Os brasileiros já constituem 30,7% do total dos estrangeiros residentes em Portugal, de acordo com as estatísticas do governo daquele país. As dificuldades para quem dá esse passo são inúmeras, mas também existem as histórias de sucesso na nova vida europeia. Uma delas é a de um marabaense, Anderson Sousa, que já vive entre os portugueses há duas décadas, é chef de cozinha consagrado, dono de restaurante, padaria e de um clube de jazz. No Brasil, para rever a família, ele esteve na Redação do Correio de Carajás e falou sobre a sua trajetória desde os tempos de engraxate aqui na terrinha.
Anderson inicia sua história rememorando com nostalgia os primeiros passos no mundo do trabalho, quando engraxava sapatos, na adolescência, passado que nunca esconde e faz questão de destacar. A narrativa, contudo, ganha nuances peculiares ao entrar no ramo de venda de picolés. Ele descreve, vividamente, os dias em que acordava nas primeiras horas da manhã, enfrentando filas de adolescentes para garantir seu carrinho de picolé, sob a vigilância da avó, a maranhense Raimunda.
“Minha avó sempre dizia que não queria criar “vagabundos”, então incentivava a plantação de cheiro-verde e a venda das colheitas. Essa era a fonte de renda para comprar os carrinhos de picolé e seguir adiante”, relata.
Leia mais:Segundo ele, as lições de responsabilidade e empreendedorismo aprendidas nesse período moldaram seu caráter desde cedo. Essa abordagem única deixou uma marca profunda em sua determinação e sucesso posterior. “Nunca criei o hábito de ficar deitado no sofá. Sou uma pessoa ativa e, atualmente, tenho uma vida ótima, fruto de todas as minhas conquistas”.
BATENDO AS ASAS
Aos 17 anos, já pai, Anderson parte para Goiânia em busca de oportunidades. Lá, o trabalho numa panificadora, lhe garantiu o aprendizado como padeiro e pizzaiolo, onde se profissionalizou. Essa fase marcante de sua vida o expõe a um novo mundo e o desejo de conquistar algo maior o faz considerar uma mudança para os Estados Unidos. No entanto, eventos como o de 11 de setembro mudaram radicalmente seus planos, o direcionando para a Europa.
A chegada de Anderson a Portugal, com a irmã Sandra, em 2001, é marcada por uma determinação inabalável. “Desde Goiânia, criei o hábito de oferecer trabalhos de graça para conquistar oportunidades. Eu oferecia meu serviço e se a pessoa gostasse, ela poderia me contratar no mês seguinte. Era uma espécie de acordo que fiz em Portugal e assim arrumei meu primeiro emprego lá”.
Com apenas 21 anos, começou a vida naquele país lavando pratos, mas o talento culinário não demorou muito a brilhar, pois assim que surgiu a oportunidade de ser pizzaiolo, ele fez da situação a chance perfeita de começar a construir seu nome no cenário gastronômico português.
“Meu chefe da época, Pedro, me demitiu e disse que não poderia me proporcionar o que eu realmente merecia. O que eu não esperava era que ele fosse me indicar para cozinhar para Mozart, ex-jogador do Flamengo”, relata.
RAÍZES
Com o passar do tempo, a experiência de Anderson se expande em Vilamoura, na região do Algarve (litoral português), onde atualmente reside e possui três grandes empreendimentos: o aclamado restaurante Maloca da Tuttapanna, a Padoca Tuttapanna e o clube de jazz Jambalaia.
Antes disso, desafios profissionais surgem e ele decide abrir sua própria sorveteria, buscando se diferenciar com produtos orgânicos e técnicas aprendidas na Itália. Seu restaurante, além de sucesso financeiro, solidifica amizades valiosas.
O chef destaca a importância da adaptação cultural ao chegar em Portugal. Embora tenha havido desafios, a integração bem-sucedida falou mais alto a seu favor. “Naquela época, existia um preconceito muito maior com estrangeiros, principalmente brasileiros, mas acredito que como adentrei o cenário, isso contribuiu para que eu conseguisse me virar bem”.
Lá, conheceu sua esposa Ana, com quem cria seis filhos. Ao todo, é pai de nove. Sua irmã, com quem chegou em Portugal, também formou família com um português. Após quase 20 anos morando fora, ele mantém a tradição de viajar ao Brasil todos os anos, em janeiro, para visitar a avó, hoje com 89 anos.
Anderson está escrevendo sua autobiografia, um livro que vai lançar em janeiro de 2025, e no qual vai contar, não das belezas da sua estabilidade financeira e sucesso empresarial de hoje, mas principalmente da sua história de vida, destacando Marabá, Serra Pelada e a luta de sua mãe, Madalena e avó Raimunda, mulheres que influenciaram a sua vida, além da criação.
REPRESENTATIVIDADE
Anderson construiu uma sólida rede de contatos no cenário gastronômico português, colaborando com chefes locais e estabelecendo parcerias que enriqueceram a oferta culinária de seus restaurantes. Revolucionado, trouxe uma abordagem inovadora para a cozinha portuguesa, incorporando técnicas internacionais e ingredientes autênticos para criar pratos que são um verdadeiro reflexo de sua experiência multicultural.
“É muito claro que o tacacá virou um fenômeno mundial. As pessoas chegam no meu restaurante e, sabendo da minha origem, pedem o prato”, conta. Inspirado pela riqueza da culinária amazônica, ele afirma apresentar uma versão única do tacacá. Adaptada, a comida atende aos paladares europeus, mantendo a essência do sabor amazônico, mas com uma apresentação e combinação de ingredientes mais habitual aos clientes locais.
O pato no tucupi, outro grande clássico da cozinha paraense, também recebe uma interpretação europeia no menu do Maloca da Tuttapanna. Com purê de mandioca e um toque especial, Anderson proporciona uma experiência gastronômica única, equilibrando sabores amazônicos com uma apresentação mais refinada.
A assinatura de Anderson é a criação de pratos de fusão, combinando ingredientes locais com técnicas globais, mantendo o Pará não somente no paladar, mas também no coração.
O chef de cozinha também fala sobre a sua vida no Programa Observadores, da TV Correio (SBT), que vai ao ar neste domingo (21/1), às 9 horas da manhã.
(Thays Araujo)