Correio de Carajás

Médico usa dados deturpados para dizer que vacina foi causa de abortos

Enganoso
É enganosa a afirmação de um médico brasileiro de que um estudo conduzido nos Estados Unidos teria apontado que 82% das grávidas vacinadas contra a covid-19 teriam sofrido aborto no primeiro trimestre de gestação. Além da afirmação deturpada sobre os resultados, os autores da pesquisa ainda destacam na própria publicação que os dados utilizados no levantamento preliminar têm limitações, já que foram adotados sistemas alimentados por pacientes.
  • Conteúdo verificado: Trecho de entrevista de um médico falando que um estudo apontou ocorrência de 82% de abortos entre pessoas vacinadas com a Pfizer no primeiro trimestre de gravidez. O conteúdo circula no Kwai e, a partir dele, no Youtube e Twitter. Sobre o vídeo há a legenda “Pfizer tem poder de barganha, compra tudo e todos, até diretor da Anvisa. 82% de abortos após inoculação em grávidas”.

É enganosa a afirmação feita em vídeo compartilhado no Kwai e em outras redes sociais de que 82% das grávidas vacinadas contra a covid-19 sofreram aborto no primeiro trimestre de gestação em um estudo conduzido nos Estados Unidos e que este seria um motivo para gestantes não serem vacinadas. O percentual não é citado no levantamento.

A pesquisa “Descobertas preliminares da segurança da vacina de mRNA Covid-19 em pessoas grávidas” foi realizada por cientistas ligados ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e à Food and Drug Administration (FDA), todos funcionários do governo dos Estados Unidos, e publicada em 21 de abril de 2021.

O estudo utilizou dados de 3.958 pessoas, que constavam em um sistema de registro de gravidez dos Estados Unidos, chamado V-safe. Na plataforma, podem se inscrever participantes que se autoidentificam como grávidas no momento da vacinação ou até 30 dias depois.

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Entre as inscritas, 827 chegaram ao fim do período de gravidez até a publicação do estudo, seja pelo nascimento do bebê ou por aborto. Do total, 104 (12,6%) sofreram abortos espontâneos e houve 712 nascidos vivos (86,1%). Erros em cálculos e interpretações equivocadas do conteúdo do estudo fizeram com que o levantamento fosse usado para espalhar desinformação relacionada à vacinação de gestantes.

Conforme os autores, os dados do estudo são preliminares e não apontam resultados indesejáveis entre as gestantes que receberam vacinas de mRNA covid-19 (método usado pela Pfizer, por exemplo). Os responsáveis pelo documento afirmam que o acompanhamento de gestantes por maior período de tempo – inclusive de grande número de mulheres vacinadas no início da gravidez – é necessário para resultados mais concretos.

O estudo em questão foi publicado em abril de 2021. A vacinação de grávidas é recomendada por órgãos oficiais e entidades que representam médicos que atuam na área. Em outubro, levantamento publicado pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 mostrou que gestantes com quadros graves da doença e que não se vacinaram têm 5 vezes mais chance de morrer do que as vacinadas.

Além disso, os autores afirmam que os dados apresentam limitações, isso porque a fonte é de sistemas de monitoramento de reações adversas alimentadas pelos próprios pacientes e suscetíveis a erros. A amostra ainda é considerada pequena e não há controle de quantidade de doses aplicadas no grupo.

Outros veículos de checagem – como Agência Lupa e Health Feedback – identificaram que o mesmo estudo é alvo de desinformação desde a publicação, no primeiro semestre de 2021.

No Brasil, a vacinação de pessoas grávidas com o imunizante da Pfizer é recomendada com a orientação de um médico pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela própria Pfizer.

Ouvido pelo Comprova, o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, afirma ser recomendada a imunização em qualquer momento da gestação, assim como a dose de reforço.

