Correio de Carajás

Líder rural no Pará é 1ª brasileira a vencer Prêmio Edelstam, na Suécia

Símbolo da luta pelos direitos humanos e pela defesa da Floresta Amazônica no Pará, a trabalhadora rural e líder comunitária Osvalinda Marcelino Alves Pereira tornou-se a primeira brasileira a vencer o prestigiado Prêmio Edelstam na Suécia.

A cerimônia digital de entrega da premiação será realizada nesta terça-feira (24) e terá a participação do primeiro-ministro sueco, Stefan Löfven, e da Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

“A corajosa atuação da Sra. Osvalinda, denunciando a extração ilegal de madeira na Amazônia apesar das constantes ameaças e defendendo suas convicções em tempos em que se exige justiça, é um exemplo importante da resiliência necessária para proteger e defender o meio ambiente. O Brasil assinou o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas e se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Entretanto, as autoridades têm falhado em implementar e fiscalizar suas leis ambientais na Amazônia”, diz Caroline Edelstam, presidente do júri do Prêmio Edelstam.

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“Caiu do céu”

Ao receber o telefonema de Estocolmo com a notícia da premiação, Osvalinda diz que sentiu o chão sair debaixo de seus pés.

“É a primeira vez que eu ganho um prêmio, e isso para mim caiu do céu. Eu, meu marido e minha família sentimos que nós não estamos sozinhos no meio da floresta amazônica. Tem pessoas olhando pela gente. Nós somos os guardiões da floresta aqui, mas temos guardiões que olham por nós lá fora. E isso é muito gratificante”, disse Osvalinda em entrevista por telefone à RFI.

“Quando recebi o telefonema, eu não acreditei, chamei meu marido e falei ‘Daniel, olha, estão falando que eu recebi um prêmio’, mas eu nem estava sabendo o que era. Tive que pedir para me explicarem direito, mas não caía a ficha”, conta ela.

Sua primeira reação ao prêmio foi pensar que ela e o marido, Daniel Alves Pereira, sempre lutaram por uma vida melhor para os agricultores, mas que ninguém enxergava isso. “Nosso sofrimento aqui é só entre a gente mesmo, porque o governo brasileiro não enxerga”, observou Osvalinda, que diz ter uma mensagem para o presidente Jair Bolsonaro.

Recado para Bolsonaro

“Meu recado para o governo Bolsonaro, nesse momento, é que mesmo que ele não nos enxergue aqui, e que ache que defensores da floresta são bandidos que têm que morrer, há pessoas lá fora que olham por nós. E que ele reflita um pouco, pois nós não queremos destruir o mundo, queremos construir um mundo melhor. Só queremos respirar melhor, e que a floresta permaneça de pé. E não queimar tudo, desmatar tudo e virar pasto”, declarou.

Sob constante ameaça de morte há quase uma década, Osvalinda Marcelino Alves Pereira integra a liderança do Projeto de Assentamento Areia, em Trairão, a cerca de 900 quilômetros de Belém do Pará – uma área destinada à reforma agrária e disputada por madeireiros e fazendeiros. Osvalinda é também a presidente da Associação de Mulheres do assentamento Areia, fundada por ela para desenvolver agricultura orgânica sustentável e o reflorestamento de áreas devastadas pela extração de madeira.

Osvalinda foi eleita pelo júri internacional do Prêmio Edelstam 2020 pela coragem excepcional de denunciar “continuamente e destemidamente às autoridades federais a extração ilegal da floresta na região do Areia”.

O prêmio

Concedido a personalidades e instituições por contribuições excepcionais e de grande coragem na defesa dos direitos humanos, o prêmio foi instituído em memória do diplomata e embaixador sueco Harald Edelstam (1913-1989). A coragem civil é um critério central na escolha de um candidato vencedor.

Edelstam tornou-se célebre ao quebrar protocolos diplomáticos para ajudar centenas de judeus e militantes da resistência a escapar da perseguição nazista na Noruega. Ele também ajudou a salvar mais de 1,3 mil pessoas da prisão ou da morte – incluindo brasileiros – nos meses que se seguiram ao golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile.

