Na aldeia Akrãtikatêjê, na Terra Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, o Dia do Índio, comemorado nesta terça-feira (19), foi marcado por eventos tradicionais da cultura do povo Gavião. Além de um dia de celebração e tradição, também foi momento de reflexão sobre a importância da preservação histórica indígena.
Para Kátia Silene, cacique da aldeia, a relevância dessa data está no seu peso ancestral. Ela ressalta ser um dia sagrado, de resgate e preservação de suas tradições e costumes. “É um dia muito especial, que serve de reflexão. Hoje é uma data para nos avaliarmos, examinarmos como estamos agora”.
Pinturas corporais, atividades com arco e flecha, cabo de guerra, refeições feitas de maneira ancestral. Estas foram algumas das tradições que os moradores da aldeia Akrãtikatêjê perpetuam entre seus membros mais novos. Durante as atividades do dia, estavam presentes desde os mais velhos, como a avó de Kátia, com 110 anos, até crianças de colo.
Leia mais:Um dos costumes celebrados por eles na data foi a corrida das toras, que acontece em quatro momentos. O grupo, que pode ser formado tanto por homens quanto por mulheres, reúne-se em um canto da aldeia. Com cânticos, eles se preparam para o que há de vir. Após a cantoria, eles iniciam a corrida em busca das toras que foram escondidas no meio da mata.
Ao encontrarem o pedaço de madeira, eles retornam correndo até o ponto inicial, onde são recebidos pelas mulheres, com jarros de água preparados para esfriar o corpo dos corredores. Em seguida um novo cântico é entoado e, posteriormente, os indígenas fazem a refeição mais tradicional: uma massa feita a partir da macaxeira ralada, recheada com carne de caça e enrolada em uma folha específica para esse fim.
“A corrida de tora é uma preparação para o jovem ter resistência, para ele ser forte, não adoecer. Para a mulher também. Ter resistência na perna, para ela não ficar doente. Para eles estarem todo o tempo em forma”, explicou a cacique. Na cultura do povo, a corrida tem um simbolismo forte, representa a força do indivíduo, que aprende desde criança a correr com esse peso, seja homem ou mulher.
Ela vê esse evento como um ato de resistência, uma luta pela proteção de sua cultura e de sua existência. A corrida em si e os cânticos são fragmentos de uma memória que Kátia luta para preservar junto aos seus, mostrando a eles sua ancestralidade, dizendo para se manterem firmes e defenderem sua identidade.
Kátia explica que, ao longo dos anos, com o avanço capitalista nas terras indígenas – ferrovia, rodovias, linhas de energia e fibra óptica que atravessam os terrenos – eles precisaram se adaptar à cultura e ao conhecimento do “kupem”, o homem branco.
A preocupação dela em manter vivas as tradições e simbolismos de seu povo contrasta com as modernidades que hoje existem na aldeia. Desde as roupas e calçados utilizados por eles – que em outras épocas não se sentiriam envergonhados em andar desnudos – até os carros estacionados nas garagens das casas e a própria estrutura dessas, que atualmente são de madeira ou tijolo. Para ela, essas adaptações ao estilo de vida do kupem são uma forma de sobrevivência.
“Nossa casa, na verdade, foi invadida. O capitalismo quando veio, mudou tudo. O modo de nos alimentarmos, vestirmos. E se hoje nos vestimos, usamos celulares e carros, não é porque queremos nos amostrar (sic). Mas é uma necessidade e um direito nosso, que não podemos abrir mão”.
O fortalecimento da cultura, a preservação de seu território sagrado, os ensinamentos passados para jovens e crianças, a afirmação de sua identidade. São alguns fragmentos de resistência que, para ela, mostram a todos que eles ainda estão ali. Que respeitem sua história, memória e seus ancestrais. (Luciana Araújo)