Correio de Carajás

Morosidade do Incra pode deixar dezenas de famílias desabrigadas

O juiz Amarildo José Mazutti, titular da 3ª Região Agrária, sediada em Marabá, julgou procedente o Pedido de Reintegração de Posse formulado por Ricardo Célio Chagas Santos para reaver a Fazenda Arapari, localizada na zona rural entre Marabá e Itupiranga, próxima à Estrada do Rio Preto. Caso a decisão seja mantida, as famílias que vivem no local há mais de 16 anos terão que abandonar o local que, inclusive, possui relatório atestando haver produtividade.

Na sentença, o magistrado destacou que a ação foi movida em 2007, destacando que havia decisão liminar anterior, deferindo a reintegração de posse, de dezembro de 2002 e que foi cumprida em setembro de 2003. Porém, 30 dias após a área foi novamente ocupada.

Procurado pelo Portal Correio de Carajás, o advogado que defende as famílias, José Batista Afonso, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, avalia que a situação chegou a este ponto por morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que falhou em concretizar duas negociações realizadas com os proprietários da área.

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A fazenda media 3,6 mil hectares quando ocupada, em 2002, por aproximadamente 80 famílias oriundas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itupiranga, ligado à A Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (Fetagri-PA).

“À época da ocupação, em função de intensas negociações entre os trabalhadores e o proprietário foi estabelecido acordo para o Incra encaminhar o processo de desapropriação da área, mas isso tramitou por muito tempo sem que o órgão conseguisse finalizar”, explica Batista, acrescentando que posteriormente houve mudança na legislação e não foi mais possível resolver a questão desta forma.

Novamente foi discutida a situação e firmado novo acordo, desta vez para que o Incra adquirisse a área através de compra e venda, por meio do Decreto 433, que autoriza o órgão federal a adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos integrantes do programa de reforma agrária, mas novamente o processo não foi concluído.

“O tempo foi passando e a situação se arrastando por 16 anos e, assim, o proprietário passou a requerer a reintegração do imóvel, o que conquistou em decisão que o juiz da Vara Agrária acabou de publicar. Isso é um exemplo claro da inoperância do Incra, de longos anos, de quase duas décadas sem conseguir finalizar um processo de desapropriação ou de compra e venda. Com isso agora as famílias poderão ser penalizadas”, afirma.

RECURSO

Batista afirma que a defesa dará entrada em recurso de apelação para tentar junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará obter uma suspensão do cumprimento da decisão publicada pela Vara Agrária. “Esperamos sensibilizar o judiciário no sentido da longa ocupação que existe ali e num processo já consolidado de mais de duas décadas de produção, lá tem energia, tem escola, tem estrada construída, casas, um investimento de muitos anos, uma escala de produção grande”, defende.

À Reportagem, o advogado encaminhou relatório assinado por engenheiro ambiental que atesta a produtividade nas terras ocupadas. Os lotes foram divididos em terrenos de 5 a 7 alqueires, tendo sido identificados 35 criatórios de peixes, 15 casas de farinha, produção de 1.554 aves, a maioria galinha com produção diária de ovos, 226 cabeças de gado, 101 animais de transporte, como cavalos e mulas, e 175 suínos em 25 chiqueiros. Também há elevada produção de mandioca, milho, feijão e banana, além de outras variedades.

CANSAÇO

Também contatada pelo Portal, a advogada Nayara Damasceno, que atuou representando Ricardo Célio Chagas Santos, avaliou como acertada a decisão da Vara Agrária. “(Foi) bem fundamentada em todos os seus termos, especialmente na Constituição Federal, que assegura o direito de propriedade. No caso em tela, restou comprovado que a Fazenda Arapari cumpria sua função social, além de ser produtiva. Ficou provado, ainda, que o sr. Ricardo teve o exercício da posse tolhido pela ocupação indevida dos invasores”, afirma.

Ela também destacou que o proprietário, cansado da longa batalha judicial, procurou insistentemente resolver a questão perante o Incra. “Tentou incluir o imóvel no programa de Reforma Agrária, sem sucesso. Resta agora aguardar o cumprimento da liminar que já havia sido concedida anos atrás. Ou esperar as diretrizes do novo governo sobre a situação das famílias ocupantes”, concluiu.

Um e-mail foi encaminhado também à assessoria de comunicação da Superintendência Regional do Incra, em Marabá, solicitando posicionamento sobre o caso, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.

DECISÃO CONSERVADORA

Sobre a decisão judicial em si, José Afonso Batista classificou a determinação por reintegração de posse conservadora por parte do juiz Amarildo José Mazutti. “Temos tido muitos problemas em relação a esses imóveis com mais de uma década de ocupação e que foram objeto de acordo entre proprietários e ocupantes. Infelizmente, o atual juiz da Vara Agrária, que pese todo o respeito que tenho por ele, tem tido posição muito conservadora considerando o papel da Vara Agrária em relação a esses casos”, afirmou.

Segundo ele, nos casos que a CPT acompanha em pelo menos uma da Varas Federais de Marabá o responsável pelas decisões adotou outra abordagem para casos semelhantes. “Nessas ocupações consolidadas em que houve acordo em processo de compra e venda ou desapropriação, o juiz tem convertido a reintegração em ação de perdas e danos e indeferido o processo de reintegração de posse contra as famílias. É uma posição que eu diria justa e que é amparada pela legislação”, explica.

Conforme ele, na esfera estadual, na Comarca de Marabá, o juiz não tem tido a mesma compreensão. “No atual governo (Bolsonaro) não tem nenhum recurso para dar segmento a estes processos, então ele tem entendido que o caminho único é a reintegração de posse, embora a gente discorde”, finalizou. (Luciana Marschall)