Correio de Carajás

Memória: Há 30 anos, uma Medida Provisória dava a largada ao Plano Real

Em 28 de fevereiro de 1994, era publicada a medida provisória que criava a URV, o embrião do Real. Estratégia estabilizou monetariamente o país e preparou o caminho que levaria o então ministro FHC à Presidência.Em 27 de fevereiro de 1994 o então presidente, Itamar Franco, publicou uma medida provisória, assinada no dia anterior, instituindo a chamada Unidade Real de Valor (URV), uma espécie de pré-moeda que atrelava os preços ao dólar — embora tudo fosse “convertido”, em cotações divulgadas diariamente, à moeda da época, o cruzeiro real.

Era dada a largada do que ficou conhecido como Plano Real, a série de medidas econômicas que finalmente estancaram a inflação galopante do país e prepararam o terreno para a chegada de uma nova moeda, em 1° de julho daquele ano: o real — moeda do Brasil até hoje.

Quando a URV entrou em vigor, no dia 1º de março de 1994, a taxa Selic despencou dos 11.521,56% da véspera para 5.791,74%. Quando o real se tornou a moeda, em julho daquele ano, o índice caiu de 15.405,60% para 179,96%. Atualmente, a Selic está em 11,15%.

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Deu certo

Trinta anos depois, pode-se dizer que o plano foi bem-sucedido? “Depende da definição do objetivo [almejado]. Se era derrubar a inflação e mantê-la sob controle, foi um total sucesso”, pontua Santos. “Se era conviver com inflação e juros baixos, o sucesso do plano foi apenas parcial.”

Para o economista, a “dificuldade em alcançar este último objetivo pode ser imputada à questão fiscal que ainda carece de uma solução permanente”. “A recente reforma fiscal é um passo importante”, frisa.

“O plano funcionou, entregou resultado, sofreu atualizações, porém atualmente há desafios de aprimoramento do regime de metas de inflação, sobretudo para calibrar o peso da taxa de juros como principal instrumento da política monetária”, defende Andrade.

Para o historiador Rafael Maranhão, professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie, “o plano cumpriu o seu papel”. “Tornou-se uma das principais políticas de recuperação vistas na parte sul do continente. Em quase dois anos, envolvendo os ajustes fiscais, embates políticos e reformulação de políticas bancárias, o Brasil saiu de um marasmo econômico acompanhado de autoritarismo e corrupção para um momento de estabilidade e novidade, pois em curso havia um conjunto de políticas liberais para um novo brasil, democrático e estável”, acrescenta.

A descontrolada inflação que o Brasil enfrentava foi um legado deixado pela ditadura cívico-militar, que vigorou de 1964 a 1985. “Desde o fim do [chamado] ‘milagre econômico’ da gestão do presidente [Emílio Garrastazu] Médici [(1905-1985), que ficou no poder entre 1969 e 1974], o Brasil vinha colecionando índices altíssimos de inflação e quedas significativas no PIB [Produto Interno Bruto]”, explica Maranhão.

“O mercado externo referente à exportação se encontrava limitado devido às políticas de alinhamento do Brasil aos Estados Unidos, na Guerra Fria, obrigando o país a importar mais”, prossegue o historiador. “Nesse mesmo cenário, a dívida pública só aumentava e, de maneira geral, os países da América do Sul podiam ser resumidos em hiperinflação e dívida externa. O Brasil não era exceção.”

O economista Santos contextualiza que a inflação “era alta devido ao amplo processo de indexação da economia brasileira, que gerou o conhecido processo de inércia inflacionária”. “Este era o diagnóstico que fundamentava o plano Cruzado, o plano Bresser e o plano Real. O último deu certo porque incorporou o que se aprendeu com os erros dos anteriores.”

Quando o Real foi lançado, o componente político era o principal vetor das críticas. “A visão a respeito do plano refletia basicamente o alinhamento político da época. Havia quem acreditasse no plano e os céticos de sempre”, conta Santos. “Economistas desenvolvimentistas e os ligados ao [então pré-candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência, Luiz Inácio] Lula [da Silva] eram céticos e ficaram surpresos com o bom resultado alcançado, que inviabilizou a sua candidatura.”

Os resultados foram praticamente imediatos. A inflação no Brasil despencou de 47,5% em junho de 1994 para 6,8% em julho. A avaliação positiva do governo Itamar Franco (1930-2011) saltou de 12%, em novembro de 1993, para 37% em agosto de 1994 — de acordo com levantamentos realizados pelo Instituto Datafolha. FHC foi eleito presidente no primeiro turno, derrotando Lula com uma larga margem — 54,3% dos votos, ante 27%.

No dia a dia

A estabilização monetária funcionou para trazer de forma quase plena a população brasileira para a sociedade de consumo. A constância dos preços possibilitou esse acesso, mesmo que a prestações. “Era importante estabilizar, pois para a população inflação é aumento do custo de vida, instabilidade financeira e incerteza quanto ao futuro”, pontua Andrade.

O economista Santos frisa que “inflação alta penaliza os mais pobres, que não têm mecanismos para proteger a sua renda da elevação diária dos preços”. Cenas de carrinhos de supermercado cheios e filas nas lojas no início do mês eram comuns na era anterior ao Real.

“O plano Real conseguiu a estabilização da economia, ainda que em patamar [de inflação] mais elevado do que o desejado em comparação a países do chamado Primeiro Mundo, mas muito abaixo da média histórica do Brasil”, ressalta ele.

“A simples redução da inflação e sua estabilidade no nível que se alcançou representou um ganho enorme para a população de baixa renda, melhorando muito o ambiente de negócios”, acrescenta ele.

De lá para cá, a tática de controle passou ser a política de juros. “Quanto maiores as taxas, mais alto será o custo de qualquer empréstimo”, diz Andrade. “O que pode dificultar o acesso aos chamados bens de consumo duráveis, por exemplo veículos.” Em suma: com juros altos, menos gente compra — e isso “controla” a inflação pela própria lei de oferta e demanda. Por outro lado, a calibragem precisa ser sutil — afinal, menos gente comprando significa uma economia girando menos, o que pode resultar em fechamento de empresas e aumento do desemprego.

Especialistas acham improvável que o Brasil volte a enfrentar, no futuro, um cenário de hiperinflação como houve até o início dos anos 1990.