Correio de Carajás

Mulheres estão assumindo posição de liderança na TI Mãe Maria

Terra Indígena Mãe Maria, vizinha de Marabá, já conta com seis mulheres exercendo a função de cacique e liderança feminina só aumenta

Avó, tia e netas: o legado da atual cacica Kátia vai continuar entre as mulheres na aldeia Akrantikatêjê/ Fotos: Ulisses Pompeu e Evangelista Rocha

Na data em que é comemorado o Dia dos Povos indígenas, 19 de abril, celebramos o destaque das mulheres que se sobressaem na liderança de aldeias na Terra Indígena Mãe Maria, localizada em Bom Jesus do Tocantins, mas mais próxima de Marabá.

O Correio de Carajás conheceu histórias de cacicas, promessas do cacicado e lideranças, que com a modernidade, tiveram coragem de mostrar seu valor, se tornando símbolo de respeito, influência e força. Indígenas que enfrentam o preconceito, sentido até mesmo dentro das próprias aldeias.

Takwyiti Hompryti Valdenilson é filha da primeira cacica feminina do Pará, Katia Silene Tonkyre. Como a mãe, Takwyiti também vem se tornando sinônimo de liderança dentro da aldeia Akrãtikatêjê, que fica a 10 km de Marabá. A professora é responsável pela área educacional da comunidade, além disso, ocupar um lugar que do seu ponto de vista, é uma conquista. “Quando eu ouço as histórias do meu povo, eu jamais imaginaria que nós pudéssemos estar em um lugar como este”, reflete.

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A caminhada que envolve dedicação, tem feito a professora se tornar um nome que hoje já repercute dentro e fora da aldeia. “O destino tem me empurrado para este caminho, tenho muito respeito e cuidado pela história do meu povo”.

Takwyiti, de 38 anos, é o braço direito de Kátia, que está empenhada na formação das duas netas gêmeas para um futuro cacicado. “Quando eu faltar, haverá quem dê continuidade, Takwyiti é o tripé das duas, que estarão trabalhando juntas”, antecipa Kátia.

A FORÇA JOVEM INDÍGENA

Nos tempos atuais, o desafio e, também desejo de luta, é formar indígenas que estejam preparados para toda e qualquer situação. Apesar das muitas responsabilidades de uma cacica ou liderança, elas ressaltam a importância do trabalho em unidade, onde o coletivo fala mais alto que o agir sozinho. A quebra de estereótipos dentro das comunidades indígenas tem contribuído para uma nova história de luta, resistência e construção das modernas maneiras de lidar com a atualidade.

Com os avanços renasce o protagonismo feminino, que permite a essas mulheres o poder de visibilidade e liderança, o que a muito tempo não era permitido. Kyxàre Tototoure Katêjõkware e Prīntikwyi Tototoure Katêjõkware são irmãs gêmeas que, apesar de terem apenas 12 anos de idade, são atualmente a promessa de cacicado da aldeia Akrãtikatêjê.

Para fortalecer os laços entre si, Katêjõkware e Prīntikwyi jogam futebol e se preparam para a missão de “cacicar”

As meninas são admiradoras da avó (Kátia) e sabem que todos os dias dão passos em direção a um caminho importante, em mais uma quebra de tradicionalidade dentro da aldeia, feito realizado pela primeira vez por Payaré, pai de Kátia ao nomeá-la cacica. “O que me fortalece é ouvir essas histórias de incentivo da minha mãe. Guardá-las na mente é preservar a cultura das futuras gerações, com mais histórias de incentivo”, sintetiza Kyxàre.

“Quando eu crescer quero ser igual a minha mãe, ir aos lugares que ela vai e falar como ela”. A sintonia das gêmeas revela a braveza e a vontade de ser como Kátia, a responsável pela criação de ambas. As duas admiram a coragem e resistência da avó, de enfrentar tudo e todos em prol dos direitos da sua comunidade.

Kyxàre e Prīntikwyi se dizem felizes em se preparar juntas para esse desafio e missão ao mesmo tempo. “Eu me sinto confortável ao lado da minha irmã, então estamos felizes pela escolha de sermos nós duas”, conclui Prīntikwyi.

Outras vozes femininas que ecoam na floresta e na cidade

Concita Guaxipiguara Sompré também é uma das mulheres protagonistas na aldeia Gavião Kyikatêjê. Formada em Licenciatura intercultural indígena, atualmente ela desenvolve o trabalho de diretora da escola Tatakti Kyikatêjê. Essa comunidade Gavião conta hoje com 170 pessoas, que são divididas em mais de 50 famílias.

A educadora destaca a importância da figura feminina na construção do equilíbrio da sociedade indígena. “Há 30 anos as mulheres quando saíam, levavam suas crianças, então a transmissão do conhecimento era através da mãe”, relembra Concita.

Concita Somprê: “Nós estamos aqui hoje porque houve mulheres que romperam a tradição no passado”

Com as mudanças e o fortalecimento da educação, as mulheres indígenas passaram a ocupar novos espaços, inclusive na política, o que para ela é um avanço. E os resultados podem ser vistos tanto dentro, quanto fora das aldeias. “Nas comunidades existe uma separação e equilíbrio entre ações designadas para homem e mulher”, explica.

As maiores dificuldades, segundo ela, é quando as ações do “homem branco” são inseridas na cultura indígena, elementos que foram incorporadas mais recentemente, causando grande preocupação em manter a cultura indígena fortalecida.

COM A PALAVRA, A CACICA ADILENE

Outra voz protagonista e presente nas lutas indígenas é a cacica Adilene Aikrepeiti Ribeiro Airompokre, de 38 anos. Há quatro meses, ela foi nomeada pelo pai, Parkrekapere, e hoje é responsável por ser porta-voz da aldeia Airompokrejõkri, que agora conta com 14 famílias e 49 indivíduos.

A cacica é formada em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Estadual do Pará (UEPA), e ressalta que o papel de uma líder é unir forças e procurar soluções para a melhoria do seu povo. “Não é só a organização dentro da aldeia, mas envolve toda a luta por fora, pelos direitos como educação e saúde”, aponta.

Adilene ressalta a luta pela preservação cultural nas aldeias, no contexto atual. “Preciso manter a cultura do meu povo viva, preservar as pinturas, os cantos, as danças e nossa língua”.

“Ter mulheres que nos representam, principalmente na política, nos fortalece”, diz a cacique Adilene

Dentre tantos desafios, ela ainda explica que um líder deve se atentar para manter a aldeia organizada e o povo unido. “De maneira geral, é difícil para o mundo reconhecer uma mulher, principalmente uma mulher indígena, como alguém que pode ter embates e conquistar espaços de fala. Por isso a importância desse protagonismo”, pontua.

Adilene contextualiza que este passo tem feito outras mulheres terem coragem para reconhecer seu espaço. “Estamos sendo exemplos para mulheres, jovens e comunidades indígenas. O reconhecimento faz com que haja luta pela aldeia e pelo povo, tanto dentro quanto fora dos nosso território. Ao nosso redor é cheio de não indígena, então luto para que a cultura seja mantida dentro da comunidade”, diz ela.

(Milla Andrade)