Ele destaca que os dados de vigilância pós-licenciamento mostram segurança da imunização neste público e que gestantes fazem parte do grupo de pessoas com maior probabilidade de desenvolver formas graves da doença.

Procurada, a usuária que publicou o recorte da entrevista não respondeu até a publicação deste conteúdo. Já o médico que faz as afirmações diz se basear em um quadro do estudo que foi corrigido e que “suas fontes serão sempre checadas fora (do país)”.

Para o Comprova, é enganoso o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova fez uma busca pelo vídeo original com a entrevista do médico. Em seguida, o médico foi procurado para identificar qual foi o estudo citado por ele e fez a análise do artigo.

Realizando buscas utilizando o Google, identificou verificações antigas e realizadas por agências (Lupa e Health Feedback) sobre o mesmo assunto.

Foram procuradas a Pfizer e a Anvisa.

Em seguida, a reportagem entrevistou Renato Kfouri, diretor da SBIm.

Por fim, o Comprova tentou falar com a pessoa que primeiro publicou o recorte da entrevista viralizado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de janeiro de 2022.

Verificação

O estudo

No vídeo aqui verificado, o médico José Augusto Nasser dos Santos afirma que a Pfizer tem grande poder de dominar revistas científicas, a ponto de “roubar para si” os artigos, estimulando publicações favoráveis à empresa. Nesse contexto, ele classifica como fraude a publicação que, segundo ele, “autoriza” a imunização contra a covid-19 em gestantes. O neurocirurgião alega que o estudo deveria ter avaliado gestantes vacinadas até a 20ª ou 22ª semana de gestação, mas os pesquisadores incluíram também pessoas imunizadas no último trimestre da gravidez.

Para o médico, esse foi o motivo de o índice de abortamento registrado no estudo ser de 10% a 12%, o mesmo que ocorre em condições normais. O neurocirurgião sustenta, ainda, que quando analisados os dados entre as mulheres imunizadas no primeiro trimestre da gravidez o número de abortos foi de 82%, o que, ele afirma, foi retratado posteriormente. Em 14 de outubro de 2021 foram publicadas correções ao artigo, mas não houve mudanças nos resultados percentuais apresentados.

O Comprova procurou o médico e perguntou a qual artigo ele se referia. Em resposta, Nasser apontou o trabalho “Descobertas preliminares da segurança da vacina de mRNA Covid-19 em pessoas grávidas”, publicado em 17 de junho de 2021 na The New England Journal of Medicine.

Há uma nota do editor, contudo, informando que a publicação original do artigo é de 21 de abril de 2021. Nessa data, haviam passado apenas 54 dias desde a coleta de dados, em 28 de fevereiro de 2021, ou seja, muitas mulheres ainda não haviam terminado a gestação, que possui tempo médio de 280 dias. Não havia, portanto, como saber se a gravidez chegaria ao final com sucesso ou não. Isso é explicado detalhadamente no próprio estudo.

Ao Comprova, o médico manteve a sustentação apresentada na entrevista, dizendo que na análise de aborto entre as vacinadas no primeiro trimestre, a conta final que aparece na tabela seria de 82% e não de 10% a 12% “como eles induziram colocando todas as grávidas na mesma análise longitudinal”.

Em 6 de julho de 2021, contudo, a rede de informações médicas verificadas Health Feedback publicou texto informando que o estudo estava sendo alvo de desinformação originada de um erro de cálculo. No início daquele mês, explica a publicação, começou a circular nos Estados Unidos que a taxa de aborto espontâneo entre mulheres que receberam a primeira dose da vacina entre 30 dias antes da gravidez e 20 semanas de gravidez era de 82%.

A publicação identificou que a afirmação começou a ser propagada por um dos donos de uma academia, multada em R$ 8,5 milhões por continuar funcionando normalmente apesar de o governo de Nova Jersey, nos Estados Unidos, ter decretado funcionamento parcial.

