Com mais de 40 anos de experiência no setor audiovisual, 23 deles na TV Globo, em São Paulo, a jornalista marabaense Lúcia Leão experimenta uma nova fase em sua carreira: nesta sexta-feira, 14, às 16h30, lança seu primeiro livro “Inteligência Artificial Generativa – modo de usar”, usando uma linguagem acessível aos leigos.
Conhecida por sua habilidade profissional em gerenciar processos de produção e mitigar riscos, adaptando-se rapidamente em situações de imprevistos e soluções de problemas complexos, a marabaense atuou como editora executiva e internacional do Jornal da Globo e do Jornal Hoje e foi editora-chefe do SPTV, jornal local do estado de São Paulo.
Uma das jornalistas pioneiras no uso da IA, Lúcia Leão afirma que o livro é um verdadeiro guia prático sobre como utilizar as ferramentas na análise de dados e geração de insights para a utilização no dia a dia e, principalmente, para as produções na indústria do entretenimento.
Leia mais:Ao concluir o livro e disponibilizá-lo para venda, Lúcia escolheu sua terra natal para dar marcar o lançamento da obra. O local do evento é o Museu Municipal Francisco Coelho, na Marabá Pioneira, com acesso livre.
Ao ser questionada por que decidiu lançar seu livro em Marabá, ela tinha uma resposta na ponta da língua: “Marabá é o ponto de partida. É a cidade em que eu nasci, minha origem. Onde está a minha família”.
A seguir, acompanhe entrevista concedida por Lúcia Leão aos repórteres Ana Mangas e Ulisses Pompeu na manhã desta sexta-feira, horas antes do lançamento da obra:
CORREIO: Você é de uma família tradicional de Marabá, os “Leão”. Relembre um pouco de sua infância e por onde estudou.
Lúcia Leão: Saí de Marabá aos 12 anos de idade. Estudei na Escola José Mendonça Vergolino e depois no Colégio Santa Terezinha. Naquela época, era muito comum as famílias mandarem os filhos para outras cidades para estudar. E eu fui para Belém, estudei no Colégio Moderno, depois fiz faculdade de Comunicação na Universidade Federal do Pará, em seguida graduação em Direito no antigo Cesep, e comecei minha carreira na Rádio Clube, seguida de uma experiência na TV Liberal para trabalhar como repórter. Depois fui para São Paulo para tentar outras oportunidades e trabalhei no SBT, na Bandeirantes e, por fim, na Rede Globo, onde fiquei por 23 anos. Fui editora chefe do Jornal Hoje, editora executiva do Jornal da Globo, editora do Jornal Nacional e nos últimos 13 anos fiquei como editora chefe do jornal local SPTV, em São Paulo. A minha carreira foi crescendo muito rápido nos bastidores e foi assim que segui até em aposentar.
CORREIO: Ao avaliar os mais de 40 anos de profissão, como sintetiza o jornalismo em sua vida?
Lúcia Leão: Significa tudo. Porque acho que a informação é poder, e compartilhar informação é mais poder ainda. Você dar condições para que as pessoas tomem ciência dos fatos e que tomem decisões por elas mesmas é imprescindível na democracia e no mundo em que a gente vive.
CORREIO: Você nunca pensou em retornar para Marabá ou volta à cidade natal só para passeio e visita a familiares?
Lúcia Leão: Há alguns anos houve uma conversa de política, de Secretaria de Comunicação. Mas, não me vejo morando aqui. Não por mim, mas pela minha bagagem, com marido, filhos, netos e gato.
CORREIO: Falando agora sobre inteligência artificial, como essa temática surgiu na sua vida? Foi através de interesse, entusiasmo ou preocupação?
Lúcia Leão: Tudo isso e mais um pouco. Quando me aposentei parei um ano de trabalhar, de fato. Passei um ano viajando com meu marido, curtindo. E depois disso, achei que tinha que retomar, e o que eu conhecia e sabia por toda a experiência que havia acumulado na minha vida como jornalista não podia morrer ali. Comecei a me interessar por ChatGPT antes mesmo de ser lançado no Brasil. Passei a me interessar pelo assunto para melhorar a minha produtividade, avaliando de que maneira poderia utilizar as ferramentas para ganhar tempo, para ter insights de assuntos que, às vezes, passavam despercebidos.
