As mortes por acidente vascular cerebral (AVC) podem aumentar 50% em todo mundo nas próximas três décadas, com 9,7 milhões de óbitos anuais que custarão aos sistemas de saúde e previdência US$ 2,3 bilhões. Países de baixa e média renda serão desproporcionalmente afetados, alerta um relatório divulgado ontem na revista The Lancet Neurology e produzido pela Comissão de AVC da Lancet, em parceria com a Organização Mundial do AVC — uma rede de médicos, pesquisadores e formuladores de políticas públicas.
“As lacunas nos serviços de AVC em todo o mundo são catastróficas. Precisamos de uma melhoria drástica hoje, não em 10 anos”, destaca Sheila Martins, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Organização Mundial do AVC. “Estamos empenhados em apoiar e acelerar a implementação das recomendações do relatório, dando apoio técnico aos governos para elaborar planos nacionais para o AVC e incluir os tratamentos de AVC nos pacotes de Cobertura Universal de Saúde.” No Brasil, o AVC é a principal causa de mortalidade e, segundo o Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil, foi responsável por 104.486 óbitos no ano passado, uma alta de 11,7% em relação a 2020.
O relatório foi elaborado com base em uma revisão de pesquisas recentes. Especialistas em AVC também foram entrevistados para fornecer recomendações sobre prevenção, tratamento e abordagens de políticas públicas com ampla abrangência populacional. A intenção da Comissão de AVC da Lancet é reduzir a carga global de uma condição que, quando não mata, pode incapacitar os sobreviventes.
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Nos últimos 30 anos, o número de pessoas que sofreram AVC, morreram ou se tornaram incapacitadas duplicou mundialmente. A maioria das vítimas está nos países de baixa e média renda, onde a prevalência da condição aumenta a um ritmo mais rápido que nas nações ricas. O relatório alerta que, se essas tendências continuarem, um dos principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização Mundial de Saúde não será alcançado.
O ODS 3.4 visa reduzir em um terço os 41 milhões de óbitos prematuros causados por doenças não transmissíveis — incluindo AVC — até 2030. “Embora para alcançar a meta fossem necessários US$ 140 milhões em novas despesas entre 2023 e 2030, os benefícios financeiros superariam os custos em 10 para um”, destaca o relatório.
O acidente vascular cerebral ocorre quando o suprimento de sangue para uma parte do cérebro é interrompido ou reduzido, impedindo que o órgão obtenha oxigênio e nutrientes. As células morrem em minutos. Há duas principais causas: o bloqueio de uma artéria (AVC isquêmico) ou rompimento de um vaso sanguíneo (AVC hemorrágico, também conhecido como derrame), sendo o primeiro mais comum. O estreitamento das veias é provocado por depósitos de gordura ou coágulos, que viajam pela corrente sanguínea, geralmente desde o coração.
Trata-se de uma condição altamente prevenível, pois a maioria dos fatores de risco estão associados a estilo de vida — estima-se que 90% dos casos poderiam ter sido evitados. “O aumento no número global de mortes por AVC isquêmico, juntamente com um aumento adicional previsto no futuro, é preocupante, mas o AVC isquêmico é altamente evitável”, afirma Lize Xiong, pesquisadora da Universidade de Tongji, em Xangai, na China. Ela é um dos autores de um estudo sobre a carga global do AVC, publicado neste ano pela Academia Norte-Americana de Neurologia. “Nossos resultados sugerem que uma combinação de fatores de estilo de vida, como tabagismo e dieta rica em sódio, juntamente com outros fatores, como pressão alta não controlada e obesidade, levam a um risco aumentado de acidente vascular cerebral.”
Disparidade
Os autores do relatório da Lancet utilizaram os métodos de estudo da Carga Global de Doenças, uma medição estatística, para fornecer estimativas de AVC entre 2020 e 2050 em países de alta, média e baixa renda e pelas principais regiões do mundo. Considerando o crescimento e o envelhecimento da população na maioria dos países, a análise indica que o número de pessoas que morrem anualmente devido à condição passará de 6,6 milhões em 2020 para 9,7 milhões em 2050.
A previsão é que o número de óbitos por AVC nos países em desenvolvimento passe de 5,7 milhões em 2020 para 8,8 milhões em 2050. Já nas nações mais ricas, a estatística permanece praticamente inalterada: 900 mil casos a mais entre 2020. e 2050. “A Ásia foi responsável, de longe, pela maior parte das mortes globais por AVC em 2020 (61%, cerca de 4,1 milhões de mortes) e prevê-se que este número aumente para cerca de 69% até 2050 (cerca de 6,6 milhões de mortes)”, diz, referindo-se aos países do sudeste do continente, que registram baixos índices de desenvolvimento humano.
Embora menor em relação à Ásia, o número anual de mortes globais por AVC que ocorrem nos países da África Subsariana aumentará de 6% em 2020 (403 mil) para 8% (765 mil) em 2050″, relata Jeyaraj Pandian, Presidente eleito da Organização Mundial do AVC. “Temos de examinar de perto o que está causando este aumento, incluindo o peso crescente dos fatores de risco não controlados – especialmente a hipertensão arterial e a falta de serviços de prevenção e cuidados de AVC nestas regiões.”
(Correio Braziliense)