Desde os primeiros momentos do golpe no Chile, o embaixador Harald Edelstam escondeu opositores na Embaixada sueca e, dirigindo o próprio carro, saiu em expedições noturnas em busca de pessoas que necessitavam de abrigo. Em um famoso episódio, Edelstam chegou a fincar a bandeira sueca na Embaixada de Cuba em Santiago, então cercada pelas tropas chilenas, e declarou que um ataque à missão diplomática seria uma declaração de guerra à Suécia.

O júri internacional do Prêmio Edelstam é presidido por Caroline Edelstam, neta de Harald Edelstam e co-fundadora da Fundação Harald Edelstam. Integram o júri, entre outros, a juíza Shirin Ebadi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2003; Luis Moreno-Ocampo, ex-Procurador chefe do Tribunal Penal Internacional em Haia; e o ex-juiz Baltasar Garzón, reconhecido por ter indiciado o ditador chileno General Augusto Pinochet em razão das mortes e tortura de milhares de vítimas chilenas e de outros países.

O prêmio será entregue a Osvalinda Marcelino Alves Pereira durante cerimônia transmitida ao vivo nesta terça-feira às 13h do horário de Brasília. A entrega poderá ser acompanhada no site www.edelstam.org.

Ameaças

Desde 2012, Osvalinda Alves Pereira e seu marido, Daniel Alves Pereira, têm recebido inúmeras ameaças de mineradores ilegais e fazendeiros. Em 2018, eles encontraram duas covas com cruzes no lote onde moram, perto das suas casas. No mês passado, o casal voltou a receber ameaças de morte.

Por mais de 18 meses, eles estiveram escondidos com o apoio do Programa Federal de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Jornalistas e Ambientalistas. No entanto, atualmente estão de volta ao Pará porque sentem que, mesmo que a segurança não seja forte o suficiente, precisam continuar seu trabalho.

“Defender a Floresta Amazônica tornou-se muito perigoso, pois redes criminosas de extração de madeira empregam homens armados para proteger suas atividades ilegais, além de intimidar e matar aqueles que obstruem suas atividades”, destacou o júri do Prêmio Edelstam.

O Projeto de Assentamento Areia é geograficamente uma porta de entrada para três grandes unidades de conservação: a Floresta Nacional do Trairão, a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e o Parque Nacional do Jamanxim, que são áreas de grande interesse para os madeireiros ilegais. O Pará é hoje o estado com o maior número de registros de conflitos pelo uso de terras e recursos naturais.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, mais de 230 ataques ocorreram na Região Amazônica na última década, com mais de 300 vítimas. No entanto, apenas nove destes casos foram a julgamento. No Pará, apenas quatro de 89 casos foram a julgamento entre 2009 e 2019.

Ação destemida

“Osvalinda Marcelino Alves Pereira tem se posicionado destemidamente contra as redes criminosas no seu trabalho de defender a Floresta Amazônica, aderindo assim ao compromisso da sociedade civil brasileira de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e de contribuir na mitigação do aquecimento global”, ressalta o júri do Prêmio Edelstam.

Osvaldina diz que há “muita terra para poucas pessoas, e muitas pessoas para pouca terra”:

“Existem muitos agricultores sofrendo porque têm que vender suas terras barato e ir embora, porque não têm condições de trabalhar na terra. A Bolsonaro, eu digo que os agricultores têm, sim, direito à terra. E que ele não nos veja como inimigos, e sim como amigos da natureza”.

Apesar da premiação, a líder comunitária diz que continua a temer por sua vida e a de seu marido:

“Acredito que agora, com esse prêmio, muita gente vai ficar sabendo, e eles vão ficar com mais raiva ainda. Tentamos nos cuidar da melhor maneira possível. Temos que escolher os melhores caminhos estratégicos quando nos deslocamos pela mata, de motocicleta. É muito perigoso. Já tentamos obter um carro para nossa segurança, mas não conseguimos. Nossa vida não está segura. Luto pela vida muitas vezes. Já fiz duas cirurgias do coração, então, luto para sobreviver dos problemas cardíacos, luto para sobreviver das armas desse povo e luto para ajudar os agricultores. Nossa vida é uma luta, e não vamos desistir nunca”, destaca Osvaldina. (Fonte:G1/ Claudia Walim, Correspondente da RFI na Suécia)