Enquanto o badalado derrocamento do Pedral do Lourenção se mantém na pauta de discussão entre autoridades do Executivo, promotores, empresários e ambientalistas, outro inimigo (silencioso), avança Rio Tocantins acima e ameaça ocasionar destruição de parte da vegetação aquática, desequilíbrio ecológico, prejuízos à pesca, entupimento de tubulações e prejuízos à navegação e às usinas hidrelétricas.
Esse inimigo silencioso é conhecido em várias partes do País como mexilhão-dourado, mas os ribeirinhos e pescadores da região têm outros nomes populares para ele: caracol, búzio. Mas uma informação muito importante é de que molusco de água doce, de pequeno porte (de três a quatro centímetros) originário do sudeste asiático que chegou ao Brasil pelas águas utilizadas como lastro em navios cargueiros, há cerca de 30 anos.
Devido a sua facilidade em se fixar a estruturas rígidas e pela grande capacidade de proliferação, o mexilhão-dourado se destaca como espécie invasora, ou seja, não é natural da Amazônia, e pode ser prejudicial ao nosso bioma, alterando as suas características e o equilíbrio natural da Bacia do Rio Tocantins, por exemplo.
Leia mais:Nas águas do Rio Tocantins, nos últimos dois anos, ele tem se reproduzido descontroladamente, por não ter predador e encontrado um ambiente favorável para a sua adaptação. Suas colônias podem atingir densidades de mais de 100 mil indivíduos por metro quadrado.
Pescadores artesanais e esportivos da região do Lago de Tucuruí estão preocupados com a “praga” que se multiplica de forma assustadora, toma conta de ilhas e dos chamados “paliteiros”, troncos de árvores submersas no imenso lago desde a época da inundação, ocasionada pela construção da barragem para a Hidrelétrica de Tucuruí.
Esta é a primeira invasão registrada em um rio da região amazônica e ainda não se sabe a extensão dos danos por aqui. As autoridades ambientais ainda não se atentaram para o crescimento vertiginoso de colônias de mexilhões-dourados no Rio Tocantins, sobretudo no Lago de Tucuruí e no Pedral do Lourenção.
O prejuízo trazido pela espécie asiática também é ambiental. Por ser um animal filtrador, ele se alimenta de várias espécies nativas dos rios brasileiros. De acordo com o Ibama, sua presença já foi registrada em ao menos 27 unidades de conservação, incluindo parques estaduais e estações ecológicas em outras partes do País.
Os resultados do desequilíbrio ambiental ainda estão sendo estudados. No entanto, já se sabe que sua presença afeta o ciclo de nutrientes no ambiente aquático e promove mudanças na fauna de peixes.
EXPEDIÇÃO AO PEDRAL
Na última semana, a equipe de reportagem do CORREIO DE CARAJÁS e TV CORREIO/SBT realizou uma expedição ao Pedral do Lourenção, acompanhada de técnicos da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Na Vila Tauri, a bordo de uma rabeta, a equipe subiu e desceu o pedral e constatou que eles estão em praticamente todas as ilhas que compõem o Lourenção, algumas tomadas pelo molusco, outra com infestação crescente.
Plano do Ibama falhou em impedir chegada à Bacia Tocantins-Araguaia
O mexilhão-dourado é uma das três espécies exóticas invasoras que são alvo de planos de controle do Ibama. Em dezembro de 2018 o órgão publicou uma primeira versão do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Mexilhão-dourado no Brasil. Em 2020, o documento foi atualizado e contém 146 páginas.
O Plano tem dois objetivos principais. O primeiro é prevenir a dispersão do molusco em áreas não-invadidas e controlar a população das áreas invadidas durante os próximos cinco anos. No período de 25 anos, a meta é a manutenção de bacias hidrográficas não-invadidas, com prioridade para as regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia. Mas, agora, comprova-se que esse planejamento falhou e feio.
Para prevenir a chegada do mexilhão à bacia amazônica, o Ibama apontava a necessidade de medidas que incluíam fomentar a pesquisa, informar o público sobre as espécies invasoras e criar legislação que exigiria, por exemplo, que usinas hidrelétricas verificassem a presença de mexilhões em suas represas.
Mas o Ibama já sabia que o mexilhão-dourado estava presente no Pedral do Lourenção desde 2018. Ou pelo menos deveria saber, porque a DTA Engenharia entregou ao órgão ambiental, em outubro daquele ano, o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) proveniente dos Estudos de Impacto Ambiental para poder realizar a dragagem e derrocamento de parte do Pedral do Lourenção.
Na página 74 do RIMA, há afirmação, com foto, da presença do chamado Corbicula largillierti, nome científico para o mexilhão-dourado. Junto a isso, o relatório afirma o seguinte: “Você sabia? Espécies invasoras são espécies que não ocorrem naturalmente numa determinada área e, quando introduzidas, se reproduzem de maneira descontrolada, ameaçando o equilíbrio ambiental ocupando as áreas das espécies nativas”.
A Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS enviou a servidores do Ibama, em Marabá, relatos sobre a presença do molusco no Lourenção, com fotos, e pediu posicionamento. Foi informado que procurasse a assessoria de comunicação do órgão, em Brasília. Enviamos e-mail, mas nenhuma resposta foi dada até a publicação desta notícia.
MPPA cobra o Ibama, a Semas e até Evandro Chagas sobre o caso
Procurada pela Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS, a promotora do Meio Ambiente, Josélia Leontina de Barros, ficou surpresa com as imagens da proliferação do mexilhão-dourado no Rio Tocantins e imediatamente abriu um procedimento para acompanhar o caso e enviou documentos para o Ibama, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e até para o Instituto Evandro Chagas, pedindo intervenção dos órgãos para acompanhar a infestação e apresentar um relatório sobre a situação atual.
A Reportagem do CORREIO também levou o caso à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), outra entidade a informar que não tinha conhecimento sobre o assunto, mas que iria inteirar-se. Paulo Chaves, chefe de Fiscalização da SEMMA, disse que enviaria equipe para o rio, para realizar uma avaliação e emitir um relatório para apresentar ao secretário Rubens Borges Sampaio.
Pescadores e ribeirinhos acendem alerta para o “sumiço dos peixes”
Paralelo ao avanço das colônias de mexilhões-dourados no entre Tucuruí e Marabá, os pescadores têm relatado a falta de pescado no Rio Tocantins neste verão e temem que o que consideram “sumiço dos peixes” esteja relacionado à presença cada vez maior do molusco invasor.
O ribeirinho Ricardo Souza da Silva, conhecido como Macho Velho, de 41 anos de idade, mora em uma casa de taipa na Ilha de Praia Alta, município de Nova Ipixuna, com a esposa e dois filhos.
Pescador da região do Pedral do Lourenção há mais de 20 anos, ele diz que desde que os mexilhões se multiplicaram na região, ele e a família não tomam água do rio. Em alguns momentos da conversa com a Reportagem do CORREIO, ele chama o invasor institivamente de outros nomes: búzios e, também, caracol. “A gente não sabe onde essa praga vai parar. Tem dias que fedem muito, a gente falta não aguentar, aponta ele do alto de sua casa para a margem do rio, a cerca de 40 metros dali.
O jovem Mariano Rios Lima, pescador e guia para quem procura o Pedral do Lourenção para pesca e pesquisa, diz que fica muito incomodado com o mal cheiro que os mexilhões causam quando estão mortos. “Se a gente pisar descalço em cima deles, corta o pé, é como uma faca. Esperamos que façam logo pesquisa e tirem esse bicho do nosso rio, porque ele não é daqui”, clama.
Antônio Lopes de Mesquita mora há mais de 30 anos na mesma Ilha do Praia Alta e, também, engrossa o discurso de que os peixes “sumiram” nesse veraneio e reforça que não apenas os pedrais da região do Lourenção, mas também as praias estão lotadas do mexilhão.
Morando na Vila Tauri, na entrada do Lourenção, Moisés Barbosa Lima mora há mais de 20 anos na região e disse que nunca viu nada igual, com falta de peixe, o que espanta os turistas que vão para a região pescar e acabam contratando os serviços dos locais.
“Estamos sem saber de onde veio ou que mal faz, só sabemos que estão se multiplicando muito rápido e causando mal cheiro. Na minha família somos quatro pescadores, eu e meus filhos, mas o certo é que a gente não está quase pegando peixe, que diminuiu muito”, conta.
Segundo Moisés, o aparecimento dos “caramujos” começou no ano passado, mas nada comparável à quantidade que existe neste veraneio. “Acho que daqui a uns dois, três anos vai impedir a gente de beber uma água do rio. Eu já estou puxando água de uma bica a 600 metros daqui, por meio de canos. Quando a gente mete um balde dentro da água, vem o filhote desse mexilhão junto. Se você ver o tamanho, bem miudinho assim, eu abri um dia desses uma casquinha aí e está cheio de filhote dentro. Então, aquilo ali é muita poluição”, avalia.
REGISTRO EM MARABÁ
Em Marabá, a cerca de 40 quilômetros acima, os pescadores atestam a chegada do mexilhão-dourado e reclamam que ele está tomando de conta do fundo do rio e das embarcações que ficam mais tempo paradas, como flutuantes. “É uma praga, gruda na rede da gente às centenas, e atrasa muito o trabalho dentro do rio. Temos de parar para tirar aquele monte de caramujo”, reclama Francisco Lopes da Silva, de 62 anos, na companhia de outros colegas.
Ele foi encontrado num braço do Rio Tocantins, entre a Praia do Tucunaré e a margem direita, às proximidades da base do Projeto Quelônios.
