A proliferação desenfreada de mexilhões na região do Rio Tocantins está causando um verdadeiro caos no ecossistema local, inclusive afetando diretamente a vida de centenas de pessoas que vivem às margens do rio – entre pescadores e ribeirinhos.
A pedido do Ministério Público do Estado do Pará, após a divulgação pelo CORREIO DE CARAJÁS sobre o caso de mexilhões na região do Pedral do Lourenção, pesquisadores do Instituto Evandro Chagas estiveram na localidade na última quarta-feira, 16, para coletar amostras da água e dos moluscos que estão se proliferando por toda parte.
A Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS acompanhou a expedição dos pesquisadores com exclusividade, composta por técnicos e pesquisadores, que se surpreenderam ao chegar ao local. “Podemos afirmar que é uma infestação, porque quando a gente percorre todo o Pedral, observamos que existem muitas rochas que ainda não apresentam o bivalve. A gente pode supor que ele vai aumentar daqui a algum tempo. Precisamos emitir um alerta para que haja outros desdobramentos, como pesquisas e investigações, para que os gestores dos recursos hídricos consigam tomar algumas providências. É preciso avaliar o impacto desses organismos na qualidade da água e para a saúde humana. Além de analisar de que forma essa infestação está impactando a biodiversidade local”, declarou Eliane Brabo de Sousa, pesquisadora do Evandro Chagas.
Leia mais:O invasor tem causado problemas gigantescos ao longo das comunidades ribeirinhas do Rio Tocantins. Além de destruir e desequilibrar a vegetação aquática e ecológica, os mexilhões estão causando prejuízos às hidrelétricas (pelo entupimento das tubulações) e, principalmente, prejuízo aos pescadores e moradores que vivem às margens do rio. Os impactos culturais ocasionados pela proliferação do molusco são visíveis: a população está com medo e inseguros de “banhar no rio”.
O que antes era comum, como um simples mergulho no Rio Tocantins, agora é uma realidade distante para quem vive por lá. A chegada repentina desses moluscos representa uma mudança na própria identidade cultural dos moradores da região, que agora precisam conviver com um tapete fedorento de mexilhões grudados nas pedras à margem do rio.
Há 38 anos morando na Vila Tauri, localizada na cabeceira do Pedral do Lourenção, José Alves Bezerra, 70 anos, mais conhecido como Zeca, conta que escolheu o local para morar por conta da calmaria e tranquilidade. Vivendo da pesca, ela relembra que, antigamente, o Rio Tocantins era muito bom de peixe, lamentando que agora a quantidade diminuiu consideravelmente. Sem saber ao certo se é por conta do mexilhão que os peixes estão escassos, ele disse que está amedrontado com a situação.
“Não tenho lembrança de ter visto isso (mexilhão) ano passado. Se ele estava aqui era no fundo d’água e a gente não percebeu. Quando eu vi, me assustei. Fora que isso é fedorento demais. Eu nunca tinha visto isso aqui”.
O receio da presença dos mexilhões ao longo da margem do rio é enorme. Para Zeca, todo mundo está com medo, principalmente das doenças que possam surgir. “As pessoas estão deixando de banhar no rio por causa disso. Agora está todo mundo preocupado porque os poços estão secando e a gente tem que vir para a beira do rio pra tomar banho, lavar roupa. Está todo mundo com medo”, admite o pescador.
Para a pesquisadora Eliane Brabo, essa proliferação repentina se dá por conta da falta de predadores naturais. Na região tem alimento, espaço e não tem predador, por isso crescem exageradamente. “Essa chegada é um ‘boom’, depois eles tendem a um controle populacional e vão diminuir. Essa é uma espécie exótica, porque ela não é nativa da região. Na literatura, também chamamos de alienígena, para mostrar que ela é totalmente desconhecida para a localidade”.
Ela explica que já existem estudos de doenças que estão presentes em alguns moluscos, e salienta que é importante fazer uma análise detalhada para verificar se esses organismos também trazem fungos, bactérias e vírus que possam causas algum problema de saúde, principalmente porque na localidade do Pedral do Lourenção existem muitas comunidades populacionais que mantêm contato direto com o mexilhão.
ANÁLISE MOLECULAR
“Nós vamos levar uma amostra para ser feita a análise molecular. É preciso fazer um estudo taxinômico para caracterizá-lo como mexilhão dourado. Vamos tirar uma quantidade suficiente para fazer a identificação, contagem populacional da espécie e análise molecular. Quando a gente os retira da rocha, eles se mantêm vivos por pouco tempo. Então, vamos colocar um preservante, o álcool 70, para que a matéria não apodreça. Eles são muito pequenos, mas com tamanhos diversos. Mas, em média eles têm dois centímetros. São indivíduos que ficam fixados ao substrato, no caso aqui na rocha. Precisamos identificar se essa infestação é causada por uma espécie nativa ou por uma espécie exótica que encontrou um ambiente propício para se desenvolver”, finaliza a pesquisadora.
A equipe do Instituto Evandro Chagas realizou a coleta da água do Rio Tocantins em três pontos, além da coleta do molusco bivalve. Os pesquisadores e técnicos seguiram para o município de Tucuruí onde também realizaram coletas de água no antigo lixão e na comunidade Terra Viva, a pedido do Ministério Público Estadual.
(Ana Mangas)