A endometriose é uma doença crônica que, segundo o Ministério da Saúde (MS), afeta uma a cada dez mulheres no Brasil. Ela tem como característica principal o crescimento de células do tecido que reveste o útero, o endométrio, que em vez de serem expulsas durante a menstruação, se movimentam no sentido oposto e se espalham nos ovários, intestino ou em outros órgãos da cavidade abdominal, em que voltam a multiplicar-se e a sangrar.
Chamada de ‘doença da mulher moderna’, porque acomete principalmente mulheres por volta dos 30 anos, que ainda não têm filhos e que trabalham muito, a endometriose é uma condição muito dolorosa, que causa sérias dificuldades na vida da mulher, sendo hoje, a principal causa da infertilidade feminina.
Em Marabá, o CORREIO ouviu duas mulheres que descobriram recentemente a endometriose e que lutam contra a dor. Elas compartilharam suas experiências entre o diagnóstico tardio, a busca por tratamentos eficazes e o medo da infertilidade.
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“Aprendi a viver com a dor”
“Aprendi a viver com a dor”, essas são as palavras de Thaís Matos. Há pouco mais de quatro meses, a farmacêutica de 31 anos recebeu o diagnóstico tardio de endometriose.
Desde a menarca – a primeira menstruação de uma mulher – por volta dos 12 anos, ela relembra que sempre sofreu com dores muito fortes e um fluxo menstrual intenso. E conta que ao procurar ajuda médica teve o falso diagnóstico de ovário policístico.
“Já era de praxe, todo mês eu faltava dois dias na escola por conta das dores e do fluxo da menstruação. Todo mundo já sabia, a diretora já recebia meu atestado de boa. Quando comecei a trabalhar, isso também passou a comprometer meu rendimento. Isso foi a minha vida toda, até aqui. Vivi achando que era normal porque era ovário policístico”, lamenta.
Até ano passado, ela que morava em Imperatriz, no Maranhão, conta que chegou a passar em oito médicos diferentes e nenhum deles descobria ao certo o que estava acontecendo.
“Quando o tema endometriose começou a sair na mídia, citei em algumas consultas que poderia ser, mas os médicos me diziam que não e nunca me pediam nenhum exame específico”.
Em Marabá, Thaís conta que se consultou com a médica ginecologista Suzzy Sampaio no mês de outubro (2024) e finalmente obteve um diagnóstico. “Ela começou a perguntar meus sintomas, passou exames específicos e, então, tivemos o diagnóstico de endometriose. Iniciei meu tratamento de forma medicamentosa, mas o meu caso chega a ser cirúrgico”.
A farmacêutica conta que ao receber o resultado do exame de endometriose, o sentimento de revolta e frustração foi inevitável, afinal de contas, não foi por falta de procura médica.
“Não sei se foi falta de interesse ou de conhecimento. Fiquei me questionando isso. A gente fica revoltada. Eu aprendi a conviver com a dor, foram muitos anos. Agora a dúvida de poder engravidar, ou não, me deixa muito aflita. Hoje o que mais me afeta é a questão psicológica, se poderei engravidar”, admite.
Por conta da possível infertilidade – um dos efeitos da endometriose – Thaís relata que os médicos já conversaram com ela sobre o congelamento de óvulos, que no seu caso é indicado antes da cirurgia que será feita para a retirada das aderências da endometriose em seus órgãos, como intestino, ovário, trompas e apêndice, por conta da delicadeza que essa cirurgia demanda.
Outra indicação médica para o caso de Thaís é a mudança do estilo de vida. “Preciso ter uma alimentação mais saudável, retirar o glúten, lactose e açúcar, tudo para desinflamar o meu corpo. O que me prejudica também é o aumento de peso, por conta de ansiedade e tudo mais, eu teria que perder bastante peso para conseguir desinflamar o corpo e ter um tratamento mais completo”, admite.
Thaís atualmente está fazendo uso de anticoncepcional para bloquear a menstruação e, assim, evitar que o tecido do endométrio se instale ainda mais nas cavidades internas de seu organismo. Hoje, sem cólicas a vida é outra.

“A endometriose não é o fim, pelo menos pra mim”
“Hoje, ao invés de contar histórias de outras pessoas, venho fazer o meu relato pessoal sobre endometriose.
Depois de alguns anos tentando engravidar – sem sucesso – e ouvir de vários médicos que eu não engravidava por causa da ansiedade, decidi sair da minha zona de total desconforto e procurei ajuda de outros médicos.
