📅 Publicado em 15/12/2025 11h06
A publicação da Resolução Contran nº 1.020/2025, em vigor desde o início de dezembro, reformulou profundamente o processo nacional de habilitação. As mudanças incluem flexibilização de etapas, redução de custos, digitalização de procedimentos e oferta gratuita do curso teórico online. Pela promessa do governo, o candidato ganha autonomia para escolher onde e como deseja receber a formação teórica e prática, e o preço final da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) poderia cair até 80%.
As novidades, porém, provocaram reação imediata entre empresários do setor. Em Marabá, Anderson João Pereira Coutinho, proprietário da Autoescola Tocantins, afirma que as autoescolas já enfrentam queda de demanda e impactos financeiros expressivos. A situação se agrava com a suspensão da abertura de novos processos de CNH A e B pelo Detran do Pará, que atribui a paralisação à atualização do sistema. Segundo ele, esse conjunto de mudanças atinge diretamente quem depende economicamente da atividade e ameaça a sobrevivência das empresas.
O empresário relata que a paralisação provisória vem causando perda de matrículas, diminuição brusca no faturamento e risco real de demissões. Atualmente, Anderson mantém seis instrutores e um total de cerca de dez pessoas dependentes do negócio. Em 2025, sua média mensal era de 70 matrículas para primeira habilitação, mas agora em dezembro, o número despencou para 15.
Leia mais:O resultado imediato é um faturamento 70% menor e a previsão de reduzir o quadro de funcionários em 50% até o fim de janeiro. “São oito famílias, incluindo a minha, que vivem disso. Vou segurar o máximo porque sei que eles dependem desse emprego”, desabafa. Ele afirma que empresas pequenas já iniciaram demissões e podem não resistir caso as regras não sejam revistas.
EFEITO CASCATA
A expectativa de menores custos para tirar a CNH também alterou o comportamento dos candidatos. Muitos têm adiado a matrícula na esperança de economizar, o que aprofundou a queda na procura. Ele também faz uma previsão sobre quem, de fato, vai sentir a economia no bolso: “Vai ficar mais barato para quem já sabe dirigir e pilotar; para quem não sabe, precisa aprender e terá que investir”.
Ele aproveita para rebater a estimativa de queda de até 80% no valor da habilitação, e a considera irreal. As taxas do Detran, segundo o empresário, permanecem as mesmas. Além disso, a futura obrigatoriedade do exame toxicológico na primeira habilitação deve acrescentar cerca de R$ 180 ao custo final do candidato.
A flexibilização do curso teórico, agora oferecido em plataforma digital e sem exigência de presença física, é outro ponto sensível para Anderson. Ele teme que a mudança comprometa a formação dos novos condutores. “Se os alunos com curso teórico de 45 horas e 11 dias não conseguem, às vezes, passar na prova de legislação de primeira, imagine apenas estudando em uma plataforma”, argumenta. Ele lembra que, embora o acesso ao conteúdo tenha sido facilitado, os critérios de avaliação continuam rigorosos.
O efeito cascata segue sendo descrito por Anderson e o credenciamento facilitado de instrutores autônomos também preocupa. A possibilidade de formação acelerada dessa classe, via plataformas online, sem exigências robustas, contrasta com o modelo atual, em que a qualificação leva ao menos 60 dias.
Para o empresário, permitir profissionais com preparação reduzida pode elevar riscos nas aulas práticas, especialmente porque muitos veículos de ensino deixarão de usar o duplo comando, equipamento que, segundo ele, evita acidentes. Com quase 30 anos de experiência, Anderson afirma que nunca registrou colisões graves em veículos com esse sistema e teme aumento de ocorrências caso a proteção deixe de existir.

OUTROS DESDOBRAMENTOS
No campo legal, Anderson destaca que há um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) em tramitação que pode ajustar ou adiar a implementação das mudanças. No entanto, o debate deve levar cerca de seis meses. Alguns estados já concederam prazos adicionais de 180 dias para adaptação das autoescolas e dos sistemas, mas, na visão de Anderson, essa medida não resolve a perda de receita que já se acumula. “Esse fôlego não é muito grande, porque as pessoas podem preferir esperar até que tudo se resolva”, afirma. Ou seja, quem já esperou anos para tirar sua primeira CNH, pode esperar mais alguns meses.
As novas regras também alteram a ordem tradicional das etapas para obter o documento. Antes, o candidato coletava biometria no Detran, realizava exames médico e psicológico e só depois iniciava o curso teórico. Agora, a formação teórica antecede a biometria e os exames.
Anderson alerta que essa inversão pode gerar perda financeira caso o candidato seja reprovado pelo médico ou psicólogo, já que parte do processo já terá sido paga. “Se o psicólogo ou médico não te aprovar, aquele passo que você fez, você perdeu”, explicou.
O cenário descrito empresário revela um setor em transição hostil, marcado por queda brusca de receitas, risco de desemprego e dúvidas sobre a qualidade da formação dos futuros condutores. Para ele, a combinação entre novas etapas, expectativas irreais de redução de custos e entrada de profissionais pouco qualificados tende a aprofundar os desafios. “É tudo muito novo, mas o impacto é gigantesco e será maior futuramente”, finaliza.

PARALISAÇÃO PROVISÓRIA
Na última semana, o Detran Pará começou a adaptação à nova Resolução Contran nº 1.020, publicada em 9 de dezembro, que altera o processo de formação de condutores em todo o país. Para garantir que as mudanças sejam implementadas de forma segura, responsável e alinhada às diretrizes federais, o órgão montou uma comissão técnica para estudar os impactos e ajustes necessários no sistema estadual de habilitação, as informações são da Agência Pará.
No Estado, a transição começou em 10 de dezembro com a suspensão temporária da abertura de novos processos de primeira habilitação para as categorias A e B, até que os sistemas sejam atualizados. Enquanto isso, serviços como adição, mudança e renovação continuam funcionando normalmente sob as regras anteriores.
O Detran reforça que a Resolução 1.020 não prevê um período formal de transição, o que obriga o órgão a aplicar imediatamente as novas diretrizes, embora reconheça que o tempo técnico de adaptação é necessário para ajustes nos sistemas, fluxos internos e capacitação de profissionais e infraestrutura. Candidatos com processos já iniciados seguem com seus atendimentos normalmente, mas só poderão aproveitar os benefícios da nova normativa após a conclusão da atualização do sistema. A renovação automática da CNH também será liberada depois que o sistema estiver adaptado.
Nesta segunda-feira, o Detran retomou o processo da primeira habilitação nas categorias A e B adequado ao padrão nacional.