Pesquisadora da Unifesspa explica impactos ambientais
A professora doutora Cristiane Cunha, professora e pesquisadora da Unifesspa, ligada à Faculdade de Educação do Campo e ao Núcleo de Educação Ambiental, pesquisa moluscos invasores nos rios da região há mais de dez anos. Inicialmente, com a chamada curbícula flumínia, outro tipo de caramujo, que invadiu a bacia hidrográfica do Rio Tocantins e já está amplamente distribuído. “Nessa época, eu já falava sobre o risco de invasão de uma outra espécie, que é o mexilhão-dourado, alertando que se ele realmente chegasse à nossa bacia seria muito mais danoso ao ecossistema e, também, em relação às questões econômicas”, explica ela.
Cristiane observa que ele se forma em colônias, formando uma incrustação, ou seja, ele tem uma estrutura que a capacidade de se multiplicar em tudo que for sólido, como rochas, argila, árvores, troncos, embarcações e redes de pesca.
Segundo ela, a Eletronorte ela já tinha um estudo desde 2009 sobre larvas de Mexilhão Dourado na região do Lago de Tucuruí, mas não divulgou isso amplamente para a sociedade e nem para as autoridades. “Possivelmente ela deve estar fazendo alguma medida de controle ou de manejo das turbinas, mas não fez nada para que pudesse ser evitada a dispersão da espécie no lago”, critica a pesquisadora.
Cristiane Cunha lamenta que, atualmente, o lago esteja totalmente tomado de colônias de mexilhão-dourado, e revela que em 2023 ela mesma já havia detectado colônias do molusco tanto no Pedral do Lourenção, como dentro do lago de Tucuruí. “Isso traz diversos transtornos ambientais. Um deles é, durante o período da seca, quando muitos vão morrendo, exalar um cheiro muito forte de podridão, o que afeta a qualidade da água, pois entram em decomposição à medida que o rio baixo, só que outros vão se proliferando onde tem água”, diz.
Ela também cita a presença de tantos mexilhões vão provocar a morte de peixes, que já estão naturalmente se alimentando desse molusco invasor. Só que eles não têm como digerir esse alimento, então podem acabar morrendo. “No processo de evacuação eles vão se machucar na região do ânus e isso vai abrir feridas que é uma porta de entrada para bactérias e para outros predadores. Esse é um impacto ambiental muito grande para os peixes da região, consequentemente também tem um impacto aqueles que dependem dos peixes para sobrevivência, os pescadores, então há um impacto sistêmico”, adverte.
Um outro impacto que a espécie traz é porque ela compete por oxigênio. Então, as colônias estão, elas competem por oxigênio. “Se nós pensarmos sobre o lago de Tucuruí, que é um local que já tem uma deficiência de oxigênio, porque a água é parada, é um ambiente que já sofre no verão pela falta de oxigênio, então esses bichinhos vão consumir muito oxigênio dessa água e esse consumo excessivo de oxigênio vai prejudicar os peixes”.
Por fim, ela alerta que o governo do Estado precisa estar atento a isso e questionar a Eletronorte sobre o controle dos mexilhões-dourados.
Agrônomo Juscelino vê efeito negativo na biodiversidade
Juscelino Bezerra de Souza tem grande atuação na defesa do meio ambiente entre Marabá e a região do Pedral do Lourenção e tem grande respeito entre os pesquisadores, ribeirinhos e pesquisadores. Por formação, ele é agrônomo e é outro preocupado com o vertiginoso avanço dos mexilhões-dourados no Rio Tocantins.
“Houve registro da larva dele em relatórios ainda por implantação da Alpa (Aços Laminados do Pará) há pouco mais de anos. Nos últimos dois anos já estamos vendo esse molusco adulto, já em fase reprodutiva. Esse bicho chega até 4 cm, mas a partir de meio centímetro ele já começa a se reproduzir”, explica Juscelino
Na avaliação dele, o grande efeito negativo na biodiversidade, atualmente, está na destruição dos habitats de outras formas de vida. E o segundo, elimina os microrganismos, os plânctons, porque há várias espécies nativas que têm de usar os plânctons, que serão consumidos pelo mexilhão.
“Ele é digerível pelo organismo dos nossos peixes? Não se sabe, não se pode dizer que há um efeito negativo sobre o organismo dos animais que ingeriram mexilhões. Ainda precisamos de pesquisas para avaliar esses resultados”, pondera o agrônomo.
Embora reconheça que há muitos casos de pesca predatória rio acima e rio abaixo, analisa que a presença dos mexilhões pode estar contribuindo com a diminuição dos peixes, conforme relatado pelos pescadores e ribeirinhos. “O que se sabe é as espécies exóticas são as segundas responsáveis pela redução da biodiversidade no mundo”, encerra.
(Ulisses Pompeu)