Após ouvir minhas queixas durante uma consulta inicial, a médica ginecologista já desconfiou de endometriose e logo me passou uma lista de exames de sangue super-detalhados e uma transvaginal com preparo intestinal, opção indicada para casos de endometriose.
E lá fui eu, no auge de um trabalho de assessoria em uma campanha política, entre um intervalo e outro, realizar meus exames de sangue, entre eles um radiológico específico, onde é possível analisar o útero, ovários, trompas, bexiga, paredes pélvicas, reto sigmoide, entre outros.
Esse é um exame demorado demais. Lembro que fiquei mais de 1h30 com a médica mapeando cada milímetro pélvico. E aí veio o diagnóstico: “você está com endometriose profunda. Várias lesões, inclusive no intestino”.
Um silêncio. As lágrimas escorreram de forma incontrolável e a Dra. Cynthia (maravilhosa, por sinal) parou, me deu a mão e tentou me acalmar. Até hoje não consigo descrever a sensação de ter escutado isso. Eu sabia que o meu sonho de engravidar estava mais difícil.
Eu saí de lá no automático, chorando, claro. Não deu tempo de sofrer com o diagnóstico de endometriose profunda e a infertilidade. Apenas chorei. Nesse dia eu chorei muito. Chorei no consultório médico. Chorei no carro. Chorei no escritório pro meu chefe e pra todo mundo ver. Chamei meu marido pra ir ao meu trabalho e chorei. Chorei com meus pais. Chorei em casa.
No dia seguinte, lá estava eu acordada às 6 horas pra acompanhar meu chefe em uma gravação para o horário eleitoral. Não deu tempo de sofrer.
Depois, retornando à minha médica com todos os resultados e ela me explicando tudo sobre a endometriose, comecei a questionar sobre o meu fluxo menstrual intenso e que todos diziam que era normal; sobre o diagnóstico, aos 16 anos de idade, de ovários micropolicísticos; do inchaço fora do normal que eu tinha todos os meses; e das cólicas que me faziam suar frio, mas eu achava que era normal, afinal de contas, cresci ouvindo ‘que as mulheres sofrem com cólicas’. Eu achei que a minha dor era normal.
Hoje, cinco meses após o diagnóstico, estou mais forte. A endometriose não é o fim, pelo menos pra mim. Parei de me questionar e de tentar achar um culpado, e comecei a ir em busca de soluções.
A endometriose é uma doença solitária. Ninguém é capaz de sentir todas as dores que ainda sinto – e nem estou falando da parte física – depois do diagnóstico de infertilidade.
Procurei ajuda médica para tentar engravidar e realizar o meu sonho de ser mãe. Esse continua sendo meu o sonho. Como ele vai acontecer? Não sei, mas nunca perdi a fé.
Quem sabe da próxima vez que eu voltar aqui com uma história contada na primeira pessoa, seja pra falar sobre ‘ser mãe’”.
Entenda a doença que afeta 10% das mulheres em idade fértil
O útero é revestido pelo endométrio, um tipo de tecido que é afetado diretamente pelos hormônios, engrossando sua espessura e sendo expelido do corpo conforme o ciclo menstrual da mulher. O endométrio é o que permite, por exemplo, que o óvulo se instale ali para que possa ser fecundado pelo espermatozoide, gerando uma gravidez.
Quando esse tecido cresce fora do útero, em regiões da cavidade abdominal, como os ovários e a bexiga, a paciente é diagnosticada com endometriose. A paciente pode, inclusive, ter endometriose intestinal, que acontece quando parte do tecido do útero cresce no reto e no intestino grosso.
A endometriose profunda acontece não só quando o tecido do endométrio está presente em outros órgãos, mas também quando ele está fixado de uma forma profunda naquela determinada parte do corpo, chegando a crescer e a se fixar em um determinado órgão a uma profundidade maior do que 5 milímetros.
Por causa disso, a endometriose pode causar danos profundos em pontos como bexiga, reto, ovários e trompas, bem como dores abdominais, cólicas menstruais, TPM intensa, infertilidade, alterações do hábito intestinal, dentre outros problemas de saúde. Essa é uma condição crônica, que dura toda a vida e costuma somente parar de demonstrar seus sintomas depois da menopausa, quando há um declínio nos hormônios que lidam diretamente com o endométrio.
