Correio de Carajás

Marabá: rica em história e carente em bibliotecas

Espaços públicos de leitura e de acesso às obras têm sumido nos últimos anos

Bibliotecas públicas são espaços fundamentais para o empoderamento de governos e cidadãos/ Foto: Reprodução FCCM

Em 1992 o decreto federal nº 520 criou o Sistema Nacional de Biblioteca Públicas (SNBP). Mas foi 12 anos antes, em 9 de abril de 1980, que outro decreto instituiu a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca. Desde então, o dia 9 de abril é lembrado como o Dia Nacional da Biblioteca. Definida tradicionalmente e resumidamente como local em que são guardados livros, a biblioteca também é um espaço de informação.

Em Marabá, quando se fala no assunto, cinco locais vêm à mente: a Biblioteca Municipal Orlando Lima Lobo, a Biblioteca Aziz Nacib Ab’Saber (Fundação Casa da Cultura), as bibliotecas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e a Biblioteca Comunitária Hozana Lopes de Abreu.

Em 2010, a lei federal nº 12.244, conhecida como “Lei de universalização das bibliotecas” deu um prazo de 10 anos para que instituições de ensino público e privado de todo o país se adequassem a sua regulamentação.

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Com um texto curto, composto por apenas quatro artigos, a ela versa que todas essas instituições devem conter bibliotecas em seus espaços. O texto também define biblioteca escolar como sendo a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte, destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.

A lei torna obrigatório que em seu acervo, cada biblioteca tenha no mínimo um título para cada aluno matriculado e também que seja respeitada a profissão de bibliotecário.

Passados quase 14 anos dessa lei, Marabá pouco avançou no que diz respeito aos seus termos. As escolas públicas marabaenses, em sua maioria, não dispõe de bibliotecas, mas de salas de leituras.

Neste caso, é comum que haja uma confusão entre as pessoas no que diz respeito à definição de cada um desses ambientes.

Em 2019, Telma de Carvalho, então professora-doutora do curso de Biblioteconomia e Documentação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e presidente da Associação Profissional dos Bibliotecários e Documentaristas de Sergipe, enfatizou a diferença entre os dois espaços.

“A sala de leitura é uma salinha que não há necessidade mesmo de ter um bibliotecário, mas se tem um número pequeno de obras para os alunos fazerem alguma atividade, o professor faz uma leitura. Isso é uma coisa. Agora, a biblioteca tem que ter um exemplar para cada aluno, uma estrutura, equipamento, pessoal capacitado, atividades que são realizadas enquanto serviços”.

ESPAÇO TRANSFORMADOR

Samantha Andrade Araújo, de 37 anos, é formada em biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e bibliotecária na Fundação Casa da Cultura. Para a profissional, a biblioteca é um espaço para transformação social.

Em conversa com a reportagem do CORREIO, ela relembra histórias de alunos da instituição e também do público externo, que utilizam a biblioteca como fonte de pesquisa e também lazer.

Samantha vê as bibliotecas como ambientes de transformação social/ Foto: Evangelista Rocha

Pessoas que vão até lá para estudar para uma prova de escola, vestibular ou concurso público e que quando alcançam seus objetivos, retornam ao local para agradecer.

“Às vezes vem pessoas aqui que mal têm um chinelo, mas que têm vontade de ler e aprender. Aqui é um espaço transformador e às vezes as pessoas precisam só de uma oportunidade”.

A bibliotecária reflete que há, ainda, uma situação de vulnerabilidade social em parte da população.

Um estudo do SNBP realizado em 2022 e nomeado como “Estudo do valor social das bibliotecas públicas no Brasil”, descreve esse ambiente como fundamental no contexto do empoderamento de governos e cidadãos. Como sugere Samantha, as bibliotecas são agentes de transformação social, mas elas também são motores de mudança política.

E para a especialista, faltam bibliotecas nas escolas do município.

“Muitas das vezes as escolas não têm biblioteca, elas têm espaço de leitura. Esses locais às vezes eram uma sala de aula e não são muito organizados. Então, geralmente, é um arquivo, aí lá dentro é empoeirado. A criança ou o indivíduo vai chegar, ela vai falar que não dá nem vontade de entrar”, elabora a bibliotecária.

É dentro das instituições de ensino que as jovens mentes tendem a ter a maior parte da formação de seu pensamento crítico, onde aprendem a argumentar e expor suas ideias e desenvolvem inúmeras outras competências essenciais para suas vivências como seres sociais.

Por isso (mas não apenas) a importância de existirem bibliotecas ocupando esses espaços.

DIGITAL X FÍSICO

Obras que antes ficavam restritas às prateleiras das bibliotecas atualmente são facilmente (às vezes nem tanto) encontradas no ambiente digital, sendo elas de domínio público ou não.

