Correio de Carajás

Ministério da Saúde de Israel nega que seus dados permitam concluir sobre imunidade de infectados

Enganoso
Postagens em site e redes sociais enganam ao afirmar que, segundo o Ministério da Saúde de Israel, pessoas que foram infectadas pelo novo coronavírus ficam sete vezes mais protegidas do que aquelas que tomaram a vacina da Pfizer.
  • Conteúdo verificado: Posts afirmam que, de acordo com números do governo israelense, quem teve covid-19 tem imunidade mais forte do que pessoas que não se infectaram e se vacinaram.

São enganosas as postagens em um site e em redes sociais que declaram, com base em supostos dados do Ministério de Saúde de Israel, que pessoas infectadas pela covid-19 estão sete vezes mais protegidas do que aquelas que não tiveram a doença e foram imunizadas com a vacina da Pfizer.

Contatado pela reportagem, o órgão do governo israelense respondeu que os dados disponíveis até agora não permitem apoiar ou rejeitar essa afirmação. Questionado se seria correto dizer que os anticorpos advindos da infecção natural são mais fortes do que os criados pela vacina, o ministério declarou que essa informação “não é conhecida no momento”. A pasta ainda reforçou a importância da vacinação e que ela já se mostrou eficaz em prevenir casos graves e hospitalizações.

O site Frontliner, citado como fonte de informação nos posts, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.

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Como verificamos?

Inicialmente, pesquisamos informações sobre a situação da campanha de vacinação em Israel e a eficácia das vacinas em reportagens nacionais e internacionais. O segundo passo foi contatar, por e-mail, o Ministério da Saúde daquele país.

Por mensagens de WhatsApp, falamos com o médico Roberto Zeballos, que postou este conteúdo em seu perfil no Instagram. Tentamos contato, por e-mail, com o site Frontliner, responsável pelo texto, e com o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que publicou um tuíte sobre o assunto. Em ambos os casos, não houve resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2021.

Verificação

Que dados são esses?

Ao contrário do que afirmam textos verificados aqui, os dados sobre contaminação divulgados pelo ministério israelense não foram obtidos por meio de estudo, mas, sim, via monitoramento epidemiológico realizado pela pasta.

Por e-mail, o Ministério da Saúde de Israel informou que a mais recente onda de contaminações começou em meados de junho. Do dia 15 daquele mês até 27 de julho, foram diagnosticadas 24.348 novas infecções.

Destes casos, 163 (0,66%) ocorreram em pessoas que já haviam sido diagnosticadas anteriormente com a covid-19. Nesta conta entram diagnósticos feitos ao menos 90 dias depois do primeiro resultado positivo. Quarenta e sete destas pessoas também já estavam totalmente vacinadas.

Outros 12.511 (51,3%) novos casos no mesmo período foram observados em pessoas que já haviam recebido a vacinação completa e acabaram infectadas pela primeira vez.

A doença gera melhor imunidade que a vacinação?

O ministério isralense respondeu que “os dados disponíveis atualmente não permitem confirmar ou negar” que a imunidade das pessoas que entraram em contato com o vírus seja mais forte do que a imunidade conferida por vacinas. “O Ministério da Saúde avalia que o aumento no número de contágios se dá em parte por causa da diminuição na proteção das pessoas vacinadas em janeiro e fevereiro”, disse o órgão israelense.

Por fim, o ministério informou que seus dados “claramente mostram” que a vacinação protege contra casos graves de covid-19 e sugerem que o grau de imunidade pode diminuir quando em contato com a variante Delta e de acordo com o tempo passado após a segunda dose da vacina. Com base nisso, o órgão passou a recomendar uma terceira dose para os idosos. O primeiro a receber a dose de reforço foi o presidente, Isaac Herzog.

Apesar disso, não há estudos conclusivos que indiquem benefício na medida, disse a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Brasil, em recente posicionamento. No país, dois testes clínicos sobre o tema estão sendo conduzidos pelos laboratórios AstraZeneca e Pfizer/BioNTech.

Já a Agência de Medicamentos Europeia (EMA) informa que, até o momento, não se sabe quanto tempo dura a imunidade das vacinas e que é preciso aguardar a conclusão dos estudos atualmente em desenvolvimento. Alguns deles monitoram o impacto das vacinas na vida real, o que deverá subsidiar estratégias futuras de vacinação. O órgão recomenda que todas as pessoas elegíveis se vacinem.

Eficácia da Pfizer

Em sua resposta, o ministério cita um estudo publicado na Lancet sobre o impacto e a eficácia da Pfizer realizado em Israel entre 24 de janeiro e 3 de abril com pessoas com 16 anos ou mais.

O levantamento conclui que duas doses da vacina “são altamente eficazes em todas as faixas etárias na prevenção de infecções sintomáticas e assintomáticas por Sars-CoV-2 e hospitalizações relacionadas à covid-19, doença grave e morte”, incluindo contra a variante alfa. Ainda de acordo com o estudo, “essas descobertas sugerem que a vacinação pode ajudar a controlar a pandemia”.

Em 7 de julho, o Ministério da Saúde havia anunciado que os dados epidemiológicos mais recentes até então mostravam que a taxa de eficácia da vacina em prevenir o contágio e a contaminação sintomática havia caído para 64%. O órgão ressaltou que essa observação se deu simultaneamente com o aumento de contágios pela variante Delta.

