Correio de Carajás

Morte de jovem indígena gera debate sobre saúde mental nas aldeias

Bidio, como era conhecido, foi enterrado no domingo, 3, dia em que completaria 22 anos

No último final de semana, um jovem indígena de apenas 21 anos de idade morreu de forma trágica. Jokuntumkwyre, conhecido como Bidio Sj, pilotava uma motocicleta quando colidiu de frente com um veículo dirigido por um integrante da aldeia Akrôtikatejê.

O acidente aconteceu em frente a aldeia Krijohere, na BR-222, no perímetro da Terra Indígena Mãe Maria. Seu enterro aconteceu no domingo, 3, dia em que Bidio completaria 22 anos.

A morte do jovem desperta a atenção para a falta de políticas públicas voltadas para a saúde mental dos povos indígenas. Segundo pessoas próximas de Bidio, ele sofria de depressão e ansiedade e teria procurado ajuda na Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), mas foi orientado a ir ao município de Bom Jesus do Tocantins.

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Estudante da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Bidio era acadêmico de Ciências Econômicas e tinha o sonho de ajudar a comunidade.

Sempre ativo em manifestações em prol da cultura indígena, o jovem chegou a ir para Brasília em 2022 para apoiar ações nacionais.

Formado pela Universidade Federal do Pará, o médico Idjarrury Sompré falou ao CORREIO sobre seu Trabalho de Conclusão de Curso que teve como temática a saúde mental indígena.

“Em 2019, nós indígenas, tínhamos uma incidência de três a quatro vezes maior de doenças mentais, como a depressão, do que os não indígenas. A cidade com maior índice de suicídio é no estado do Amazonas, com 90% da população sendo de indígenas. Somos vulneráveis em vários aspectos ao surgimento de doença mental e quando precisamos sofremos negligência do próprio órgão que deveria fiscalizar e aplicar as ações de prevenção e tratamento”, disse o profissional.

Ele afirma que conhecia Bidio e sabe que o jovem procurou, junto com a família, atendimento psicológico pela SESAI e não recebeu acolhimento necessário.

“Bidio queria estudar. Tentou na UFPA, em Belém, e não conseguiu por questões de saúde mental. Tentou mais próximo da família e estava na Unifesspa. Teve ataques de pânico e ansiedade, vinha tentando lidar com isso anestesiando os sentimentos com o álcool, como tem feito vários jovens e adultos nas aldeias, isso não é segredo nem mistério pra nós. E, ainda assim, a negligência com a saúde mental é um absurdo em terra indígena. Os órgãos responsáveis precisam ser responsabilizados pelas nossas perdas para as doenças mentais, como: alcoolismo, depressão, ansiedade e várias outras que estão na nossa frente”, lamenta Idjarrury.

Segundo o médico, o próprio órgão fiscalizador não busca saber quais são as demandas da saúde mental dos povos indígenas.

Com a morte de Bidio, o assunto volta a ser debatido de uma forma mais dura, para que outras mortes possam ser evitadas.

“As doenças mentais são totalmente tratáveis, evitáveis e passíveis de prevenção, desde a educação escolar até o atendimento do postinho, palestras e conscientização do nosso próprio povo pra identificar a doença. Quantas pessoas até hoje acham que o alcoolismo ou qualquer outra doença mental é frescura ou é falta de educação na casa? Isso precisa mudar. Precisamos acordar pra essa doença ou vamos continuar perdendo pessoas de dentro da nossa casa”, clama, ressaltando que Bidio ligou para ele e pediu orientação médica.

Indignado com o descaso dos órgãos de proteção aos povos indígenas, Idjarrury Sompré reitera que essa não é uma crítica pessoal, mas sim institucional. “Precisamos fazer essas reflexões”, finaliza.

Bdio foi velado na tarde de domingo, 3, em sua aldeia, Hàkti, e depois foi levado para ser enterrado no cemitério em frente à aldeia Parkatêjê.

(Ana Mangas)