O Itacaiunas não é só um rio. São vários. Na verdade, há uma imensa bacia que o irriga e serpenteia 11 municípios da região sudeste do Pará, até chegar a sua foz, no Bairro Cabelo Seco, em Marabá, alimentando o Rio Tocantins e milhares de formas de vida.
A Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiunas tem 42.000 km². A nascente do canal principal está localizada na serra da Seringa, no município de Água Azul do Norte. De lá até a foz são 390 km de extensão apenas dele, o Itacaiunas. Os municípios banhados por algum dos rios da bacia são Água Azul do Norte, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Eldorado dos Carajás, Marabá, Parauapebas, Piçarra, São Geraldo do Araguaia, Sapucaia e Xinguara.
E essa bacia tem grande importância cultural, social e econômica, uma vez que a mineração, agricultura, pecuária e as indústrias (como o Distrito Industrial de Marabá) dependem da água para obter seus produtos e a falta desse recurso gera graves consequências ambientais e sociais.
Leia mais:E esta imensa bacia é tão importante, que o Instituto Tecnológico Vale, localizado em Belém, mantém uma equipe de seis pesquisadores e alguns bolsistas focada em monitorar os recursos hídricos dela desde 2014, ou seja, há 10 anos. Eles fazem trabalho de campo quatro vezes ao ano, quando coletam material para analisar em laboratório.
AS SETE ESTAÇÕES
Inicialmente, o ITV instalou oito estações hidrometerorológicas telemétricas em pontos estratégicos da Bacia do Itacaiunas, formando uma rede de monitoramento com transmissão via satélite. Isto implicou em melhoria na coleta de dados e informações sobre os principais cursos d’água. Mas nos primeiros anos, uma delas sofreu avaria após uma interferência de um grupo de trabalhadores rurais e deixou de funcionar.
A Reportagem do CORREIO acompanhou, pela segunda vez, o trabalho de técnicos do ITV em uma ação de monitoramento do Rio Itacaiunas, e ainda de verificação de uma dessas estações hidrometereológicas, instalada às margens do Rio Sororó, dentro da área do campus rural do IFPA.
Um dos aspectos mais relevantes do trabalho da equipe do ITV e, ainda dos equipamentos modernos que possuem, é que em cada uma das sete estações espalhadas ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiunas é que eles podem obter parâmetros de velocidade do vento, temperatura, umidade do ar, pressão atmosférica, pluviosidade, radiação solar e ainda mensurar a umidade, temperatura e salinidade do solo ao longo da referida bacia.
Márcio Souza da Silva, geólogo e doutor em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Pará, é um dos membros da equipe de pesquisadores que monitora a Bacia do Itacaiunas e apresentou detalhes relevantes sobre os avanços nos estudos da qualidade e quantidade da água na bacia.
Segundo ele, a partir dos dados já coletados ao longo dos anos, qualquer alteração significativa que possa vir a acontecer nos rios da bacia, será possível perceber por intermédio desse monitoramento e informar as autoridades competentes.
A cada campanha – ou visita às estações que o ITV mantém em locais estratégicos da Bacia do Itacaiunas – eles baixam os dados que a estação armazena, embora ela também faça transmissão de hora em hora via satélite.
“Então, sempre temos redundância de dados, o que é muito importante. A gente monitora, além do Itacaiunas, que é o rio central da bacia, o Sororó, o Vermelho, o Parauapebas, o Cateté, que fica lá nas cabeceiras e o Rio Tapirapé”, explica Márcio Silva.
A MAIS ESTUDADA DA AMAZÔNIA
Ainda segundo ele, a Bacia dos Itacaiunas é a que tem maior instrumentação de monitoramento hidrometereológico na Amazônia, com uma significativa quantidade de estações captando dados. “Você não encontra isso em outra área, porque o custo é alto e a logística para fazer o que a gente está fazendo também é enorme”, reconhece.
