Correio de Carajás

Máscara de mergulho vira arma no socorro a pacientes do Hospital de Campanha de Marabá

Há pouco tempo, na Itália, um grupo de engenheiros desenvolveu uma técnica de tratamento que ganhou destaque nas unidades de referência a pacientes com a covid-19. Chegou a Marabá com a promessa de otimizar o quadro clínico dos internados em estado grave e agora é responsável por uma sucessão de resultados satisfatórios. Os números e os relatos pessoais atestam. O CORREIO foi convidado para uma visita ao Hospital de Campanha a fim de conhecer mais de perto esse recurso. É a primeira vez que um veículo de comunicação percorre as alas de atendimento da casa de saúde instalada no Carajás Centro de Convenções.

O convite partiu da Secretaria Regional de Governo, da Regional da Sespa e da direção do Hospital de Campanha. A ideia era dar à população maior dimensão da luta diária travada pelas equipes médicas para salvar vidas no estágio mais grave do novo coronavírus.

Esta é a máscara de ventilação não invasiva utilizada no hospital

Antes de ingressar na unidade exclusiva para atendimento de pacientes diagnosticados com a covid-19, as equipes de reportagem do Grupo Correio de Comunicação passaram por um protocolo padrão do hospital. As roupas dos profissionais de imprensa presentes precisaram ficar na recepção em sacos plásticos, de modo a evitar contaminação do ambiente externo com o interno. Ao invés disso, trajes especiais na cor verde — com o símbolo do governo do estado — foram oferecidos aos repórteres, fotógrafos e câmeras da equipe, além de máscaras específicas e outros paramentos de proteção. Eles também foram orientados sobre como proceder dentro das instalações da casa de saúde.

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Recentemente, o Hospital de Campanha montado em Marabá passou a utilizar uma máscara de mergulho adaptada a um respirador como forma de tratar pacientes vítimas da covid-19. De acordo com o diretor clínico Juan Miranda, essa foi uma alternativa encontrada pela equipe médica para evitar que os pacientes evoluíssem para a ventilação mecânica. “Nós vimos a necessidade inadiável de adaptar essa máscara [de mergulho] para poder manejar o paciente, de modo que nós não precisássemos invadir, fazendo com que ele melhorasse de uma maneira gradual, sem colocá-lo em ventilação mecânica”, ressalta.

Por enquanto, a unidade de campanha possui apenas uma peça do item responsável pelo aumento na quantidade de pacientes recuperados — foram 272 desde que o espaço foi inaugurado. Ainda conforme Juan, a regressão do quadro clínico do paciente provoca, além de piora na oxigenação e na saturação, desconforto respiratório. “O paciente vítima da covid-19 faz um quadro de saturação muito grande. Ele evolui com um desconforto respiratório muito rapidamente e, assim, precisará ser entubado uma hora ou outra”, explica o diretor clínico. “Então nós decidimos aderir à técnica de ventilação não invasiva, que é feita por meio da máscara, para evitar essa piora médica”, continua ele.

Nessa técnica, abreviada pelos profissionais de saúde do hospital como apenas “VNI” (ventilação não invasiva), todo o trabalho fica a cargo do ventilador mecânico acoplado à máscara. “O paciente passa um tempo com a máscara, onde ele fica sob alguns parâmetros ventilatórios, para que possamos melhorar a saturação e a respiração dele de uma forma geral. O quadro pulmonar”, expõe o médico. “Essa máscara faz a mesma coisa que um ventilador mecânico faria, porém sem a necessidade de entubar o paciente. Ele acaba simulando uma ventilação mecânica, só que não invadindo o paciente”, complementa Miranda.

Diretor clínico expõe que técnica não invasiva ajuda a melhorar quadro dos pacientes

Para se ter uma ideia da eficácia do tratamento, a Reportagem apurou que cerca de 32 pacientes, até a visita, haviam alcançado resultado positivo com a aplicação da técnica não invasiva. “Os resultados nos surpreenderam, porque antes disso eles [os resultados] eram um pouco ruins.   Foi bastante valoroso para a nossa equipe ver o número de altas crescer exponencialmente. Vimos que a resposta dos pacientes ao tratamento foi positiva e esperamos que mais possam melhorar”, deseja o diretor clínico.

Conforme a administração do hospital, todos os pacientes internados em leitos de terapia intensiva estão fazendo o tratamento com a máscara. São 31 pacientes nessa situação atualmente, sendo cinco na chamada “sala vermelha”, de atendimento emergencial do paciente grave. Ela se dedica a pacientes que necessitam de cuidados e vigilância intensivos enquanto aguardam a definição do diagnóstico ou mesmo uma cirurgia de última hora. No Hospital de Campanha, ainda segundo o controle interno, 481 pacientes já foram atendidos e 103 morreram por complicações.