A Health Feedback diz que o proprietário da academia interpretou de forma errada os resultados do estudo e explica de forma detalhada como ele teria chegado ao número de 82% da taxa de aborto entre mulheres vacinadas, apresentando também por que o cálculo não condiz com a realidade.

Para o cálculo, ele comparou o número de abortos espontâneos apresentados no estudo (104) com o total de gestações concluídas entre mulheres vacinadas antes do terceiro trimestre (127) à época da publicação, chegando, assim, ao número de 82% de abortos espontâneos. Da conta do dono da academia foram excluídas, intencionalmente, 700 gestações completas de vacinadas durante o terceiro trimestre.

Conforme explica a análise da Health Feedback, o dono da academia não levou em consideração o fato de que a maioria das vacinadas com até 20 semanas – 2.938 – ainda estava grávida na época da publicação do estudo, ou seja, não se sabe o resultado dessas gestações.

Outro problema diz respeito aos dados disponíveis sobre as 127 gravidezes finalizadas, usadas no cálculo. Desse total de 127, 104 resultaram em aborto espontâneo, 12 em nascidos vivos, um nascido natimorto e 10 em abortos voluntários. O estudo informa que os 104 casos de aborto espontâneo são de gestantes que se vacinaram até a 20ª semana, mas não apresenta em que estágio da gravidez foram vacinadas as demais 23 pessoas. Mesmo assim, o dono da academia utilizou o número completo (127) para o cálculo que resultou em taxa de 82% de abortos entre vacinadas no primeiro trimestre.

Além dos erros no cálculo, os autores do estudo concluíram que, embora não seja diretamente comparável, as proporções calculadas de gravidez adversa e resultados neonatais em pessoas vacinadas contra a covid-19 e que tiveram uma gravidez completa foram semelhantes às incidências relatadas em estudos conduzidos antes da pandemia.

Eles destacam, também, que a análise é preliminar e usa dados relatados por participantes, com informações limitadas sobre outros fatores de risco potenciais para gravidez adversa e resultados neonatais. Não se sabe, ainda, o número total de doses de vacina administradas nas grávidas participantes, o que limita ainda mais a capacidade de estimar as taxas de eventos adversos relatados.

Os autores concluem que os achados preliminares não mostraram alerta de segurança óbvios entre as gestantes que receberam vacinas de mRNA covid-19 e que um acompanhamento mais longitudinal, incluindo o acompanhamento de um grande número de mulheres vacinadas no início da gravidez, é necessário para informar os resultados maternos, da gravidez e do bebê.

A reportagem identificou que o mesmo estudo é alvo de interpretações errôneas há meses no Brasil. Em julho de 2021, a Agência Lupa verificou ser falso um conteúdo viralizado no país utilizando a mesma afirmação feita recentemente por Nasser.

Apontou, ainda, que o site americano LifeSiteNews, conhecido por publicar teorias da conspiração e banido permanentemente do YouTube por esse motivo, também disseminou a subtração errônea dos dados da pesquisa para concluir que 82,6% das mulheres imunizadas antes do terceiro trimestre perderam os bebês. O mesmo texto foi adaptado para o português por um site de extrema-direita.

Dados limitados

Os autores do estudo coletaram os dados da pesquisa de três fontes diferentes. A primeira foi o V-safe After Vaccination Health Checker, uma ferramenta do CDC dos Estados Unidos pela qual as pessoas vacinadas contra a covid-19 podem informar, via smartphone, se houve efeito colateral após a imunização.

A segunda foi o registro de gravidez V-safe pelo qual podem se inscrever participantes que se autoidentificam como grávidas no momento da vacinação ou até 30 dias depois. A partir desse registro, elas são procuradas para responder a perguntas sobre a gravidez e histórico médico.

A terceira foi o Vaccine Adverse Event Reporting System (VAERS), um sistema nacional de alerta precoce para detectar possíveis problemas de segurança em vacinas licenciadas nos Estados Unidos. O sistema é alimentado por relatórios de eventos adversos encaminhados por qualquer pessoa, incluindo profissionais de saúde e fabricantes de vacinas.

