“O tempo passa tão ligeiro que até hoje Maria não sabe a idade dela, nem os astros que arrodeavam o planeta na hora em que o ar rasgou os seus pulmões. Sequer sabe o nome dos pais, tomando emprestado o sobrenome de antigos vizinhos para constar no registro de identidade. Maria só sabe o que ouviu falar. Vestígios de quem fora ou poderia ser. Por isso, decidiu ser dela a história que ela mesmo conta, recria, reconta. No limiar entre o devaneio e a realidade, ela tece as próprias curas. História, para Maria, é a memória de várias vidas possíveis de serem vividas em um dedo de prosa”. É assim que a jornalista e escritora Bianca Levy nos apresenta a saga de Dona Maria, personagem central do livro “O veneno da Cobra e da maçã”, lançado neste sábado, 20, às 16h, na biblioteca Orlando Lima Lobo, em Marabá.
Contemplado pelo Prêmio Eduardo de Castro de Literatura Marabaense, o livro aborda a trama de uma personagem real, a aposentada Maria de Fátima Pereira, a quem Bianca conheceu em 2019, durante um trabalho voluntário desenvolvido no Caps III Castanheira, em Marabá. “Dona Maria foi paciente psiquiátrica do meu marido, Dr. Charles Vasconcelos. Uma senhorinha pequena, com uma vida sofrida, mas uma grande contadora de histórias. Em uma das consultas, ela revelou que o grande sonho dela era escrever um livro sobre a própria história, porém não sabia escrever. Foi neste contexto que Charles me convidou para integrar voluntariamente a terapêutica de Dona Maria, materializando este desejo em um livro”, conta Bianca, que é complementada por Maria “Eu tenho isso há muito tempo, de querer contar a minha história, a história de Marabá, de quando eu vim pra cá. Aí como eu fui parar no Caps, conheci o doutor Charles, depois a Bianca, aí eu contei a minha história pra ela e ela acolheu, e eu fui falando e ela escrevendo”.
Bianca e Dona Maria passaram então a se encontrar regularmente para construir a obra, em um processo artístico e terapêutico que durou cerca de dois anos. Bianca, que além de jornalista e escritora é mestra em Artes, pôde aprofundar com Maria um trabalho de arte e na perspectiva da saúde mental e promoção de saúde, método que tem como precursora a psiquiatra Nise da Silveira. “Dona Maria e eu fizemos um trabalho de co-criação. A gente se encontrava às quintas pela manhã no Caps. Trabalhávamos corpo, respiração. Em seguida iniciava a escuta ativa. Eu tinha o costume de dispor na mesa alguns papéis e uma caixa de aquarelas. E ela, espontaneamente, ao mesmo tempo em que rememorava histórias, pintava, dando vazão a imagens do inconsciente que dialogavam diretamente com as memórias compartilhadas”, conta Bianca.
Leia mais:O processo arte-terapêutico empreendido pela dupla foi um sucesso. “Este trabalho em conjunto, em prol da realização do desejo de Dona Maria de ver a história dela biografada, contribuiu muito para elevação da potência de vida dela, com melhora significativa do quadro clínico”, afirma Bianca. “Eu pintava. Pintei o meu cachorro, o Rompe Nuvem, que era meu cachorro de estimação quando eu era menina, pintei a história de quando eu dormi no mato, o símbolo da cobra, porque eu adoro cobra e várias outras coisas da minha história, e poder fazer este livro me trouxe muita alegria, revela Maria.
O Veneno da Cobra e da Maçã conta com 12 capítulos, divididos em quatro partes, como explica a autora: “São 12 pequenos contos, inspirados em diversas passagens da vida de Dona Maria. O livro não segue uma linearidade, ou seja, você pode começar a leitura de onde você quiser e ao longo do caminho entender a trama. Escolhi fazer dessa forma para ficar o mais próximo possível das torrentes de memórias da própria Dona Maria. Dividi os 12 capítulos em quatro partes: árvore, fogo, cobra e maçã. Os elementos mais recorrentes nas pinturas de Dona Maria e que estão dispostos também nas páginas internas do livro. Todos esses detalhes são recursos que em conjunto recriam por meio da arte a história de vida da Dona Maria”, resume.
O livro “O veneno da cobra e da maçã” será lançado no próximo sábado, dia 20, a partir das 17 horas, na biblioteca Orlando Lima Lobo, em Marabá. E vai contar com a participação da própria Dona Maria. Durante o evento haverá um sarau de poesia, além de um cortejo e ciranda a céu aberto. O livro pode ser adquirido por meio do Instagram @estudiolanca ou pelo Whatssapp 84996389426. (Divulgação)