Alguns médicos revelam que dependendo da gravidade dos sintomas, mulheres em idade fértil devem considerar o uso do anticoncepcional como forma de suspender a menstruação e evitar as dores da endometriose. No entanto, é preciso avaliar com cuidado todos os efeitos colaterais causados pelo uso desse tipo de medicação.
Nos casos de endometriose profunda, é recomendado que a mulher passe por procedimentos cirúrgicos que realizam uma raspagem do endométrio que foi parar em órgão diversos, em especial se os sintomas estiverem impedindo a mulher de seguir com suas atividades diárias e causando uma dor e sintomas extremos, além de um comprometimento no órgão afetado pela endometriose profunda.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a endometriose afeta 10% da população global feminina, sendo mais comum do que se imagina e, ainda assim, com um diagnóstico difícil e demorado.
No mês de março é realizada a campanha mundial do Março Amarelo, que tem como objetivo a conscientização da população a respeito da endometriose. Hoje, 13 de março, é o Dia Nacional de Luta contra a Endometriose.

Quatro tipos de tratamento para a endometriose
O Dr. Thiers Soares, ginecologista especialista em endometriose, adenomiose e mioma, explica que os exames de rotina para o diagnóstico precoce são importantes porque possibilitam a intervenção adequada no estágio inicial da doença.
O tratamento adequado permanece essencial para gerenciar a condição, pois não só melhora a qualidade de vida das mulheres, aliviando dores e aumentando as chances de uma gravidez saudável, mas também pode ser realizado tanto clinicamente quanto por meio de intervenções cirúrgicas.
Neste contexto, entender os diferentes tipos de tratamento disponíveis é crucial para oferecer às mulheres afetadas as melhores opções de cuidado. Veja abaixo!
Procedimentos clínicos
Os procedimentos clínicos para tratamento da endometriose funcionam por meio de medicamentos que regulam a produção e a captação hormonal. Conheça os mais comuns:
Analgésicos e anti-inflamatórios: utilizados para proporcionar alívio das dores;
Tratamento hormonal: reduz a velocidade de crescimento do tecido endometriótico e ajuda a melhorar os sintomas.
Procedimentos cirúrgicos
A cirurgia é recomendada quando existe a presença de células endometriais fora do útero, o que pode gerar sérias complicações e comprometer os órgãos afetados. Os tipos mais comuns de procedimentos cirúrgicos são:
Laparoscopia
A laparoscopia é uma cirurgia por via abdominal, minimamente invasiva e menos agressiva em comparação a outras. O procedimento proporciona menos dor e uma recuperação pós-operatória mais rápida, sendo um dos tratamentos cirúrgicos mais indicados no caso da endometriose. Nela, o cirurgião manuseia pinças retas com as mãos, introduz no abdômen da paciente e realiza as ações necessárias, como puxar, cortar, cauterizar e suturar as estruturas da endometriose.
Cirurgia robótica
A cirurgia robótica é um procedimento minimamente invasivo e menos agressivo, que utiliza a tecnologia mais avançada que existe atualmente na área da ginecologia, na qual o cirurgião tem acesso à assistência de um robô.
Por se tratar de um equipamento robótico, este tipo de cirurgia tem mais precisão em locais que geralmente são de difícil acesso. Além disso, ajuda na ergonomia do cirurgião, deixando os movimentos mais precisos e trazendo mais confiança para a paciente. (Beatriz Fernandes)
Atendimentos na rede do SUS crescem 76,2% em três anos
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem registrado um aumento significativo nos atendimentos na atenção primária relacionados ao diagnóstico da endometriose. Em 2022, foram realizados 82.693 atendimentos, número que subiu para 115.765 em 2023. Os dados preliminares de 2024 já atingem a marca de 145.744 atendimentos. Nesses três anos, o crescimento foi de aproximadamente 76,24%, refletindo uma ampliação da demanda nos serviços de saúde.
O tema tem ganhado visibilidade, mas ainda é permeado por estigmas culturais que prejudicam a identificação dos sintomas de forma qualificada e dificultam o entendimento sobre como proceder nos atendimentos e tratamento.
Na avaliação de Renata de Souza Reis, coordenadora-geral de Atenção à Saúde das Mulheres, a atenção primária tem um papel importante no combate ao estigma que naturaliza a dor na experiência menstrual, por meio de ações de educação em saúde, além da correta abordagem clínica. “Esperamos que, com este evento, possamos trazer mais informações para garantir o cuidado adequado e ajudar a reduzir o tempo que essas pessoas levam para receber tratamento”, ressalta.
(Ana Mangas)