetada para ter uma dinâmica e processos, e nossos alunos são cada vez mais resistentes ao processo de aprendizagem. Por isso, o desinteresse existe, a ferramenta do Chat GPT, que produz instantaneamente respostas prontas, similares às de um ser humano, atrai muito nossos alunos. E eles estão preparados para receber cada vez mais formas de burlar as atividades, dizendo coisas como: “Estou cansado, não quero fazer essa atividade”; “Não gosto do ritmo da aula do professor”; enfim, eles vão realmente utilizar de maneira errônea, burlando cada vez mais. Eu acredito que, no futuro, pode existir uma marca d’água nos textos gerados pelo GPT para facilitar o trabalho do professor. Afinal, existem formas de burlar o sistema, reescrevendo o texto original e fazendo-o parecer autêntico. Inclusive, há algumas pesquisas que aceitam o GPT como colaborador em trabalhos, como em algumas pesquisas da engenharia, em que dois profissionais trabalhavam juntos e revisavam o trabalho um do outro.
CORREIO DE CARAJÁS – Por outro lado, como acontece com muitas ferramentas tecnológicas, vai demorar para todos os alunos terem acesso à pesquisa de IA?
Fidelainy Sousa – Me preocupo com aqueles alunos que, daqui a um ano, podem se deparar com o GPT e não saberem como lidar com isso. Isso me preocupa, pois a tecnologia nunca chega a todos no mesmo tempo, ela demora a alcançar a população como um todo. Queria que as tecnologias realmente fossem democráticas, que as escolas conseguissem abordar o tema de maneira mais aberta, tanto em escolas públicas como particulares. Na graduação, tenho a chance de mostrar aos meus alunos como o GPT funciona, abrir o diálogo. Mostro o que eu gostaria que eles fizessem, peço atividades e depois que tragam reflexões críticas em sala. Eles adoram, falam coisas como: “Professora, que bom que você mostrou, eu tinha medo de cair em plágio, mas agora temos muito mais confiança e autonomia para utilizar o Chat GPT corretamente.” Nas escolas públicas, com alunos entre doze e dezesseis anos, ainda é necessário preocupar-se em levar a tecnologia de maneira mais democrática.
CORREIO DE CARAJÁS – E as escolas estão preparadas para começar essa discussão já?
Fidelainy Sousa – É preciso preocupar-se em realmente envolver a sociedade nessa discussão e avançar em relação à tecnologia. As escolas sempre tiveram historicamente a missão de aglutinar o que é novo e formar profissionais pensando no futuro, e isso precisa continuar.
Eu sempre digo que a técnica da minha avó de que quando alguma coisa estava batendo na cozinha ela ia lá ver o que que era. Ela não ficava escondida no quarto. Então, espero que a gente não se esconda, com medo: “Ah eu não sei, minha professora não sabe, eu não entendi direito”, Precisamos ir lá ver que barulho é esse e entender de perto do que se trata”. (Thays Araujo)