O geólogo Márcio Silva explica, os dados coletados nas estações servem não só para monitoramento, mas para outros tipos de estudos que realizam no ITV, como por exemplo, modelagem. “Com ela, os colegas podem faz previsões do que vai acontecer na bacia no futuro”, garante.
Questionado se a temperatura do Itacaiunas não vem subindo com o passar dos anos, em função dos desmatamentos frequentes, Márcio Silva observa que a temperatura da água na Amazônia, de uma forma geral, é relativamente alta se comparada com outros lugares do Brasil. “Aqui, geralmente, está em torno de 28 a 30 graus. Então, se aumentar, haverá impactos na biota. Mas a gente não estuda diretamente esse efeito. A gente só estuda e monitora a temperatura. O que já ocorreu na bacia nos últimos 40 anos, pelos dados que tem da estação mais antiga da Agência Nacional das Águas, é que a temperatura ambiente do ar já aumentou aproximadamente 2 graus. Então, a gente teve esse aumento de temperatura na bacia de 2 graus nos últimos 40 anos. Apesar de termos esse impacto, a temperatura do rio, aparentemente, se mantém estável ainda”, justifica.
Itacaiunas tem vazão maior que a do Rio São Francisco
A Reportagem do CORREIO acompanhou o trabalho da equipe do ITV próximo à foz do Rio Itacaiunas no dia 12 de abril deste ano, quando o rio estava relativamente cheio. Nesse dia, segundo mostrou o geólogo Márcio Souza, do ITV, um equipamento tecnológico mediu a profundidade e vazão do Itacaiunas, e os dados mostraram que ele apresentava cerca de 10 metros de profundidade.
Embora para muitas pessoas o Itacaiunas pareça um “rio estreito e pequeno” se comparado ao Tocantins, ele tem vazão maior que a do famoso Rio São Francisco, que abastece centenas de cidades no Nordeste do País.
Na mesma data de 12 de abril, a vazão do Itacaiunas apresentava 1.740 metros cúbicos por segundo, o que equivale a um milhão, setecentos e quarenta mil litros de água por segundo alimentando o Rio Tocantins.
Todavia, Márcio observa que no período mais seco, o ITV chega a registrar 36 metros cúbicos por segundo no mesmo local, em frente à Orla do Amapá. “Claro, isso nos parece muito baixo, mas são 36 caixas de água de mil litros por segundo sendo injetadas no Tocantins. A gente acha que é pouquinho mas, comparado com rios de outras regiões, é bastante água. É o caso do Rio de São Francisco, cuja vazão é bem menor do que a do Itacaiunas em alguns períodos do ano”, compara o geólogo.
Sororó e Vermelho são os vilões dos sedimentos
Outra constatação que a Reportagem do CORREIO levantou junto aos técnicos do Instituto Tecnológico Vale, é que os afluentes que mais jogam sedimentos no Itacaiunas são os rios Vermelho e Sororó, que estão localizados relativamente próximos à foz do velho Itacaiunas. Talvez isso explique por que, nas últimas três décadas, o Rio Itacaiunas foi deixando de ficar verde em sua foz e apresentando uma tonalidade mais amarelada, próxima ao barro.
A experiência recente do geólogo Márcio Souza, que trabalha no Instituto Tecnológico Vale desde 2015, comprova algumas dessas afirmações. Nesses nove anos, segundo ele, há várias queixas da comunidade relacionadas ao assoreamento do Rio Vermelho e também do Sororó. Segundo ele, a bacia do Rio Vermelho foi praticamente toda desmatada. “Estudos mostram que algo em torno de 77% da floresta que existia foi desmatada. E em alguns pontos o pessoal reclama muito da falta de peixes”, revela.
Por outro lado, ele mesmo pondera que é preciso refletir que há 40 anos não moravam muitas pessoas nesta região e que atualmente há uma grande população habitando em torno dos rios, o que naturalmente diminui a quantidade de peixes.
