Há cinco dias Yape Rê Anambé Guajajara, 17 anos, entrou na sala de parto do Hospital Materno Infantil (HMI) de Marabá para dar à luz pela primeira vez. A criança nasceu, sobreviveu e está saudável, mas não será criada pela mãe. Yape Rê teve convulsão e parada cardíaca durante o parto, chegou a ser transferida para o Hospital Regional do município, mas morreu na manhã de domingo (22).
Durante o período em que ficou internada na UTI no Hospital Regional, Yape Rê ficou inconsciente e perdeu muito sangue. Contudo, para Luciane Nascimento Anambe, sua mãe, o HMI é o verdadeiro responsável pela morte precoce da filha. De acordo com o relato dado à Polícia Civil no domingo, Luciane diz acreditar que houve negligência da maternidade.
A mãe de Yape Rê contou que enquanto esteve acompanhando a jovem, ouviu os médicos discutindo sobre a situação da filha. “Um disse que era para fazer logo a cesariana, enquanto outro disse que o parto deveria ser natural”, descreve o relato. O testemunho de Luciane foi reiterado em entrevista ao repórter Chagas Filho da TV Correio: “Eu estava com ela lá dentro e um outro médico, ele queria tirar o bebê. Aí depois que esse outro chegou e forçou ela a ter parto normal”.
Leia mais:Regilane Guajajara, tia de Yape Rê, também afirma que a morte da jovem é de responsabilidade do HMI, e que este não é o primeiro caso de negligência obstétrica registrado na casa de saúde.
“O que aconteceu com ela é algo que vem acontecendo há muito tempo no Materno, só que hoje se trata de uma mulher indígena, menor de idade e que sofreu violência obstétrica. Ela teve todos os seus direitos violados”, denuncia. Regilane também levanta uma discussão importante, que reflete sobre o mito de que mulheres indígenas são “boas parideiras”.
“Não é porque é uma indígena que tinha a capacidade de ter um parto normal, a gente sabe que ela não tinha condições nenhuma disso, ela foi induzida a ter um parto normal sem ter condições”, desabafa.
Heidiany Moreno, da ONG Elas Resistem, suspeita que o que aconteceu com Yape Rê pode ter sido um caso de racismo obstétrico. Esse tipo de violência, que mira em parturientes negras e indígenas, não é um fenômeno exclusivo de Marabá. Ele acontece em maternidades e hospitais de todo o país.
“Por ser uma mulher negra ou indígena, quando ela chega em um hospital ou em uma maternidade, não tem a mesma assistência (que uma mulher branca)”, afirma Heidiany em entrevista para a TV Correio.
O corpo da jovem foi encaminhado ao Instituto Médico Legal para necropsia, que só foi realizada após intervenção do Ministério Público. O bebê sobrevivente foi acolhido por Regilane neste primeiro momento, pois Luciane está na aldeia organizando o velório e enterro da filha.
A criança vai crescer sem a mãe e o povo de Yape Rê Anambé Guajajara vai guardar para sempre a lembrança da jovem que perdeu a vida de forma precoce.
NOTA DA PREFEITURA
A reportagem da TV Correio solicitou à Prefeitura de Marabá respostas sobre quais providências serão tomadas sobre o caso, mas não obteve respostas.
Contudo, na tarde desta segunda-feira (23), uma nota oficial foi divulgada no site da Prefeitura. Nela, é descrito que Yape Rê estava grávida de 41 semanas e foi internada no Hospital Materno-Infantil de Marabá (HMI) no dia 16 de junho, fora de trabalho de parto e com hipertensão leve.
A indução foi iniciada no mesmo dia, e, durante o parto, em 17 de junho, a paciente sofreu um episódio de eclâmpsia. Apesar do nascimento do bebê ter ocorrido sem complicações, a indígena teve duas paradas cardiorrespiratórias no pós-parto.
“Tendo recebido assistência médica e reanimação imediata. Após a reversão das paradas cardiorrespiratórias pela equipe multidisciplinar do HMI, a paciente foi mantida em monitorização contínua e sob cuidados assistenciais intensivos até a transferência dela para cuidados de UTI no Hospital Regional do Sul e Sudeste do Pará”, diz o texto.
Procuradoria da Mulher se manifesta
Em nota divulgada nesta segunda-feira, a Procuradoria Especial da Mulher divulgou nota de pesar e solidariedade à familia de Yape Rê e a toda comunidade indígena.
“Colocamo-nos à disposição para colaborar com quaisquer diligências que se façam necessárias na defesa dos direitos das mulheres, das gestantes e dos povos originários, reafirmando nosso compromisso com a justiça, o respeito à vida e o acesso digno à saúde”, diz um trecho da nota.
(Chagas Filho e Luciana Araújo)