No mesmo pronunciamento, o ministério observou que a eficácia em prevenir casos graves e hospitalizações estava em 93%, muito próximo da eficácia anunciada pela Pfizer nos testes clínicos, de 95%.

O site

O site Frontliner afirma, na aba “Quem somos” da seção sobre “princípios editoriais”, que defende “a independência do nosso jornalismo, a primazia da realidade – fatos em primeiro lugar, respeito pelas opiniões e aqueles que as expressam, e o direito de cada indivíduo formar suas opiniões”.

Também afirma que suas publicações trazem “fatos verificados” e entregam “elementos fidedignos à fonte”.

O site já apareceu em outras verificações. Em outubro do ano passado, o Comprova classificou como enganoso um texto que retirava frase de enviado da OMS de contexto para sugerir que a entidade condenava o lockdown. Texto semelhante foi verificado também pelo Estadão Verifica em março deste ano.

O Comprova enviou mensagem por e-mail e pelo “fale conosco” do site, mas não recebeu retorno até a conclusão deste texto.

O texto do site Frontliner ganhou visibilidade ao ser compartilhado por pessoas influentes nas redes sociais. Um deles foi o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que escreveu no Twitter que “Vacina é feita com o vírus da covid, inativado, ou partes dele. Seu objetivo é provocar a produção de anticorpos que irão proteger o organismo de uma infecção com vírus ativo. Igual, quem já teve infecção do vírus ativo produz anticorpos, que protegerão bem o organismo!”

Médico de formação, Osmar Terra foi ministro da Cidadania no primeiro ano do governo Bolsonaro. Ele já fez alegações enganosas sobre a pandemia no Rio Grande do Sul e sobre a eficácia das medidas de distanciamento social, checadas pelo Projeto Comprova. Ele também é investigado pela CPI da Covid, no Senado, por supostamente integrar um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente Bolsonaro sobre a condução da pandemia. Procurado pelo Comprova, não respondeu.

Outro post que deu visibilidade ao texto do Frontliner foi um vídeo no Instagram do médico Roberto Zeballos. Na postagem, ele diz que “Estudo de Israel revela que quem venceu a doença tem imunidade SETE vezes melhor do que qualquer vacina!”. Ele também nota que “As vacinas estão mostrando proteção também!” e que “Obviamente não vale o risco de pegar a doença”.

Ao Comprova, ele afirmou que “isso é imunologia básica” e que quem se infecta acaba desenvolvendo resposta imunológica a todas as partes do vírus, não só a uma proteína dele, referindo-se à tecnologia utilizada em algumas das vacinas atualmente utilizadas. Ele disse se basear no estudo do ministério isralense e que suas falas se comprovam “em estudos e resultados com números, nunca especulações”.

Ao ser contestado com a resposta do órgão israelense, respondeu que falou em “estudo” mas que quis dizer os dados de monitoramento. “E quando faz a conta, vê os números e quem teve infecção realmente ficou mais protegido. Não pode ser considerado um estudo, mas tem vários estudos que mostram que quem pegou a doença, tem uma imunidade longa e mais eficaz”, sustentou.

Há estudos mostrando que a imunidade conferida pela infecção seria duradoura. No entanto, os principais órgãos reguladores consideram que os resultados dos estudos até o momento são insuficientes para dizer que a infecção forneceria imunidade maior ou que duraria mais. O Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, ressalta que especialistas “estão pesquisando para entender mais sobre a imunidade tanto pela infecção quanto pela vacinação” e que estudos apontam que as vacinas oferecem um reforço na proteção de quem já foi infectado. A Anvisa reitera isso, dizendo que “pesquisas apontam que a vacina pode proporcionar uma imunidade mais duradoura à covid-19 e fortalecer a imunidade natural à doença”. Ambos recomendam que qualquer pessoa elegível, mesmo quem já teve a doença, se vacine.

Zeballos já foi alvo de duas checagens do Comprova no começo da pandemia. Em uma delas, uma entrevista sua foi tirada de contexto. Ele dava seu relato sobre experiências com medicamentos corticoides no tratamento da covid-19. À época, como ele próprio explicou ao Comprova, os resultados não haviam sido publicados. Atualmente já se possui estudos robustos que comprovam o benefício destes remédios para pacientes infectados.

A outra checagem foi feita sobre um áudio no qual ele replicava alegações de um médico francês de que o Sars-CoV-2 teria escapado de um laboratório em Wuhan, na China. Até hoje essa hipótese não foi comprovada, e as evidências mais robustas apontam que o coronavírus teria sido transmitido naturalmente de um animal selvagem para o ser humano.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O texto do site Frontliner foi compartilhado 726 vezes no Facebook e teve 5.729 interações. Já o vídeo do médico Roberto Zeballos foi visualizado mais de 180 mil vezes e o tuíte do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) teve 3.824 reações.

Conteúdos enganosos sobre vacinas ou tratamentos contra a covid-19 podem induzir a população a recusar medidas de prevenção, como a imunização, e se expor a riscos durante a pandemia.

O Comprova já mostrou, por exemplo, que exames sorológicos não servem para provar grau de proteção das vacinas, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac, que a Infecção de Rodrigo Faro não prova ineficácia da vacina e que os imunizantes usados no Brasil passaram por testes de segurança e eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.