Folha de S. Paulo, O Globo, Estadão, Quatro Cinco Um, UOL, Correio da Manhã, Agência Brasil, Correio Braziliense e Jornal do Commércio. Todos esses grandes veículos de comunicação do País publicaram, nos últimos oito meses, reportagens ou entrevistas sobre a obra do marabaense Airton Souza “Outono de Carne Estranha” lançada em outubro do ano passado, depois de vencer o badalado Prêmio Sesc de Literatura.
Em menos de um ano, o livro chega à quarta edição pela Editora Record e os convites para participar de eventos literários em várias partes do País não param de chegar.
Mas quem não conhece Airton Souza, pode achar que seu trabalho literário começou “ontem”. Não foi. É fruto de amadurecimento na produção de quase 50 obras – poesia e prosa – graduação em Letras, mestrado e doutorado em literatura.
Leia mais:Corajoso, explícito, contundente, sem rodeios ou disfarces, “Outono de Carne Estranha” abre espaço para o surpreendente: a relação amorosa entre Manel e Zuza, dois personagens sujeitos à infernal vida do garimpo de Serra Pelada, reféns do autoritarismo, da exploração e da violência reinantes no lugar. Zuza, especialmente, pagará um preço alto por ser quem é, como era de se esperar.
Salta aos olhos o contraste entre a paixão que atrai um ao outro e a aridez do seu entorno, hostil a afetos que atenuem a brutalidade. Se alguma das regras impostas pelo tal ‘Marechal’ é violada, a punição é a tortura.
Na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Ulisses Pompeu após ser anunciado que “Outono de Carne Estranha” é semifinalista do Prêmio “Oceanos”, um dos mais importantes da Língua Portuguesa, Airton Souza diz que ainda está digerindo o fato de representar tão bem Marabá no cenário literário nacional. Leia a íntegra da conversa:
Correio de Carajás – Você é um dos semifinalistas do ‘Prêmio Oceanos’. Nós vimos que ele é grande, teve mais de 1.600 obras inscritas e, na fase atual, semifinal, são 30 e prosa. O que esse prêmio significa para os autores?
Airton Souza – O ‘Prêmio Oceanos’, hoje, dentro do cenário da literatura produzida em língua portuguesa, é um dos mais importantes. Ele só está atrás do ‘Prêmio Camões’ (de Portugal). O diferencial é que o vencedor do Prêmio Oceanos é escolhido através de uma comissão, então há uma concorrência entre diversos autores que falam a língua portuguesa (Brasil, Portugal e alguns países do continente africano) e são de diversos lugares, por isso, também, que ele é respeitadíssimo no cenário. Todos esses escritores almejam chegar nesse lugar, porque sabem que para nós, o Prêmio Oceanos é uma grande referência contemporânea de literatura.
Correio de Carajás – Isso também tem uma representativa bem forte para o teu trabalho?
Airton – Hoje, nós estamos muito felizes de termos chegado nesse lugar. Se você olhar, por exemplo, os nomes dos semifinalistas, há autores que são consagrados, como Mia Couto, e você vai concorrer com ele. São nomes que, no cenário da literatura, são muito conhecidos e respeitados e isso significa muito pra gente, os olhares se voltam para esse lugar também, como produção artística. Nós vamos rompendo com aquele discurso que foi construído sobre o nosso (Norte) lugar, de ser marginal, violento, pessoas hostis, desumanas. Vamos mostrando que aqui se tem outra visão de mundo e de produção intelectual.
Correio de Carajás – Ano passado você foi o grande vencedor do Prêmio Sesc de Literatura. Já faz um ano desse lançamento?
Airton – Tem 1 ano e 6 meses, mais ou menos, que eu recebi a notícia. Mas a publicação do livro e a premiação aconteceram em novembro. Então são praticamente 8 meses do processo mais prático, que é a publicação do livro, a circulação dele e a entrega do prêmio, que aconteceu no Rio de Janeiro na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em novembro.
Correio de Carajás – Quais os impactos positivos que o livro causou para você em menos de um ano?
Airton – É difícil mensurar esse impacto por conta de um trabalho que vem sendo feito já há quase 25 anos, dedicados à literatura, à leitura e à escrita, sobretudo. Mas eu confesso que o livro rompeu certa desconfiança que se tem dos autores nortistas e nordestinos – sobretudo dos escritores e escritoras do Norte –, porque há sempre uma desconfiança por parte das outras regiões.
Então o romance, além de trazer como pano de fundo narrativas desse Brasil relegado e esquecido, tem um trabalho estético, literário, de construção, que vai mostrar todo o valor dessa narrativa. Por isso o impacto dele é muito grande.
Correio de Carajás – Sobre a visibilidade da obra, ter ganho o Prêmio Sesc te abriu muitas portas?
Airton – Sim, foram abertas muitas oportunidades, inclusive para participar de feiras literárias, circular pelo Brasil, não só através do Circuito do Sesc, mas também outros convites que surgiram para além dele, vamos dizer assim. Por exemplo, no mês de setembro eu vou estar no Paraná, participando da Feira Internacional de Maringá (Flim). Lá eu vou estar em uma mesa com Jeferson Tenório (autor de ‘O avesso da pele’). Já estive em São Paulo, participando de um encontro na Livraria Rio, também junto com o Jeferson. O livro, a narrativa em si, abriu muitas portas e, provavelmente, se não fosse o Prêmio Sesc, essas oportunidades não estariam surgindo.