Basta uma pesquisa rápida no Google e o leitor é direcionado para um site ou plataforma que hospeda o livro que ele deseja. Artigos científicos, estudos e pesquisas também são localizados na rede mundial de computadores, um fator que, com a popularização da internet, ajuda a retirar o público das bibliotecas.

Mas Samantha Andrade acredita que o livro físico jamais será substituído. Ainda que seja fácil encontrar obras na internet – e muitas instituições públicas de ensino possuem bibliotecas virtuais – a bibliotecária afirma que nem tudo está on-line.

Ela explica que muitas crianças procuram a biblioteca da Casa da Cultura para fazer pesquisas, principalmente sobre a história de Marabá. E o desejo não é fazer uma busca on-line, mas folhear as páginas que contam essa história.

“Eu vejo as tecnologias de formação como aliadas da biblioteca e do bibliotecário. Então é saber conduzir e trabalhar para que ambos (físico e digital) possam ajudar o usuário”.

A biblioteca da Fundação Casa da Cultura conta com mais de 5 mil obras em seu acervo/ Foto: Evangelista Rocha

O estudo da SNBP analisa que há um tempo atrás as bibliotecas públicas ofereciam principalmente acesso a informações impressas e também eram um ponto de encontro social. Em anos antes da popularização da internet, diariamente diversos estudantes se reuniam nesses espaços para fazer seus trabalhos escolares em grupo.

Na era digital, o papel e o valor dessas instituições ganham uma nova roupagem, uma vez que elas também prestam serviços relacionados ao ambiente on-line. Muitas delas possuem computadores cuja finalidade é para estudo e pesquisas.

A figura do bibliotecário, versado em inúmeras habilidades, é quem guia os mais leigos por esse universo. Parte das vezes aliando as informações obtidas, ou que não foram encontradas, em livros físicos com as buscadas no virtual.

Na biblioteca de Samantha, que conta com um acervo de 5.100 obras, além da caça pela história da cidade, o público que vai até lá está interessado principalmente por obras de literatura de ficção.

Livros que contem histórias fantásticas, de jovens bruxos ou guerreiros, de crianças e adultos, que se aventuram em universos inimagináveis.

Para aquelas pessoas que muitas vezes vivem em lares que sobrevivem com pouca (ou quase nenhuma) renda, muitas vezes sem um amplo acesso à internet, espaços públicos como as bibliotecas se tornam um irresistível oásis de conhecimento.

Em um mundo onde o ambiente on-line ocupa cada vez mais espaço, as bibliotecas unem o analógico ao digital/Foto: Reprodução FCCM

LIVRARIAS EM FALTA

Há mais de dez anos, Marabá possuía duas importantes referências para compra de livros: a livraria Nobel, que estava localizada no Shopping Verdes Mares, no Núcleo Nova Marabá e o rico estoque da loja Big Ben (também na Nova Marabá). Eram esses os principais pontos de venda de livros para os leitores marabaenses.

Anos após o fechamento dos dois estabelecimentos na cidade, nenhum outro, até agora, foi capaz de ocupar esse patamar de destaque.

Atualmente Marabá possui uma livraria de gêneros diversos, a Public no Partage Shopping e algumas cristãs, como a CPAD, Superbom e Rainha dos Corações. Uma ou outra papelaria marabaense revende alguns livros, como a Vanelli Magazine, mas não são especificamente livrarias.

Assim como acontece com as bibliotecas, a era digital cativou para si uma parte considerável dos consumidores literários. Hoje em dia, rapidamente é possível comprar um livro e recebê-lo alguns dias depois em sua casa. Ou adquirir uma obra digital e tê-la disponível instantaneamente em um “e-reader” (leitor digital).

É na falta de livrarias físicas que a presença das bibliotecas se sobressai. Como a Orlando Lima Lobo.

BIBLIOTECA MUNICIPAL

Inaugurada em 2008, em um prédio que data da década de 1930, a Biblioteca Municipal Orlando Lobo conta com um acervo de mais de 10 mil títulos literários e uma vasta programação cultural em sua agenda.

Lançamentos de livros, saraus, rodas de conversa, cursos, palestras, contação de histórias, são algumas das atividades desenvolvidas no espaço. Além de, é claro, ser também um recanto para leitores e estudiosos.

Localizada na Marabá Pioneira, a biblioteca é como um front de resistência da cultura como ferramenta de metamorfose social no município.

É lá, ou através de lá, que muitos artistas, escritores e contadores de histórias se expressam e perpetuam suas ideias e pensamentos através de suas obras e apresentações.

SOBRE A BIBLIOTECÁRIA

Samanta Andrade Araújo é belenense, radicada em Marabá desde 2018, se formou em biblioteconomia em 2012 e desde então tem desbravado este universo que vai além de ser apenas a “tia da biblioteca”.

Por conta da profissão ela já foi professora, trabalhou com fichas catalográficas de livros, com arquivologia e esmiúça diariamente as dores e delícias de ser bibliotecária na Fundação Casa da Cultura.

(Luciana Araújo)