Correio de Carajás

Legado de Pureza: A urgência de Dira para Marabá

Neste domingo, 15 de julho, encerram as gravações do Filme Pureza em Marabá. Durante dois meses de intensas atividades, a antiga Capital da Castanha-do-pará se transformou em cidade cinematográfica, recebendo vários artistas famosos, entre eles Dira Paes, a paraense de maior destaque neste cenário e que, nas palavras do crítico de cinema Roger Lerina é, atualmente, “a maior atriz do cinema brasileiro”. Ele exalta seu talento e carisma e diz que Dira tem a “capacidade de brilhar mesmo quando o entorno não ajuda, resgatando da mediocridade – ainda que precariamente – qualquer produção em que apareça”.

Esta semana, no set de filmagem em uma olaria na Folha 33, entre uma cena e outra, Dira “mandou” parar tudo e concedeu entrevista exclusiva ao Jornal CORREIO, em que fala sobre sua participação no longa metragem filmado em Marabá e que deve ser levado ano que vem ao Festival de Cannes e de Berlim; diz o que mais gostou na cidade; e faz um pedido ao prefeito Tião Miranda e ao secretário de Cultura, José Scherer.

Das dez perguntas preparadas para a entrevistada, ela respondeu a seis sem saber e de uma única vez, empolgada ao falar de Marabá durante 15 minutos ininterruptos. A seguir, acompanhe a entrevista com a atriz que preenche a tela com a cor da nossa terra:

Leia mais:

 Jornal CORREIO – Embora Marabá seja Pará, há uma diferença enorme em relação à região Metropolitana de Belém, onde você cresceu e conhece muito bem. O que mais achou diferente?

Dira Paes – É a primeira vez que piso em solo paraense no sul do Pará. Eu tinha muita curiosidade de vir e conhecer. Para dizer que eu não conheço, quando fiz meu primeiro filme (A Floresta das Esmeraldas), com 15 anos, tive imagens em Tucuruí. Mas a cidade em si não conhecia, apesar de ter uma ligação de muitos e muitos anos com essa região, por meio da ONG da qual faço parte. A gente se comunica muito com as CPT’s de Rio Maria, Xinguara, Marabá e temos um contato permanente. Conheço muitas pessoas daqui, algumas delas foram premiadas por sua atuação em defesa dos diretos humanos da região, inclusive o juiz Jônathas dos Santos Andrade, que recebeu o Prêmio Direitos Humanos em 2012.

 Jornal CORREIO – E qual foi a impressão do primeiro contato direto com Marabá?

Dira Paes – Era uma cidade que eu não conhecia, mas como se já conhecesse. Quando pisei em Marabá estava muito feliz. Aí fomos para o núcleo onde o município começou. Quando a gente atravessou para a Marabá Pioneira (esse nome acho lindo) fiquei muito emocionada, porque me reconheci no Pará, me reconheci nas águas do rio, na floresta, nas referências que eu tinha dos interiores do Pará por onde eu tinha passado. Ali, de certa forma, vi uma Marabá preservada das suas origens. É uma cidade metropolitana, porque tem gente do Brasil inteiro e no próprio hotel onde passei esse tempo aqui a gente percebe muita gente de fora trabalhando aqui.

Parece que ali está preservado o paraensismo de Marabá. A gente teve oportunidade de filmar em várias localidades e eu posso dizer que eu conheço muito bem esta cidade. Marabá é um lugar que morei por dois meses, tenho amigos, conhecidos, restaurantes frequentados, passeios maravilhosos. Marabá foi um polo cinematográfico brasileiro durante esses dois meses, porque o filme não é pequeno, exige muito da produção, há um deslocamento de pessoas, material.

 Jornal Correio – E as pessoas daqui sempre te reconheceram nas ruas, restaurantes e por onde mais passava?

Dira Paes – Marabá fez seu polo cinematográfico e eu fui muito bem recebida. Não esperava que crianças e jovens tivessem uma conexão com minha figura como eles têm. Eu imaginava uma receptividade maior das pessoas que acompanharam as novelas. Vi que muita gente assistiu meu último trabalho, que foi Velho Chico, mas também os filmes, e sempre há referência a um personagem. Ator adora receber um elogio através de um personagem. Às vezes a pessoa gosta da pessoa famosa, mas é muito mais legal quando aprecia o trabalho da pessoa.

Tive a oportunidade de conhecer as pessoas que fizeram participação no filme como atores, as quais foram importantes para nós. O elenco de Marabá foi fundamental para dar uma veracidade para mim, que sou uma pessoa da terra. Mas eu preciso convencer os atores de fora, convidados do Rio e de Brasília e os atores daqui fizeram isso muito bem. Quero agradecer publicamente a eles, porque não têm ideia dos que representaram para nós, atores. Quanto mais pessoas reais temos em volta da gente, menor a necessidade de convencimento que nós somos personagens reais.

 Jornal Correio – Você percebeu talento para a arte cênica dos atores daqui?

