Em uma casa localizada no subúrbio marabaense, esconde-se uma jovem com uma triste história de violência doméstica – na reportagem ela será chamada de Carolina, para preservar sua identidade verdadeira. Em seu segundo relacionamento, ela viveu um pesadelo marcado por perseguições, ameaças e chantagens emocionais que a levou a denunciar seu companheiro para garantir a sua segurança e a de sua filha.
Carolina conheceu Roberto – nome fictício que usaremos para o agressor – em 2016 e iniciaram um namoro. “No começo era uma maravilha, ele ficava mais na casa dele e vinha me ver na minha casa, depois tivemos nossa filha, mas, sempre havia um problema: ele queria estar comigo e se relacionando com outras mulheres ao mesmo tempo”, conta Carolina.
Não contente com a situação, já que ela queria constituir uma família, Carolina decidiu terminar o namoro e foi quando tudo mudou. “Ele disse que não existe esse negócio de ‘não te quero mais’, porque ele que decidia quando iria acabar. Depois, mais seriamente, eu terminei com ele, mas mesmo assim ele insistia em ir à minha casa, usar minha filha como desculpa para me ver, chegava até a arrombar a porta”, relata.
Leia mais:A jovem ameaçou chamar a polícia, mas Roberto intimidava alegando não ter medo. Isso obrigou Carolina a mudar de casa para se proteger, pela primeira vez. “Eu ainda não havia denunciado, mas mesmo assim me mudei e após uma semana ele me encontrou. Quando ele descobriu onde eu morava começou a ir toda noite, passava a madrugada batendo na porta, desligava e ligava o contador de energia, pulava o muro e quando conseguia entrar insistia para ter relações sexuais comigo. Se eu negasse, ele ameaçava incendiar a casa, cortar meu cabelo e até dizer que iria matar minha filha, eu e depois se suicidava”, conta Carolina.
Após viver tudo isso, a jovem decidiu que não iria mais tolerar viver daquela forma e foi até a Delegacia Especializada No Atendimento À Mulher (DEAM) e denunciou. Com isso, Roberto ficou sem saber do paradeiro de Carolina, que se mudou para o local onde mora hoje.
Chegando à decisão
Carolina conta que sua filha foi o principal motivo para decidir denunciar. “Não quero deixar todo o sofrimento que passei de exemplo para minha filha. Quero que ela saiba que fui forte e não aceitei viver naquelas condições. Além disso, eu percebi que eu, sozinha, sou capaz de dar para minha filha tudo que ela precisa, amor e carinho, principalmente”, relata com um sorriso.
Antes de se relacionar com Roberto, a jovem viveu um casamento que durou 10 anos e também haviam crises de ciúmes e agressividade. Com apenas 15 anos ela se casou com o primeiro companheiro, e viveu situações como não poder dormir na mesma cama apenas por sair em frente de casa com batom nos lábios.
“Eu havia saído de casa muito nova e por isso pensava que deveria durar para sempre. Eu ainda era virgem, tive uma filha com ele – que hoje tem oito anos, já está uma mocinha – mas toda aquela situação das crises de ciúmes excessivos me fez não aceitar mais, eu já estava ficando depressiva. Quando eu pedi para terminar, ele não resistiu, foi compreensivo e aceitou. Hoje, a guarda da nossa filha é compartilhada, foi o que ele fez questão”, relembra Carolina.
Nova vida
Após a denúncia, a jovem ganhou uma medida protetiva que lhe deu mais segurança. Ela conta que apesar de ter que viver escondida com sua filha, ela está melhor do que antes, sendo que agora está em um novo relacionamento. “Ele é muito bom para mim, não deixa faltar nada aqui em casa e trata minha filha como se fosse dele. Apesar disso, eu ainda não tenho muita liberdade, não posso sair, nem trabalhar, não pude visitar minha sobrinha que nasceu recentemente, mas apesar disso estou segura”, diz Carolina aliviada.
O sonho de Carolina agora é que Roberto a esqueça para que ela possa seguir em frente. “Quero poder levar minha filha ao shopping ou a uma praça, sem ter medo de ser perseguida. Ele (Roberto) me ameaçava muito por mensagens, ligações, então tenho medo de sair na rua e acabar encontrando com ele novamente”, lamenta.
