Correio de Carajás

Marabá: Morte de venezuelana expõe situação precária

Na manhã desta quarta-feira, 26, uma equipe do programa Mais Médicos levou atendimento a cerca de 40 indígenas venezuelanos da etnia Warao que vivem em Marabá. A assistência chegou um dia depois da morte da indígena Tereza Palácio. Ela vinha sofrendo com uma úlcera havia semanas e acabou morrendo na madrugada de terça-feira, 25, depois de ter contraído covid-19 no Hospital Municipal de Marabá.

O sepultamento da indígena, que ocorreu no Cemitério da Saudade, foi marcado por desespero e revolta por parte dos familiares que moravam com a idosa em seis quitinetes na Folha 33 (Nova Marabá). Ao todo, cerca 40 indígenas moram no local. Muitos deles passam o dia pedindo esmolas nos semáforos da cidade.

De acordo com a Irmã Zélia, do Conselho indigenista Missionário (CIMI), que acompanha a situação, os indígenas vinham apresentando problemas de saúde e o quadro clínico de Tereza Palácio piorou, sendo necessário recorrer ao Ministério Público Federal (MPF).

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Tereza apresentava uma úlcera que se alastrou por um dos tornozelos. O CIMI informou ao MPF que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, foi procurada para tratar desse caso, e que o órgão informou não atender indígenas da etnia Warao.

“Nós recorremos ao Ministério Público Federal, aí o poder público foi acionado, para assistência médica e acompanhamento a essa senhora, mas não foi o suficiente”, relata Irmã Zélia, acrescentando que na última sexta-feira a indígena passou mal e foi levada ao hospital pelos próprios filhos. Mas de lá ela não saiu mais com vida.

A reportagem conversou com Luiz Moya Palácio, filho de Tereza. Ele lamenta o atendimento médico chegar tardiamente ao seu povo. “Quando minha mãe estava viva, nós estávamos necessitando de um médico que chegasse aqui antes. Nunca veio. E agora minha mãe morreu e está chegando médico. Depois, somente depois da morte está chegando”, comentou.

Ainda segundo ele, a ideia dos Warao é permanecer mais tempo em Marabá. Eles até tinham pensado em sair da cidade, mas agora decidiram ficar por mais tempo. Luiz disse que para a Venezuela eles não voltam mais porque o País “se quebrou” e lá eles não têm o que comer.

OAB DE OLHO

Como representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Marabá, o advogado Adebral Favacho Júnior fez muitas críticas ao poder público em relação ao tratamento dado aos indígenas Warao que estão no município, especialmente à prefeitura.

“Já requeremos junto a Secretaria (de Assistência Social e Assuntos Comunitários – Seaspac), o aluguel social, um abrigo, um acolhimento, para essas famílias e até hoje não foi dado, bem como eles não foram acompanhados para a questão da legalização no Brasil. A OAB está acompanhando um e outro lá junto à Polícia Federal para conseguir o protocolo deles aqui e assim possam ter acesso a alguns benefícios”, declarou.

AUXÍLIO ESTÁ ACONTECENDO

A titular da Seaspac, Nadjalúcia Oliveira, exibiu documentos que mostram que a secretaria tem atuado no apoio aos indígenas venezuelanos desde o ano de 2017, quando eles chegaram a Marabá. A secretária explicou que, atualmente, os venezuelanos não estão em um abrigo porque não aceitam as normas de horários dos espaços de acolhimento.

Aliás, essa dificuldade em se adequar às normas locais tem sido o maior problema. Nadjalúcia observa que eles não têm o costume de realizar trabalho formal, preferindo a mendicância nos semáforos da cidade, ou a venda de artesanatos. Ela entende que isso é uma questão cultural que precisa ser respeitada, mas ao mesmo tempo existe a necessidade de uma adequação.

Por outro lado, a Seaspac informou que está sendo montado um comitê com representantes do governo do Estado e do governo federal para que cada esfera de governo, dentro da sua competência, desenvolva ações articuladas a fim de auxiliar os Warao.

Quem são

Os Warao são indígenas refugiados e migrantes de origem venezuelana. Em Marabá, eles estão há um ano, mas os primeiros registros da chegada desse povo ao Brasil são de 2014, segundo informação da agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados.

No município, eles sobrevivem com o apoio de doações financeiras, de voluntários que formaram uma rede de atendimento, que inclusive informou o CIMI sobre a situação dos Warao. De acordo com a estimativa mais recentemente publicada, de junho deste ano, no Pará vivem cerca de 1 mil indígenas Warao. Em Marabá são cerca de 40.

Segundo a agência da ONU, os Warao enfrentam um cenário de risco muito alto. Um dos indicadores mais preocupantes é a alta taxa de mortalidade desse grupo no Brasil devido, em grande parte, a doenças como pneumonia, tuberculose, covid-19 e sarampo. Desde 2017 foram identificadas 80 mortes de indígenas Warao, das quais 40% ocorreram no Pará. (Chagas Filho com informações do MPF)