E à medida que fui estudando, para o meu interesse próprio, fui descobrindo coisas que não via na mídia tradicional. Informações muito sérias e perigosas em relação à inteligência artificial. E pensei, ‘tenho que compartilhar isso’. Me aprofundei tanto e quando vi já tinha escrito um livro. Na verdade, um guia para pessoas leigas, como eu. Não sou dessa área, não sei nada de algoritmo, não sei desenhar uma linguagem de computação. Só sei usar, e quero usar sabendo como fazê-lo e quais as implicações éticas, legais e morais de uso de ferramentas que fazem coisas incríveis, mas que também fazem coisas extremamente preocupantes.
CORREIO: O mundo acadêmico, principalmente, tem falado muito na inteligência artificial. Você acha que o uso dessa ferramenta pode frear o desenvolvimento intelectual do ser humano?
Lúcia Leão: Com certeza. A ferramenta, na verdade, deveria ser tratada como um assistente pessoal, como uma ferramenta que vai te ajudar a resolver um problema pontual e não fazer o seu trabalho, porque você precisa saber mais que ela. A inteligência artificial é ligeiramente burra. Por exemplo, o ChatGPT já nasceu velho e as pessoas não falam disso. Ele só tem dados até novembro de 2021, já estamos em mais da metade de 2023. Então, se eu precisar de dados confiáveis, acreditáveis e reais, não posso confiar no ChatGPT ou outra ferramenta. Tenho que saber mais que ele. E no mundo acadêmico não posso deixar que uma IA faça o seu trabalho, seu TCC, ou as tarefas que você precisa saber fazer para pensar e ter discernimento. Que profissional você vai ser? Você vai sair do mundo acadêmico, certamente menos inteligente do que quando entrou, porque não usou seus próprios neurônios para criar conexões e novos aprendizados.
CORREIO: Você disse que seu livro é um guia prático. O que podemos encontrar nesse guia?
Lúcia Leão: Ele tem sete capítulos. Nos primeiros, falo das ferramentas em si, como você acessa o ChatGPT e o que você tem que perguntar pra ele. Porque os chats desse modelo precisam que você saiba perguntar. Você tem de saber construir essa pergunta. Então, no livro eu mostro como construir isso e apresento ferramentas que já vêm com o prompt (a pergunta) pronto. Há aplicativos que já vêm com mais de cem prompts prontos pra você só clicar no que deseja e dar uma refinada. Depois, coloco exemplos práticos por área de conhecimento, como um professor, um estudante, um publicitário, advogado e engenheiro. Podem usar a ferramenta. É importante dizer que a inteligência artificial generativa ela não é só de texto. Ela tem esse nome generativa, porque gera áudio, vídeo, imagem e texto também, e aí é que está o perigo, porque ela gera qualquer coisa que a gente pedir.
CORREIO: Você postou um vídeo no Instagram, na praia, dizendo que estava ali curtindo porque agora você tem a IA a seu favor. O que ela lhe ajuda no dia a dia?
Lúcia Leão: Por exemplo, faço palestras. Às vezes, eu levava dez dias para montar uma palestra. Hoje, monto o esqueleto, o roteiro de uma palestra em dois minutos. Vou falar sobre IA para um público leigo que não conhece essas ferramentas, o que devo falar nesse conteúdo? Ele me dá o roteiro, não o conteúdo, mas os tópicos, e aí eu desenvolvo em cima. Então, os dez dias que eu precisava parar, pensar, reler e analisar se não tinha deixado nada de fora. E hoje ele me dá o esqueleto e vou lá só preencher o conteúdo que tenho que apresentar. E aí sobra tempo pra ir à praia (risos).
CORREIO: Esse livro você produziu sozinha ou contou com ajuda de alguma outra pessoa?
Lúcia Leão: Contei com ajuda da inteligência artificial, lógico. Fiz com vários aplicativos, porque tive de mostrar como a ferramenta funciona e também dar exemplos de como gerar imagens. Tenho uma preocupação muito grande com isso, em falar de deepfake. É importante que as pessoas saibam que a tecnologia pode fazer coisas absurdas, pode colocar pessoas fora de um contexto por brincadeira ou por crime. Acho que todo mundo viu, que circulou na internet, o Silvio Santos na bancada do Jornal Nacional lendo uma notícia. Era a cara do Silvio Santos, a voz do Silvio Santos, mas não era o Silvio Santos, era uma deepfake. Alguém foi lá pegou a imagem, reproduziu a voz, porque tem aplicativo que replica a voz de qualquer pessoa. Bastam dois segundos de uma voz para que ela seja replicada. E a imagem a mesma coisa, você pode pegar uma foto ou um vídeo das redes sociais e colocar qualquer coisa na boca de qualquer pessoa. Isso é um modelo perfeito para aplicar um golpe personalizado, por exemplo.