Por outro lado, ele observa que em relação ao Vermelho, o volume de água diminuiu, o rio está mais raso, então provavelmente isso ocorreu em função do assoreamento em alguns trechos.
Em cada uma das quatro campanhas anuais que os técnicos do ITV realizam à região da Bacia do Itacaiunas, eles recolhem água de todos os principais afluentes, para ser analisada posteriormente no laboratório do Instituto, em Belém. Lá, eles filtram e conseguem calcular a quantidade de sedimentos que passam por aquele local.
“Além dessa descarga líquida, a gente consegue calcular a descarga sólida do rio. Mensuramos quanto que está sendo erodido de solo que está saindo da foz do rio. Mas não apenas da foz do rio, mas em todas as sessões que a gente trabalha. Então essa informação a gente já tem de alguma forma calculada”, diz Márcio.
Uma tese doutoral apresentada por outro pesquisador do ITV, Renato Oliveira da Silva Júnior, em 2017, ressalva que as mudanças no uso da terra, associada ao desenvolvimento da agropecuária que utiliza grandes áreas substituindo a floresta por pastagens, e ainda o aumento das áreas agricultáveis, podem resultar em desequilíbrio no regime hidrológico, e ter contribuído para a elevação da temperatura, diminuição da umidade relativa e aumento das vazões médias anuais, resultando na degradação do solo e da água nessas últimas quatro décadas na Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiunas.
“É preciso avaliar os impactos resultantes da dinâmica do uso da terra e o reflexo destas na disponibilidade de água na BHRI, a fim de garantir a sustentabilidade e manutenção dos ecossistemas e das comunidades residentes na área da bacia”, afirma Renato Júnior em seu estudo.
COMO ACONTECE O MONITORAMENTO?
O geólogo Márcio Silva explica que cada campanha de monitoramento da Bacia do Itacaiunas demora entre 12 a 15 dias. Eles saem de Belém rumo a Carajás, por via aérea, onde pegam os equipamentos. De lá, seguem para Água Azul do Norte, onde nasceu o Itacaiunas, depois Ourilândia do Norte e Tucumã, para iniciar pelas cabeceiras dos rios.
“A gente vem das cabeceiras para a foz, medindo de lá para cá para ver como é que está aumentando a quantidade de água no rio, por exemplo. Depois, a gente faz o mesmo nos rios Cateté, Sossego, Parauapebas, Salobo, Tapirapé, Vermelho e Sororó”.
Segundo ele, o Mosaico de Carajás, com as cinco unidades de conservação, e ainda as terras indígenas do Cateté, são as grandes áreas que ajudam a proteger, de certa forma, os rios que compõem a Bacia do Itacaiunas.
Depois de tudo coletado, a equipe volta para a sede do Instituto Vale, onde os dados são processados, avaliados e comparados com as amostras anteriores.
O QUE FAZES POR AQUI, OCEANÓGRAFO?
O jovem Lohan Barbosa Baía é um oceanógrafo, graduado pela UFPA e cursa doutorado para tentar mensurar a concentração de sedimentos por satélites. Com essa necessidade, uma parceria entre a UFPA e o ITV o colocou dentro da sede do Instituto Tecnológico Vale e, por extensão, na Bacia do Rio Itacaiunas.
“De início, nós estamos avaliando somente a Bacia de Itacaiunas, mas futuramente nossa proposta é ampliar a pesquisa e incorporar esse modelo para outras áreas da Amazônia”, diz ele.
Lohan explica que o satélite passa a cada cinco dias e ele precisa realizar a calibração para medir a refletância. “Meu alvo é a água, ela interage com a luz do sol e reflete esse sinal. E eu meço justamente esse sinal que retorna. A partir disso, nós jogamos no modelo e esse modelo vai nos dar a quantidade de sedimentos que está presente na água”, explica.
