O Ministério Público Federal (MPF) apresentou, nesta quarta-feira (12), recurso contra decisão judicial que determinou a desocupação da Ferrovia Carajás, em Marabá, ocupada desde a última segunda-feira (10), por indígenas da Terra Indígena Mãe Maria, localizada no município de Bom Jesus do Tocantins.
O recurso aponta irregularidades processuais, violações de direitos fundamentais dos indígenas e pede a suspensão imediata da ordem judicial até que sejam garantidos o diálogo e a participação efetiva das comunidades afetadas.
O MPF, representado pela procuradora da República Gabriela Puggi Aguiar, visitou a ocupação da ferrovia, que é operada pela Vale S.A., para firmar diálogo com os manifestantes. Segundo informações coletadas, o protesto do povo Gavião é contra irregularidades ambientais na chamada “Estrada do Negão”, que corta o território indígena, e o descumprimento de compromissos da empresa, como a prestação de saúde complementar.
Leia mais:Segundo o MPF, a decisão judicial que ordenou a desocupação em apenas uma hora, sob pena de multa, desrespeita normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e princípios constitucionais, como o direito à manifestação e à ampla defesa.
Irregularidades apontadas – No recurso, o MPF argumenta que a Vale tentou, de forma inadequada, usar um acordo judicial já existente para obter a desocupação, sem abrir um novo processo específico, violando o princípio do juiz natural. Além disso, a decisão atingiu uma coletividade indígena indeterminada, que não faz parte do processo, sem garantir o direito de defesa ou diálogo intercultural. O MPF também contesta a forma que os indígenas foram intimados: à noite, com apoio policial e sem identificação clara dos manifestantes.
O MPF destaca ainda que a manifestação pacífica em espaço público, especialmente em terra indígena impactada por um grande empreendimento, tem respaldo constitucional, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). A ordem de desocupação, segundo aponta o recurso, ignorou esse direito e a necessidade de ponderação dele com outros interesses, como a circulação na ferrovia.
Riscos e pedidos – O MPF alerta para o risco de repressão econômica, com multas elevadas e suspensão de repasses financeiros, e até de violência policial. Por isso, solicita:
- A suspensão da decisão até que haja diálogo interétnico com os manifestantes, com participação do MPF, da Defensoria Pública da União (DPU) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai);
- A aplicação de multa à Vale, por litigância de má-fé, a ser destinada ao povo indígena Gavião, afetado coletivamente pela decisão;
- Alternativamente, a realização de uma audiência de conciliação com os indígenas.
O caso – Durante a obra de duplicação da linha férrea, a Vale abriu uma estrada paralela à ferrovia como alternativa de acesso à construção em períodos de chuva intensa, quando ruas ficam alagadas na região. Porém, os indígenas informaram ao MPF que essa via, chamada de alça, não foi licenciada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de não ter sido informada ou autorizada pela comunidade.
Os indígenas afirmam que a abertura da via gerou vulnerabilidade ao território, por facilitar o acesso de terceiros. Sem a inclusão no licenciamento, os impactos da abertura da via e suas respectivas medidas de mitigação são desconsideradas no processo. Por isso, as lideranças reivindicam a compensação da invasão, já que a nova via adentrou o território indígena e ultrapassou os limites da área liberada para a empresa operar a linha de ferro.