As mais de 1800 famílias que vivem no Bairro Nova Vitória, que faz parte da região da Palmares I, em Parauapebas, correm risco de despejo após uma ação judicial movida contra a Associação de Moradores, que teve como sentença a reintegração de posse favorável à Associação Pró-Moradia Popular de Parauapebas (APPP). Pouco mais de um ano após a decisão, expedida pela 2ª Vara Cível e Empresarial da Comarca, uma audiência foi marcada para a próxima segunda-feira (3), onde o magistrado buscará por uma solução amistosa para o problema.
Em 2012, a região, que é de posse do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), foi ocupada pela Associação de Moradores do “Movimento de Luta pela Moradia”. A ocupação ocorreu porque a APPP, que comprou o espaço, começou a lotear e vender os assentamentos comprados. No mesmo ano, a APPP entrou com uma ação judicial contra o movimento.
A comunidade procurou por advogados há cerca de quatro anos e estes apresentaram a defesa à juíza Eline Salgado Vieira, responsável pelo caso. Ela não apreciou os argumentos da defesa e deu ganho de causa à APPP em sentença expedida no dia 21 de setembro de 2021. Além disso, os advogados perderam o prazo para interpor recurso, de forma que a decisão de reintegração de posse foi mantida.
Leia mais:Um ofício foi enviado à Polícia Militar no dia 13 de dezembro daquele mesmo ano, ordenando às forças de segurança que aplicassem a sentença. A força policial realizou um levantamento da área antes de executar a decisão, e o relatório demonstrou que o efetivo policial do Município não seria suficiente para a aplicação da sentença, sendo necessário o suporte de 500 policiais de Belém.
No entanto, a resposta recebida da capital foi que retirar esse número de policiais de lá não seria possível, tendo em vista que o contingente de segurança ficaria desfalcado. A juíza recebeu a resposta do comando da PM e aplicou uma multa diária de R$ 500,00 ao comandante, caso ele não cumprisse a desapropriação.
Nesse momento, o advogado Antonio Araújo foi chamado pela Associação de Moradores para atuar no caso. Ele foi a Marabá verificar, com o INCRA, a transferência da área, que é da União, para a Prefeitura – ação que está em processo final. No entanto, devido ao fato de não ter havido interposição de recurso no momento que a juíza deu a sentença, a defesa tem encontrado dificuldades para lidar com o caso.
Depois de dez anos do início do processo foi marcada uma audiência, que será realizada na próxima segunda-feira, e reunirá os representantes da comunidade e os advogados da APPP, além da Prefeitura – parte interessada – onde serão oferecidas propostas que serão avaliadas pela juíza.
Antonio afirmou, em entrevista exclusiva à equipe de reportagem do CORREIO, que a comunidade sente medo de ter sua casa derrubada a qualquer momento e ser retirada de lá e diz ter sido um alívio para eles quando a polícia fez o relatório e disse que não tinha condições de executar a ordem de despejo.
Apesar disso, a APPP insiste em querer a área de volta. A primeira proposta é que se desocupe e entregue a área a eles, a não ser que – segundo o que se sabe – a Prefeitura ofereça uma proposta financeira à altura para que os proprietários se vejam satisfeitos e abram mão da reintegração de posse.
Segundo o levantamento realizado pela Polícia Militar e que consta nos autos do processo, moram em torno de 1.800 famílias no Nova Vitória. Boa parte das ruas já está pavimentada e existe um sistema de saneamento básico, além da distribuição de energia e água. A comunidade está bem estabelecida.
Devido à demora de dez anos para encontrar uma solução, explica o advogado, a região se desenvolveu de forma que, hoje me dia, o princípio à vida e à moradia se sobrepõe ao direito à propriedade privada. De acordo com a defesa, deve prevalecer o interesse público, coletivo e social das famílias que estabeleceram suas vidas naquele local em detrimento do interesse da APPP.
OUTRO LADO
A defesa da APPP foi procurada pelo CORREIO e teve a oportunidade de falar sobre o caso. De acordo com o advogado Abraunienes Faustino de Sousa, a Associação adquiriu, de boa-fé, os lotes na Palmares I. A intenção era beneficiar as pessoas de baixa renda, vendendo os lotes a um baixo valor.
Feita toda a topografia e iniciada a venda, um grupo – que ainda não tinha uma associação na época, afirma – invadiu o local e tomou para si a área. A APPP, através de seu presidente, procurou pelo advogado pedindo auxílio para remover as pessoas do local. O processo seguiu e deu ganho de causa à Associação, decisão que o advogado considera “corretíssima”. O advogado chegou a afirmar que os “esbulhadores” criaram um movimento e se fazem de vítima.
Em relação ao relatório produzido pela Polícia Militar, o advogado considera que foi mal elaborado, de forma que está sendo impugnado para a produção de um novo estudo. O relatório do comandante teve falhas e não foi bem apresentado aos olhos da defesa, que aguarda uma posição do magistrado para que “seja feito um estudo mais coerente e mais correto” para “requerer a área de quem realmente é de direito”.
A DEFESA
Anaira Oliveira dos Santos, advogada da Associação da Nova Vitória, também foi procurada pelo CORREIO e falou sobre a não interposição de recurso à sentença do magistrado. De acordo com a advogada, a sentença foi favorável à APPP, ainda que a defesa tenha impugnado as declarações que considerava ilegal, mas os pedidos não foram apreciados pela juíza.
A Prefeitura de Parauapebas já tem um processo administrativo em andamento desde 2010, onde requereu a doação da área junto ao INCRA, de forma que a região não é de posse da APPP, mas da União (até que seja finalizado o processo de doação ao Município). Durante a audiência que será realizada na segunda-feira, ela pretende pautar esse tema e pedir à juíza que suspenda a decisão até que o processo administrativo seja finalizado.
OS MORADORES
José Carlos Motelo Siqueira, de 40 anos, natural de Tucuruí, veio a Parauapebas há 11 anos em busca de oportunidades de vida. Depois de passar dificuldades, conseguiu um pequeno espaço de 3m², sem portas ou janelas, para morar com a família, no local que hoje é conhecido como Bairro Nova Vitória.
Ele relata ter trabalhado muito duro para conseguir garantir o pão na mesa da família. Era diário o percurso de 20 quilômetros, que fazia de bicicleta, para chegar ao seu trabalho em uma construtora. José viu o bairro crescer; conviveu com a falta de água e energia, mas hoje tudo que quer é tranquilidade – ver que todo o seu trabalho não foi em vão.
Daniele Santos, que vive no local há aproximadamente cinco anos, mora na residência que foi adquirida pela mãe, que comprou um lote logo após a invasão. O motivo disso, explica, é por não ter condições de comprar um terreno em qualquer outro local. Ela afirma que os moradores não têm intenção alguma de prejudicar alguém.
Quando ficaram sabendo do processo que corria na justiça, já havia sido dada a sentença desfavorável à comunidade, afirma. Desde então, ninguém dorme direito com o medo de ser despejado no outro dia. Daniele também declarou que, caso haja um despejo, não há nenhuma medida do Governo Federal, Estadual ou Municipal para acolher pessoas sem moradia – como foi o “Minha casa, minha vida”.
Por fim, diz que a invasão aconteceu não como uma ação contra a APPP em si, mas por tratar-se de uma área que pertence à União e que deve servir ao interesse público, nesse caso, a morada. (Clein Ferreira – com colaboração de Ronaldo Modesto)