Ele precisa vir para dentro do rio, para coletar um litro de água, para calibrar esse modelo com um satélite, para ver se realmente o que está presente no campo é o que o satélite está mostrando.
UMA CARTILHA EDUCATIVA
Entre os produtos fruto das pesquisas realizadas pelos técnicos do ITV está uma cartilha que tem sido compartilhada nas escolas localizadas ao logo da Bacia do Itacaiunas, mostrando a importância dos rios para toda a comunidade.
Essa cartilha mostra que a água dos rios serve para lazer, navegação, indústria, energia, criação de animais, irrigação, mineração e pesca.
A GENTE POR DENTRO DO ITV
Na visita à sede do ITV, em Belém, a reportagem do CORREIO DE CARAJÁS foi bem recebida pelos técnicos do Instituto. Entre eles, Guilherme Oliveira, diretor científico do Instituto Tecnológico Vale. Ele explicou que a entidade existe há 13 anos, com o objetivo de preencher lacunas do conhecimento que viabilizam uma mineração mais eficiente, “com mais resultado socioeconômico e que gere resultados que podem ser apropriados pela sociedade”.
Por lá, segundo ele, trabalham mais de 35 pesquisadores, além do grupo de administração e um grande número de bolsistas. “Nós atuamos em seis diferentes áreas: gemônica ambiental; biodiversidade e serviços ecossistêmicos; geoquímica e hidrologia; socioeconomia; tecnologias ambientais; e ciências de dados. Esse trabalho ocorre de forma integrada”, sustenta.
Para Guilherme, as pesquisas do ITV estão gerando vários legados. O primeiro é a pesquisa científica, que sempre é compartilhada com a comunidade científica, por meio de publicações e disponibilização de dados primários. Ou seja, o conhecimento gerado é compartilhado.
“Mais diretamente para a comunidade, nós preparamos produtos como diagnóstico socioeconômicos. Isso é importante não só para a empresa saber como interagir com essa comunidade de maneira mais consciente, mas também para os gestores públicos se apropriarem desses dados e tomar as decisões com base na informação”, explica.
Há pesquisas que apoiam o desenvolvimento da bioeconomia, desde as biológicas das espécies de interesse econômico até estudos genéticos de cadeia produtiva dessas, por exemplo, do cacau, que é uma que estudamos bastante.
Os estudos de água, como da Bacia do Rio Itacaiunas, também são compartilhados de forma ampla, para que os gestores públicos possam tomar melhores decisões quanto ao manejo da bacia.
De acordo com o diretor do ITV, a produção científica de alto nível sempre ocorre em parceria com outras instituições científicas. “Somos um Instituto pequeno, a gente tem algumas capacidades internalizadas, bem montadas, mas temos limites do que a gente sabe e consegue fazer. Priorizamos a parceria local, mas também temos outras dentro e fora do Brasil”.
Questionado se ele acredita que o ITV será mais procurado daqui para frente, em função da proximidade da COP30, Guilherme diz que o Instituto tem muito a dizer à sociedade, com pesquisas muito profundas, principalmente com foco na região da Bacia do Rio Itacaiunas e do Mosaico de Carajás.
“Mas esses estudos também subsidiam o conhecimento em outras áreas da Amazônia. Essa oportunidade é bastante única, numa região que por ser tão grande e ainda precisar de reforçar sua capacidade de pesquisa, ela se torna um exemplo de como fazer pesquisa e como trazer esses resultados de volta para a comunidade”, sintetiza Guilherme.
Ainda segundo ele, os pesquisadores estão se preparando para que o ITV seja um lugar que atraia a comunidade científica, de maneira proposital, para discussões em torno dos temas relacionados à COP30 e à Bacia do Rio Itacaiunas.
BACIA DO ITACAIUNAS EM NÚMEROS
42.000 km²
11 cidades abrangidas
6 pesquisadores em monitoramento
6 rios principais
(Ulisses Pompeu)