Correio de Carajás – Você se destaca há alguns anos como escritor de poesias, como é a experiência de escrever um romance?
Airton – Eu sempre tive vontade de escrever um romance, por entender que ali tem um grande desafio, que é escrever uma narrativa, o que normalmente não se tem na poesia, apesar de alguns poetas discordarem comigo. Mas construir uma narrativa, um romance, é muito esforço. Ainda que produzir um poema também dê trabalho. Mas além da poesia, nesses últimos anos eu tenho me dedicado muito à prosa, virou uma espécie de paixão. Estou empenhado em aprender os mecanismos desse gênero. Inclusive, estou escrevendo um outro romance também e (mesmo com a experiência) é sempre um grande desafio.
Correio de Carajás – O sucesso do livro vai te fazer focar mais na prosa do que na poesia ou você vai manter a mesma medida? Como você vê esse padrão daqui para a frente?
Airton – É difícil responder uma pergunta como essa porque, de todo modo, a construção dessa prosa está muito ligada à poesia. Então, se eu não tivesse feito o percurso que eu fiz com a poesia, não teria conseguido escrever uma prosa tão contundente e poética como a dos dois romances que eu já fiz. Acho que isso é um diferencial também, porque não é uma narrativa propriamente áspera, seca – apesar das histórias serem muito duras –, mas você tem uma mescla com o fazer poético. Então, apesar de a prosa ser diferente, não dá para dizer que é um desligamento ou um afastamento da poesia, sobretudo em ‘Outono de carne estranha’, nele fica muito evidente esse trabalho lírico. E o que me ensinou a lidar com essa linguagem foi o meu longo trabalho com a poesia.
Correio de Carajás – O livro tem menos de um ano de lançado e já está na quarta edição, isso te surpreendeu e a todo mundo?
Airton – Em relação ao cenário da literatura brasileira é uma conquista muito grande ver um livro, em menos de um ano, chegar numa quarta edição, ter tantas tiragens, chegar nas mãos de muitas pessoas. Sobretudo vindo da região de onde vem o autor, com uma história que se passa na região sudeste do Pará.
Correio de Carajás – Da primeira à quarta edição, precisou fazer algum ajuste ou mudar alguma coisa?
Airton – Por enquanto não, mas há essa possibilidade. O contrato da primeira edição está vigente, ele é de um ano e ainda não tem nenhum ajuste. Mas a intenção é que a gente faça algumas adaptações sim, o que for preciso para alguma próxima edição. Na verdade, eu tinha vontade de mudar a capa, talvez para uma outra fotografia. Mas reconheço que o livro tem chegado a lugares da forma que ele está e é preciso respeitar isso também, o alcance que ele tem da maneira que foi escrito.
Correio de Carajás – E nesse contexto, de retratar a realidade de uma população marginalizada no interior da Amazônia, quais os impactos sociais de ‘Outono de carne estranha’?
Airton – A maioria dos leitores deste livro está em regiões para além da Amazônia, creio eu, então esses detalhes vão movimentando o interesse pela leitura (do livro), de uma forma quase inexplicável. E isso impulsiona a sensibilidade e a curiosidade deles (leitores) pelas histórias que se passam no sudeste do Pará, em Marabá basicamente. Mas eu espero que esse livro alcance mais pessoas, por causa do que ele significa dentro da história do Brasil, das narrativas de marginalização, subalternização, de violência sobretudo, é para isso que ele foi escrito.
Para chamar a atenção sobre esses modos de agressão, para que a gente reflita sobre elas e tente, pelo menos, diminuir o número dessas ações brutais. Esse cenário atinge muitas pessoas que foram marginalizadas no Brasil, sobretudo os homossexuais. São muitos assassinatos, muitas atrocidades e o livro vem na tentativa de pelo menos chamar a atenção para essas coisas, que seguem acontecendo.
Correio de Carajás – A história do livro se passa em Serra Pelada. Você já levou a obra até lá?
Airton – Sim, levei. Eu fiz uma visita informal à Serra Pelada, sem nenhum tipo de convite ou de relação. Fui justamente para levar o livro e mostrar um pouco do cenário da Serra para as pessoas de fora, que não conhecem, que têm curiosidade. No meu Instagram eu publiquei vídeos mostrando como a cava e uma parte do garimpo estão hoje. Mas eu tenho muita vontade de um dia ir como um autor mesmo, mostrar o livro para os garimpeiros que estão lá, mas ainda não consegui fazer isso de modo institucional.
Correio de Carajás – A Editora Record já te procurou para firmar contrato para uma nova obra?
Airton – Nós mantemos um diálogo, há um interesse da editora e meu. Sempre tive esse lugar como algo a ser alcançado de chegar a uma grande editora e isso não foi fácil, entrar nesse mercado. Eu me desafiei a tentar me manter nele, por isso que também eu provoquei a editora, nesse sentido de seguir com essa parceria. E desejo que a gente continue com essa colaboração, para outros livros, outros romances. Então sim, há esse grande interesse em publicação de livros que ainda estão por vir.
(Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)