No estudo, os autores destacam que a participação no V-safe é voluntária e as informações de registro não estão uniformemente disponíveis em todos os locais de vacinação. Dessa forma, as comparações das proporções de mulheres vacinadas com estimativas publicadas anteriormente são limitadas por prováveis ​​diferenças entre essas populações, sejam em idade, grupo étnico ou outras características sociais, demográficas e clínicas.

Outra limitação observada é que erros na conclusão de pesquisas de saúde V-safe podem resultar na classificação incorreta das participantes como grávidas, já que os dados são fornecidos pelos próprios participantes. Assim, o conteúdo de reações locais e sistêmicas relatadas à plataforma pode incluir relatórios de pessoas não grávidas.

Os dados do registro são preliminares, de uma pequena amostra e descrevem principalmente os resultados neonatais da vacinação no terceiro trimestre, não sendo possível avaliar os resultados adversos que podem ocorrer em associação com exposições no início da gravidez, como anomalias congênitas, porque nenhuma gestante que foi vacinada nesse período teve partos registrados até a publicação.

Além disso, a proporção de grávidas que relataram aborto espontâneo pode não refletir as verdadeiras proporções pós-vacinação porque as participantes podem ter sido vacinadas após o período de maior risco no primeiro trimestre, e as perdas muito precoces da gravidez podem não ser reconhecidas.

Enquanto algumas gestações com vacinação no primeiro e no início do segundo trimestre foram concluídas, a maioria estava em andamento na época da publicação do artigo, e uma comparação direta dos resultados com base no momento da vacinação é necessária para definir a proporção de abortos espontâneos nesta coorte.

Em relação ao VAERS, os autores explicam que este está sujeito às limitações da vigilância passiva. “Apesar dos requisitos de relatórios obrigatórios dos EUA e das orientações do CDC sobre relatórios VAERS, provavelmente há subnotificação substancial de eventos adversos específicos da gravidez e do recém-nascido”, diz a conclusão do estudo.

O Comprova enviou e-mail ao doutor Tom T. Shimabukuro, do Escritório de Segurança de Imunização, Divisão de Promoção de Qualidade de Saúde do CDC, principal autor do artigo, questionando se os dados publicados seguem atuais, mas não obteve resposta.

O vídeo

O vídeo original foi publicado em 19 de dezembro de 2021 no canal de Valéria Scher, que entrevista o médico, e tem duração de 2 horas, 6 minutos e 28 segundos.

O trecho que circulou no Kwai e em seguida no Youtube e no Twitter, é uma junção de duas partes da entrevista: a primeira de 1 hora, 49 minutos e 21 segundos até 1 hora e 51 minutos e a segunda de 1 hora, 51 minutos e 21 segundos até 1 hora, 51 minutos e 33 segundos.

Os poucos segundos subtraídos entre estes dois trechos trazem apenas a entrevistadora pedindo prints do estudo para veicular junto ao vídeo.

O Comprova entrou em contato com responsáveis pelos perfis que divulgaram o conteúdo, mas não houve retorno até a publicação.

O autor

José Augusto Nasser dos Santos é inscrito no Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro e tem como especialização a neurocirurgia. Publica em redes sociais e em um site que mantém conteúdos antivacina no contexto da pandemia de covid-19.

Ele participou, no último dia 3 (terça-feira), da audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças entre 5 a 11 anos, posicionando-se contrário à medida.

José Augusto Nasser já teve conteúdo removido do Youtube por violar a política sobre informações médicas incorretas da plataforma, informação que ele próprio divulgou em seu perfil no Facebook.

Ao ser procurado pelo Comprova, defendeu a afirmação feita por ele em vídeo alegando que um quadro do estudo foi corrigido e que essa informação é pública, já tendo sido apresentada “por diferentes conferencistas ao redor do mundo”.

