Correio de Carajás

Médicos são investigados por fake news de que ‘câncer de mama não existe’

Conselhos Regionais de Medicina abriram procedimentos contra Lana Almeida, do Pará, e Lucas Ferreira Mattos, com registros em SP e MG. Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) relatou preocupação com notícias falsas.

Médicos investigados pelos conselhos regionais de medicina — Foto: Reprodução/Redes sociais

Dois médicos foram denunciados, na terça-feira (29), por entidades da classe a Conselhos Regionais de Medicina por declarações sobre câncer de mama que são consideradas falsas pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca).

As afirmações foram divulgadas durante o Outubro Rosa, mês de conscientização e alerta sobre a importância da prevenção deste tipo de câncer.

Lucas Ferreira Mattos, com registros em São Paulo e Minas Gerais, é médico com mais de 1,2 milhão de seguidores apenas no Instagram. Segundo apurado pela TV Globo, ele não aparece com especialidade registrada no site do Conselho Federal de Medina (CFM).

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Em um dos vídeos, ele respondeu a uma pergunta sobre uma pessoa que disse ter dois cistos nos seios e que fazia acompanhamento, mas queria saber “o que poderia fazer para acabar [com os cistos]”.

“Ficar fazendo mamografia? Uma mamografia gera uma radiação para a mama equivalente a 200 raios-X. Isso aumenta a incidência de câncer de mama, por excesso de mamografia. Tenho 100% de certeza que o seu nódulo benigno é deficiência de iodo”, afirmou, com base apenas na informação citada pela seguidora.

O vídeo foi encaminhado ao Cremesp, que informou, por nota, que “que está investigando o caso em questão” e que as apurações tramitam sob sigilo.

Já a médica Lana Tiani Almeida da Silva tem inscrição no conselho do Pará, também sem especialidade registrada.

“Esqueça Outubro Rosa. Câncer de nama não existe. Sou a doutora Lana Almeida, médica integrativa, especialista em mastologia e ultrassonografia das mamas. Por isso venho falar para vocês que câncer de mama não existe. Então esqueçam Outubro Rosa. Esqueçam mamografia”, afirmou Lana num vídeo no Instagram. Na mesma postagem, ela sugeriu um suposto tratamento com hormônios.

Perfil apagado após repercussão ainda tinha o vídeo — Foto: Reprodução
Perfil apagado após repercussão ainda tinha o vídeo — Foto: Reprodução

Procurado pela TV Globo, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará informou que “tomou conhecimento da postagem no Instagram da Dra. Lana Almeida, devidamente inscrita neste CRM, nesta terça-feira (29), e o fato já está sendo apurado por este Regional”.

“Ressaltamos que os procedimentos no CRM-PA tramitam sob sigilo, de acordo com o art. 1°, do Código de Processo Ético-profissional.”

O vídeo de Lana foi visto por milhares de pessoas e compartilhado por aplicativos de mensagens. Até a tarde de terça, o vídeo aparecia no feed no Instagram e depois foi retirado. Horas depois, o perfil, que era seguido por 9.636 pessoas, não foi mais encontrado.

Os dois médicos foram procurados pela TV Globo, mas não responderam sobre os questionamentos até a última atualização desta reportagem.

Tanto o vídeo de Mattos quanto o de Lana citados acima foram avaliados pelo Inca. “As postagens veiculadas podem ser consideradas fake news”, disse o instituto.

O que diz a Sociedade Brasileira de Mastologia

 

A Sociedade Brasileira de Mastologia afirmou que observa com preocupação o número de notícias falsas a respeito do tratamento e da prevenção do câncer de mama.

“As redes sociais possuem inúmeros perfis de pessoas que se dizem médicas ou profissionais de saúde que fazem afirmações sensacionalistas e mentirosas sobre o assunto”, aponta.

Segundo a entidade, os perfis costumam divulgar as informações com um possível padrão:

  1. Comenta sobre algo sem comprovação científica, baseado apenas na opinião da pessoa ou de um influenciador;
  2. Na sequência, oferece a venda de algum tratamento ou terapia milagrosa que vai curar ou evitar a doença;
  3. Também oferece cursos voltados para médicos, profissionais de saúde ou até pessoas sem nenhuma formação, para ensinar as tais terapias.

 

“Dentre as maiores nulidades observadas, estão as teorias de que a mamografia causa câncer de mama, que o câncer de mama não existe e que é possível prevenir ou tratar o câncer de mama através do uso de hormônios”, disse a entidade.

 

Veja abaixo os pontos explicados por Augusto Tufi Hassan, presidente da SBM, e por Guilherme Novita, diretor da Escola Brasileira de Mastologia:

  • Sobre colocar em dúvida a existência da doença

 

“O câncer de mama é a principal neoplasia maligna entre as mulheres brasileiras, sendo responsável por mais de 70.000 novos casos ao ano em nosso país. Menosprezar esta doença é um desrespeito aos milhares de vítimas e suas famílias, além de poder causar tratamentos inadequados em mulheres que acabaram de descobrir a doença.”

  • Sobre mamografia

 

“A mamografia é a principal forma de prevenção de mortes pela doença. O diagnóstico precoce, obtido pela mamografia, permite a descoberta do câncer em estágios menores, onde as chances de cura são maiores e os tratamentos, menos agressivos. Estudos comparativos realizados em países europeus e norte-americanos demonstraram que a realização de mamografia anual em mulheres entre os 40 e 75 anos reduz em 20% a 30% a mortalidade do câncer de mama em comparação com mulheres que não realizaram o exame.”

  • Sobre supostas terapias com hormônios

 

“O uso de hormônios sexuais (estrógeno, progesterona e testosterona) é contraindicado em casos de câncer de mama, pois estimula o crescimento de células tumorais. Inúmeras publicações científicas mostram este efeito e a piora na evolução da doença. Inclusive, a terapia de alguns casos de câncer de mama é feita através de bloqueio destes hormônios, com resultados comprovados na diminuição da mortalidade.”

O que diz o Inca

 

De acordo com o Inca, as postagens dos dois médicos podem ser consideradas falsas.

As estimativas para a doença são divulgadas a cada três anos, já que, no Brasil, não é obrigatório notificar casos de câncer. As estimativas mais recentes correspondem ao triênio de 2023 a 2025.

Essas estimativas do Inca apontam o câncer de mama como o mais frequente na população feminina do Brasil, ocupando o primeiro lugar, com 73.610 novos casos por ano entre 2023 e 2025. Isso representa uma taxa de incidência de 41,89 casos por 100 mil mulheres.

De acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer, do Ministério da Saúde, em 2022, houve 19.130 mortes por câncer de mama em mulheres no Brasil. A doença também é a mais incidente em mulheres no mundo, com aproximadamente 2,3 milhões de casos novos estimados em 2022, segundo dados do instituto.

(Fonte:G1)