E as perseguições são assustadoras. Carolina revelou que só do ex-companheiro ela possui 11 números bloqueados, cinco perfis bloqueados em redes sociais e já trocou de número telefônico três vezes. “Ele sempre descobria e quando não, me enviava mensagens por meio do número dos amigos ou de perfis em redes sociais”, relata.
Patrulha Maria da Penha
Em Marabá, as vítimas de violência doméstica podem contar com uma equipe de policiais que atendem somente casos enquadrados na Lei Maria da Penha. Localizado no Bairro Amapá, na Avenida Espírito Santo, no prédio da Propaz Integrado, a patrulha conta com dois policiais militares e quatro guardas municipais e atende em horário comercial.
O inspetor Robson Lemos é quem está à frente da patrulha e explica que os casos mais complexos são repassados para eles. “A DEAM recebe cerca de 30 solicitações por mês de medida protetiva e para nós são repassados os casos considerados mais graves. A maioria são de companheiros alcoólatras, ou que tiveram muitas passagens pela polícia, ou até mesmo que possuem poder aquisitivo muito elevado. Todos os casos são muito distintos”, explica Lemos.
A patrulha existe desde janeiro de 2019 e hoje acompanha 26 casos, entre autores e vítimas. “Com a nossa atuação, conseguimos transmitir segurança para as vítimas e estabelecer uma proximidade com os casos. Por exemplo, a policial feminina sempre fica responsável por atender as vítimas, enquanto nós, os policiais masculinos, atendemos os agressores”, diz o inspetor.
As medidas protetivas costumam durar seis meses, porém, dependendo do caso elas podem se prolongar. “Sempre deixamos claro para ambas as partes que o que é relatado nas visitas fica registrado a disposição do juiz, podendo servir como prova tanto para benefício quanto para prejudicar”, explica Lemos.
JUSTIÇA
O CORREIO procurou representantes da justiça em Marabá que avaliassem e diagnosticassem a situação da violência doméstica. O juiz da 3ª Vara Criminal de Marabá, Alexandre Arakaki, considera os casos como uma epidemia e de situação conflitante, “já que apesar de termos diversas entidades e instituições se mobilizando para conscientizar sobre esse crime, os índices continuam aumentando. Isso nos leva a concluir que precisamos reforçar a cultura da informação e divulgar a política de não violência contra a mulher”, explica o juiz.
Segundo a promotora da violência doméstica familiar de Marabá, Lilian Freire, não existe um perfil específico das mulheres que são vítimas, levando a conclusão que todas estão sujeitas a sofrer essa violência. “Marabá hoje possui uma rede de enfrentamento a violência doméstica que está bem estruturada, então, apesar de termos muitos casos, temos também muitas vítimas se encorajando a denunciar. Isso ocorre muito quando temos um caso de grande repercussão no município, por exemplo”, explica a promotora.
Já para o defensor público do Estado, Alisson George de Castro, os agressores também devem ser atendidos com os meios de conscientizá-lo sobre os atos cometidos. “Entendemos que os homens, por fazerem parte do problema da violência doméstica, também precisam fazer parte da solução. A defensoria tem ido ao encontro deles nas casas penais para conscientizar sobre a consequência dos seus atos, para assim, ele refletir e não vir a praticar novamente o crime”, explica o defensor.
DENUNCIE!
Casos como o de Carolina, relatado nesta reportagem vem aumentando no município de Marabá, porém, as soluções estão cada vez mais sendo colocadas em prática. Após a sua denuncia, Carolina já está há cerca de quatro meses sendo atendida pela Patrulha Maria da Penha, e ela deixa isso como lição para outras mulheres. “Não aceitem, não esperem o primeiro tapa, na primeira demonstração de agressividade não se deixem intimidar. Se você der essa autonomia, eles farão coisas piores, então sejam fortes e denunciem”, reforça Carolina com os olhos enchendo-se de lágrimas. (Angélika Souza, Ulisses Pompeu, Zeus Bandeira e Chagas Filho)