Dira Paes – Eu gostei que algumas pessoas tiveram contato com o cinema pela primeira vez, e o cinema é um bichinho que quando morde não quer mais largar, se apaixona. Muitas das pessoas daqui estão fisgadas pelo cinema. É o caso da Amanda, que tem 21 anos e sempre quis ser atriz. Ela fez a seleção para ser figurante e pediu para fazer um teste de voz, e passou. Ganhou um papel de vendedora do guichê da rodoviária. A Amanda estava filmando e num determinado momento eu virei a câmera pro vídeo e ela se viu pela primeira vez. A menina teve uma reação pela primeira vez. Consegui pegar o final e postei. Foi um sucesso nas minhas redes sociais. Todo mundo viu o sonho ser realizado através da câmera do cinema que estava na sua frente, e eu estava captando aquela reação. Então, para mim, isso traduz muito o que é a arte e para que existe a arte no mundo, para ver magia, sonho, para ter vontade. A arte deixa tudo mais suave, o espetáculo da vida fica mais suave.

 Jornal CORREIO – Então você crê que temos potencial para produzir filmes com pessoas da terra?

Dira Paes – Eu queria falar uma coisa que é importante. O secretário de Cultura (José Scherer) foi nosso parceiro, nos ajudou imensamente. Gostaria de sugerir de imediato que seja publicado um edital de audiovisual em Marabá, de maneira urgente. Como Belém é muito distante daqui – como São Paulo do Rio de Janeiro – estou convicta de que Marabá tem um potencial imenso de ser um polo cinematográfico também, porque o que este município atende, Belém não atende. É um polo cinematográfico que poderia contemplar um edital para longas metragens documental, ficção ou curta metragem. Para que Marabá possa ser incluída nos festivais de cinema no futuro. Há uma equipe muito profissional que nos atendeu com filmagens de drone e eles têm potencial para produzir coisas grandiosas.

 Jornal CORREIO – Dizem que quem chega consegue visualizar melhor o potencial de uma cidade. Que cenários mais te empolgaram?

Dira Paes – A orla tem de ser documentada enquanto não tem prédio. É muito rico fazer um filme que se passa em determinada década só na Marabá Pioneira. É importante pensar na arte como mercado, e esta cidade precisa ser conhecida fora do Marabala. Os problemas no campo são os mesmos. Mas eu vejo Marabá pronta para decolar no cenário nacional, mas só através da arte, não há outro caminho.

É preciso que as empresas que movem seus impostos apoiem o audiovisual da região. Itupiranga também está pronta para o cenário. O governo pode atrair muitas outras produções como essa. Não pode deixar a porta fechar. É um mercado de trabalho que se abre. Eu adoraria, para que quando voltássemos para o lançamento do filme, em 2019, já houvesse o edital nessa data, para fomentar Marabá, aquecer uma política voltada para o mercado cultural, com formação de atores.

Se não há um diretor de fotografia, podemos fazer um intercâmbio. Eu acho que o que nós vamos levar daqui e mostrar para o mundo é um filme muito paraense. Apesar de ser produzido por profissionais do Distrito Federal, mas está falando um assunto sobre o Pará, com atores e técnicos paraenses.

 Jornal Correio – Você crê no potencial de engajamento do Filme Pureza, do qual é protagonista?

Dira Paes – Muito. Estamos falando de um filme com economia de mercado, com responsabilidade. Estamos mostrando e uma mulher que teve uma experiência de vida, que nem ela imaginou a dimensão de seu gesto, do significado universal, porque o objetivo dela era só achar o filho. Estamos falando de uma das maiores abolicionistas desse País. Estamos falando do trabalho escravo contemporâneo. Estamos fazendo um filme sério, mas um filme que queremos que todas as pessoas assistam. Ele fala sobre o amor de mãe, acima de qualquer coisa, consideração política ou social.

 Jornal Correio – Soubemos que você se emocionou muito quando entrevistou pessoas que viveram situação análoga à escravidão em fazendas da região. Mesmo estando longe do Pará, essa temática lhe incomoda muito?

Dira Paes – É importante falar que faço parte de uma ONG chamada Movimento Humanos Direitos (www.humanosdireitos.org). A razão principal dessa organização é o combate ao trabalho escravo, que envolve todas as mazelas humanas, causando falta de perspectiva, falta de terra para os trabalhadores rurais e a falta dos direitos civis e o dilema do desmatamento. É uma cadeia de problemas que faz com que o trabalho escravo contemporâneo exista. Tive sorte de ser a entrevistadora desses homens. Eles são reais e interpretaram também no filme.

Eles prestaram suas próprias experiências para a ficção, alguns tinham sido escravizados e tudo tinha uma verdade tão grande e eles começaram a relatar nome de todas as pessoas que eles conheciam nessa mesma condição. É muito brutal o trabalho escravo. Enquanto estamos falando nessa entrevista ele está acontecendo. É desumano, humilhante, degradante. Eu me emocionei e emociono muito com a vida real, ao invés de ser um paralisante das suas atitudes, ele é um estimulante. (Da Redação)