Afirmou, ainda, estar sempre apresentando artigos científicos de revistas de impacto junto aos pares no exterior e que suas fontes serão sempre checadas fora do país. “Enquanto houver debate científico eu estou pronto para debater, não fico dando opinião pessoal quando o assunto são dados”, disse.

O Comprova solicitou os prints os quais o médico afirma na entrevista possuir e que comprovariam a afirmação dele, mas esses não foram encaminhados.

Como a vacinação de gestantes foi definida?

Diretor da SBIm, Renato Kfouri explica que a aplicação de vacinas contra a covid-19 em gestantes foi baseada em dois pilares: observação de mulheres vacinadas inadvertidamente (que não sabiam que estavam grávidas) e de gestantes que tinham alto risco de serem contaminadas com a doença, como profissionais de saúde.

Segundo Kfouri, pelo risco da covid-19 e pelo baixo risco teórico das vacinas, essas mulheres se submeteram à vacinação mesmo sem estudos e dados publicados e foram acompanhadas até o nascimento de seus filhos.

O médico afirma que não foram verificados desfechos maternos fetais diferentes dos números já registrados em média na população, ao contrário do argumento enganoso levantado no conteúdo de desinformação aqui verificado. Ou seja, não houve aumento de taxas de malformação, abortamento, parto prematuro, óbito fetal ou de complicações como doença hipertensiva e diabetes gestacional.

De acordo com Kfouri, nos Estados Unidos, onde se concentra a maior parte dos estudos, foi utilizada a vacina Pfizer e a imunização de gestantes foi ampliada para diversos países, como Canadá, nações da Europa e o Brasil. O médico lembra que a vacina AstraZeneca tem raro efeito colateral relacionado à trombose e que houve um único caso registrado no Brasil de uma gestante que recebeu o imunizante e sofreu o fenômeno.

Diante disso, optou-se por não usar vacinas com vetores virais (AstraZeneca e Janssen) em grávidas. “Uma recomendação de precaução, embora não tenha se evidenciado que a gestante tenha esse risco com essa vacina”, disse o médico.

Kfouri afirma que a imunização contra a covid-19 é recomendada em qualquer momento da gestação, assim como a dose de reforço. Mulheres que não estavam grávidas quando receberam a primeira dose devem tomar a segunda ou o reforço mesmo com a nova gestação. “Os dados de vigilância pós-licenciamento continuam mostrando segurança”, afirma. Kfouri ressalta que grávidas fazem parte do grupo de pessoas que têm maior probabilidade de desenvolver formas graves da covid-19.

Quanto à vacinação de crianças, citada brevemente no vídeo aqui verificado, o Ministério da Saúde autorizou nessa quarta-feira (5) a imunização de pessoas de 5 a 11 anos. A medida já havia recebido parecer favorável da Anvisa há 20 dias. Não há exigência de prescrição médica, como foi cogitado inicialmente. Segundo a pasta, a previsão é que a vacinação comece ainda em janeiro e seja feita por faixa etária e de forma decrescente.

A aplicação de vacina contra covid-19 em crianças tem sido alvo de conteúdo de desinformação há meses. Em dezembro de 2021, o Comprova verificou uma publicação enganosa que viralizou ao afirmar que o imunizante tenha provocado o aumento de mortes de meninos. Em outro caso, o projeto também verificou que a proteção oferecida pela vacina supera o risco de miocardite em crianças.

Na época, a Anvisa e especialistas informaram à reportagem que não há indicadores que apontem o crescimento no número de mortes de crianças como consequência da imunização.

Recomendações oficiais

A última edição do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, divulgado pelo Ministério da Saúde em outubro de 2021, recomenda a imunização de todas as gestantes e puérperas com ou sem comorbidades. Além disso, o teste de gravidez não é pré-requisito para a vacinação de mulheres em idade fértil, e que se encontram em algum grupo prioritário.

