Correio de Carajás

II Mostra celebra Dia Nacional da Libras, mas enfatiza a falta de inclusão na sociedade

Na foto, Luciano Gonçalves, educador no Caes, faz o sinal do local/ Fotos: Evangelista Rocha

O Centro de Atendimento Especializado na Área da Surdez Professora Noelini Costa (Caes), em Marabá, está promovendo nesta quarta e quinta-feira sua 2ª mostra em comemoração a duas ocasiões significativas, são elas o Dia Nacional da Educação de Surdos, em 23 de abril, e o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras) comemorado hoje, 24, e que neste ano marca os 22 anos da Lei 10.436, estabelecendo a Libras como meio oficial de comunicação e expressão.

O Caes abre as portas nesses dois dias para a comunidade interessada em conhecer de perto o trabalho educacional voltado para alunos surdos e com deficiência auditiva. Uma exposição dos materiais pedagógicos e recursos lúdicos utilizados no cotidiano dos alunos estará disponível, acompanhada de explicações sobre sua importância na formação e aprendizado dos alunos, além de explorar os espaços e serviços oferecidos no centro.

Buscando falar sobre o compromisso educacional com a inclusão e a diversidade, a mostra também traz à tona avanços e desafios no cenário da educação voltada para surdos de Marabá e região. É uma oportunidade para refletir que, mesmo a legislação respaldando a língua há mais de duas décadas, a sociedade segue pecando na acessibilidade e na garantia dos direitos linguísticos das comunidades surdas.

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OBSTÁCULOS

A criação e manutenção de instituições como o Caes são reflexos das barreiras persistentes que as pessoas surdas enfrentam em suas vidas diárias. Em muitos contextos sociais, a surdez é tratada como uma deficiência que limita a participação plena e igualitária das pessoas afetadas.

O acesso à educação de qualidade é uma das áreas mais impactadas. A falta de professores especializados na língua de sinais e métodos adequados de ensino compromete severamente o desenvolvimento acadêmico e cognitivo dos alunos surdos. Muitos enfrentam exclusão nas escolas convencionais por falta de adaptações e suporte adequados.

Luciano Gonçalves, pedagogo pós-graduado em Libras que leciona a língua para alunos do 1º ao 5º ano no Caes, veio de São Domingos para Marabá ainda na infância devido à preocupação de sua mãe em proporcionar uma vida mais igualitária.

Para ele, que é surdo, datas comemorativas como essas são lembretes poderosos da importância da criação da lei que oficializou a Libras como meio oficial de comunicação e expressão: “Essa conquista movimentou a vida das pessoas surdas e com deficiência, assim como a criação do Caes, porque é aqui que acontece o processo de aprendizagem”, levanta.

LUTA

No entanto, Luciano ressalta que a luta pela acessibilidade continua longe de terminar e afirma que Marabá ainda enfrenta uma escassez significativa de intérpretes em vários ambientes, como hospitais e bancos.

Outra necessidade crítica, segundo o educador, é a implementação de cursos de Libras para capacitar familiares, amigos e profissionais de diversas áreas a utilizarem a língua de sinais. Essa capacitação é essencial não apenas para a comunicação cotidiana, mas também para garantir que pessoas surdas tenham acesso adequado a serviços essenciais e sejam plenamente integradas à sociedade.

Oportunidades de emprego e o acesso aos serviços de saúde também são afetados pela falta de interpretação e comunicação eficaz. Mas, levando em consideração tais obstáculos, o Caes possui o Serviço de Interpretação de Libras (SIL), que fornece suporte de interpretação em situações importantes como entrevistas de emprego, consultas médicas, e até mesmo eventos acadêmicos, como eventos e atividades que acontecem na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

CURSO DE LIBRAS

“Além das atividades educacionais, o centro também oferece o curso tanto nas escolas quanto diretamente na instituição, aponta Michelly Matoso, coordenadora geral do Caes. Ela revela que o centro foi criado em 2019 com o foco de atender pessoas surdas e deficientes auditivos, mas, ouvintes estão aptos para participar do curso de Libras, na modalidade online durante a noite com uma equipe voluntária, visando difundir a língua de sinais.

A coordenadora Michelly Matoso fala da importância da língua para as relações

O público-alvo dessas aulas inclui professores que ensinam alunos surdos e famílias de pessoas surdas, justamente porque há uma escassez de intérpretes em todos os ambientes. Pessoas que têm contato constante com indivíduos surdos também são incluídas nesse grupo.

O PAPEL DA LÍNGUA NAS RELAÇÕES

Walisson Rodrigues, um estudante de 18 anos, está no Caes há dois anos. Ele compartilha que a questão da escola nunca foi algo fácil, mas destaca que sua família, ao contrário de muitas outras realidades, conseguiu compreendê-lo: “Meus pais e meus irmãos aprenderam a se comunicar comigo. Todos falam em Libras”, afirma.

O aluno Wallison Rodrigues conta que o uso dos sinais em sua casa é uma realidade

Michelly observa que, quando se trata de famílias, muitos responsáveis possuem a sensibilidade de se adaptar às necessidades dos deficientes auditivos e surdos para construir uma comunicação eficaz. Ela chega a mencionar um caso bem típico: “A mãe de um aluno certa vez chegou até mim e disse que, agora que a criança estava aprendendo a linguagem de sinais, ela não conseguia mais a entender”.

Essas experiências destacam a importância crucial de iniciativas similares na promoção da inclusão e no suporte às pessoas surdas e deficientes auditivos. O aprendizado e o uso da Libras não apenas facilitam a comunicação, mas também fortalecem os laços familiares e promovem uma compreensão mais profunda das necessidades e experiências das pessoas surdas na sociedade.

NUANCES DA LÍNGUA

Diante do cenário complexo e desafiador enfrentado pela comunidade surda, os envolvidos no Caes desempenham um papel crucial ao promover educação especializada e apoio linguístico através do ensino de Libras. A compreensão dessas nuances linguísticas é essencial para garantir uma comunicação eficaz e inclusiva para todas as pessoas surdas, independentemente de sua localização geográfica.

A conscientização sobre a variação regional na Libras também destaca a importância da formação contínua e do desenvolvimento de recursos educacionais que considerem essas diferenças. Segundo Michelly, assim como o português, a língua de sinais também possui variações regionais, o que pode resultar em diferentes interpretações para os mesmos sinais em diferentes partes do país.

Por exemplo, expressões comuns no Pará, como “égua”, podem ter equivalentes distintos em outras regiões do Brasil: “Da mesma forma, o sinal para “pai” pode variar conforme a região, demonstrando a riqueza da linguagem de sinais e sua adaptação ao contexto cultural. Essas variações destacam a natureza dinâmica e diversificada da Libras, que reflete não apenas a geografia, mas também a história e a cultura das comunidades surdas em todo o país”, conclui.

(Thays Araujo)