E essa foi uma das coisas que me levaram a escrever o livro, porque se você não usa, precisa conhecer pra não ser vítima. Aquele golpe, por exemplo, da mensagem de texto no WhatsApp: “mamãe me manda dinheiro, troquei de número”, esse golpe vai ser feito com a cara da pessoa, em vídeo, com a voz da pessoa. Agora mais recente foi divulgado comercial da Elis Regina. Meu marido achou que era um vídeo antigo e falei pra ele que era uma deepfake. Ela foi recriada em computador, com a inteligência artificial.
CORREIO: Você acha que nós já estamos ou iremos ficar reféns da inteligência artificial?
Lúcia Leão: Se a gente não conhecer vai ficar refém. E quem não conhecer vai perder o emprego para o ChatGPT. As pessoas que estão com medo de perder o emprego para essa tecnologia precisam ficar com medo mesmo, ou então conhecer e saber que, quem depende da criação de texto, precisa saber mais que a inteligência artificial. Tem de usar a inteligência artificial para lhe assistir diante de alguma dificuldade, mas é você quem vai editar o que diz. Porque ela fala muita coisa errada.
Pra você ter uma ideia, no começo do treinamento do ChatGPT – porque a linguagem é treinada por seres humanos – uma mãe perguntou para o Chat o que ela poderia fazer para melhorar o aleitamento materno, porque o leite dela era fraco e o bebê não pegava direito. O ChatGPT respondeu que era pra ela colocar porcelana no leite. Porcelana, ou seja, louça. Isso virou meme. E foi alvo de mudanças no treinamento da plataforma. Só que o problema é que o treinamento é feito por pessoas. Cerca de 90% do treinamento foi feito por africanos muito pobres, que ganhavam dois dólares por hora de trabalho. Então, eles que tinham que colocar o código que correspondia a uma bola, um código que correspondia a cor vermelha. Há bilhões de códigos e variações que foram treinados por seres humanos, e esses seres humanos colocaram dentro da linguagem preconceitos, vieses, discriminações de toda a ordem. Então, se você pedir pra gerar uma imagem de família, muito provavelmente vai gerar uma imagem de pai, mãe e filhos. Mas, esse não é o único modelo de família, há família de mãe com mãe e filhos; pai com pai e filhos; há famílias de muitas formas. Na medida em que você limita família em um modelo heteronormativo você está discriminando e excluindo todas as outras famílias. No meu livro mostro que pedi pra gerar imagens de aldeias indígenas da Amazônia e eles me deram palafitas da Tailândia. Você tem que estar muito esperto na hora de pedir as coisas.
CORREIO: Existem profissões que estão correndo o risco de perder o lugar para a IA?
Lúcia Leão: Provavelmente, sim. Acho que nas áreas de processos muito padronizados, como contabilidade ou pessoas que trabalhem com planilha de Excel. Você não precisa sabe Excel para ter uma tabela de um cálculo. É só pedir, por exemplo, num sistema de vendas, que quer somar a coluna A com a coluna B, diminuir 10%, e que isso dure trinta dias. Faça esse pedido ao Chat. Então, aquela pessoa que fazia isso e ganhava dinheiro, via precisar encontrar um valor dentro daquela atividade, porque aquela tarefa rotineira e padronizada ela não vai mais precisar fazer, o Chat vai executar.
Áreas de call center também, provavelmente, vão diminuir muito. O processo de telemarketing será automatizado. Existem redes americanas de fast food que recebem parte de pedidos dos clientes por meio de inteligência artificial, causando demissões, é logico. Então, se o trabalhador não incorporar essa tecnologia no modo de fazer, sendo o senhor da coisa, estando à frente, ele não vai sobreviver no mercado de trabalho.
(Ana Mangas e Ulisses Pompeu)