O documento ressalta que diante de evento adverso grave de acidente vascular cerebral hemorrágico em uma gestante, verificado em maio de 2021, com provável associação causal com a vacina AstraZeneca, optou-se pela interrupção temporária na vacinação desse grupo com este imunizante.

Ainda segundo o plano, pessoas que fazem parte desse grupo e que receberam a primeira dose da AstraZeneca devem ser imunizadas com a Pfizer. “Gestantes que não foram vacinadas poderão ser imunizadas com qualquer vacina de plataforma de vírus inativado, vetor viral ou mRNA, respeitando os intervalos entre as doses recomendados pelo PNI”, informa o documento.

O texto afirma também que a recomendação foi subsidiada por discussões na Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis e Câmara Técnica Assessora em ações integradas a Assistência à Gestante e Puérpera no contexto da pandemia.

Em julho, a Anvisa propôs a restrição de uso de vacinas que utilizam vetor adenoviral (AstraZeneca/Fiocruz e Janssen) em gestantes, em uma medida de precaução por causa de casos raros (pode ocorrer em 0,1% a 0,5% do total de vacinados) de trombose em combinação com trombocitopenia (TTS) associados a estes imunizantes.

Com isso, a recomendação é de que gestantes e puérperas devem ser vacinadas com a Pfizer ou CoronaVac. Mesmo com a restrição, a Anvisa reforçou a relação benefício-risco favorável das vacinas contra covid-19 autorizadas para uso no país. O órgão também destacou que a continuidade da imunização da população é essencial.

A versão mais atual da bula da Pfizer, publicada no site da Anvisa no dia 22 de dezembro de 2021, informa que mulheres que estão grávidas ou amamentando, acreditam que podem estar grávidas ou planejam ter um bebê devem consultar seu médico ou farmacêutico antes de receber a vacina.

Em nota, a Anvisa informou que todas as bulas das vacinas contra covid-19 informam que o uso por mulheres grávidas deve ser orientado por um médico. Segundo a agência, essa é uma orientação comum, especialmente na bula de novas vacinas e medicamentos.

Pfizer

Procurada pelo Comprova, a Pfizer afirmou não serem procedentes as afirmações que circulam em redes sociais e aplicativos de mensagens sobre a aplicação em gestantes da vacina contra a covid-19.

A empresa diz não ter recebido qualquer sinalização de preocupação de segurança para esse grupo pelas agências regulatórias e pelo próprio sistema de farmacovigilância e acrescenta ter distribuído globalmente mais de 2,5 bilhões de doses da vacina para mais de 166 países sem alertas de segurança graves relacionados ao imunizante.

Em relação às gestantes, destaca que a recomendação da vacinação cabe aos principais órgãos oficiais de saúde mundiais e que estes se baseiam nos dados de vida real em diferentes países, os quais mostram o perfil de segurança da vacina mantido para as diferentes populações avaliadas e reforça que os benefícios da vacinação superam os potenciais eventos adversos.

A aplicação da vacina da Pfizer nesse grupo, sustenta, deve ser feita sob orientação médica e as informações sobre a substância, assim como composição e potenciais eventos constam na bula do imunizante.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas e eleições. O vídeo aqui verificado teve 35,1 mil visualizações, 1,8 mil compartilhamentos e quase 3 mil curtidas no Kwai. Compartilhado no Twitter e no YouTube, somou mais 4,8 mil curtidas e quase 30 mil visualizações até 6 de janeiro.

Informações enganosas sobre a pandemia, suas novas cepas e vacinação descredibilizam a eficácia de imunizantes já confirmados por organizações científicas e por isso são perigosos.

Em verificações anteriores, o Comprova mostrou que é enganoso afirmar que houve “muitas mortes” decorrentes da vacina da Pfizer contra a covid-19 e que não há comprovação de que tenha havido aumento de abortos em gestantes após inicio da campanha de vacinação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.