FISIOTERAPIA EM RELEVO

A pandemia colocou em evidência o trabalho desenvolvido por diversos profissionais na área da saúde. Mesmo que antes os atendimentos realizados por eles já fossem fundamentais nas instituições, alguns deles ganharam ainda mais visibilidade por estarem diretamente ligados à recuperação e ao tratamento dos pacientes diagnosticados com a doença. É o caso dos fisioterapeutas, responsáveis por trabalharem nos pacientes a saúde preventiva, por meio da qual são utilizadas táticas de relaxamento muscular, exercícios respiratórios e alongamento corporal.

Para a fisioterapeuta Jozileia Dias, a fisioterapia constitui etapa fundamental para garantir melhora no quadro clínico dos pacientes em grave estado de saúde. “A fisioterapia tem colaborado, em conjunto com a equipe multidisciplinar, para o tratamento dos positivados para covid-19, principalmente em aspectos respiratórios e motores dos pacientes. Os pacientes com este diagnóstico apresentam distúrbios respiratórios e grande parte deles sofrem dificuldades de respirar. Neste caso, o fisioterapeuta é essencial para o tratamento destes problemas”, garante.

Para Jozileia, a máscara é um complemento às atividades desenvolvidas pela ala de atendimento da fisioterapia, garantindo a manutenção do paciente grave. “A fisioterapia é de suma importância no ambiente hospitalar, porque minimiza as chances de intubação. A máscara, por sua vez, tem auxiliado justamente nessa prevenção. Trata-se de uma ventilação não invasiva, porque a intubação já é invasiva. E na ventilação não invasiva, o paciente tem que estar orientado”, esclarece a fisioterapeuta.

Ruth relata resultados satisfatórios com tratamento

Ruth Alencar Sousa também é fisioterapeuta e atua no Hospital de Campanha desde o início do processo. A profissional relata que, para se chegar ao resultado da máscara de ventilação não invasiva, foi necessário combinar uma peça em 3D impressa em Marabá com o equipamento aquático. “A adaptação não foi tão simples quanto parece, por isso temos apenas uma máscara hoje. Nós associamos [o processo] a uma mecânica de [instalar] uma peça em 3D para se acoplar a ventilação mecânica na máscara”, esclarece.

A fisioterapeuta informa que dez pacientes internados em estado grave foram recuperados com a utilização do método não invasivo. Aliás, sobre a máscara de mergulho, por contar com apenas uma unidade do aparelho, o hospital realiza a frequente higienização do equipamento. “Isso tudo para evitar a formação de bactérias, micro-organismos vivos, e a consequente deterioração da máscara de mergulho, que nos é tão cara”, prega Sousa.

LADO HUMANO DA COISA

Na ocasião, a Reportagem conversou com o paciente Rogério Figueiredo Gomes, que exerce o ofício de cobrador em vans/ônibus há muitos anos. Acostumado com viagens, ele confessa que nunca imaginou ser acometido pela proclamada “doença do século”. Em uma das suas andanças Brasil adentro, Rogério, que é natural do Estado da Paraíba, passou por Breu Branco. Ele garante que foi lá onde teve contato com contagiados pelo novo coronavírus. “Tenho 99% de certeza, porque lá eu tive contato tanto com pacientes positivos quanto com aqueles que ainda estavam passando pelo ciclo [de 14 dias]”, alega.

Falando com dificuldade, a equipe do Grupo Correio precisou fazer pausas para que Rogério recuperasse o fôlego e retomasse o pensamento. Perguntado sobre a sua trajetória antes de chegar ao Hospital de Campanha, o paciente relatou ter passado por outras cidades antes de ser regulado para a unidade de referência na região. “Eu fui a um posto de saúde de Goianésia para me consultar. Eu estava ruim. De lá, com o diagnóstico positivo e com a saúde abalada, fui transferido para Rondon [do Pará], onde eu tenho residência fixa há dois anos”, narra ele.

Equipe da TV Correio conversa com Rogério, que venceu fase crítica

O roteiro não para por aí, porque Rondon não possui o mesmo suporte hospitalar de Marabá. Pelo menos é o que indica o governo do estado no balanço das unidades de referência para cada região, disponibilizado no site da Secretaria de Saúde Pública (Sespa). O município possui apenas um hospital e alguns centros de saúde, o que não lhe confere o mesmo status da cidade polo do sul e sudeste. Ele precisou mesmo ser transferido para Marabá, o que não foi difícil, visto que Rogério se enquadrava nos requisitos para regulação e havia vaga.

O cobrador era um dos mais comentados nos corredores do hospital por se revelar uma verdadeira história de superação. Ele fez oito sessões de fisioterapia com a máscara de mergulho e se diz parcialmente recuperado. Rogério considera que o seu pulmão está voltando a trabalhar aos poucos.

Diante da humanidade no atendimento desde que foi admitido no Hospital de Campanha, Rogério narra com sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos que ganhou na unidade de referência uma família. “Aqui no hospital eu tenho uma família fora de casa. Desde o primeiro momento em que eu pisei aqui, fui muito bem tratado. Até hoje eles me tratam como se eu fosse de casa. Eu sou de outro estado”, exprime, emocionado, o paciente. (Da Redação, com TV Correio SBT)