Correio de Carajás

Indígena Kyikatêjê morre de covid-19 em Marabá

A pneumonia do novo coronavírus provocou a morte de uma indígena da etnia Gavião Kyikatêjê em Marabá. Trata-se de Aikrekatati Aprakwyti Kwynkre, mais conhecida como “Mami”. Guerreira anciã, Mami colaborou para a formação escolar de seu povo enquanto professora, ofício do qual se orgulhava ao repassar a cultura às novas gerações. Outra indígena da aldeia também faleceu e causou forte comoção na comunidade. Akukare, de apelido “Tuiri”, morreu em decorrência de outras patologias.

Segundo a cacique Tônkyre Akâtikatêjê ou Kátia Silene da Costa, a professora Aikrekatati, uma das grandes lideranças femininas do Povo Gavião, perdeu a vida para a covid-19 após quase uma semana de tratamento. Ela estava afastada da aldeia desde o início da quarentena, em meados de março, ante o temor de contrair o Sars-CoV-2, designação científica para o novo coronavírus.

Mami, segundo Kátia, faleceu por volta das 23h15 deste domingo (31). Ela estava acampada na floresta e, há cerca de uma semana, começou a sentir os sintomas da covid-19. A professora precisou voltar para a aldeia a fim de buscar assistência médica e realizar o teste, que deu positivo para a doença. Como o caso era considerado leve pelos profissionais que a atenderam, ela voltou para casa.

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Na última semana, por possuir como fator de risco um quadro de diabetes, Mami piorou e foi levada para o hospital, mas não resistiu. De acordo com os médicos, ela desenvolveu uma infecção urinária e estava com anemia. Em mensagem enviada à Reportagem do CORREIO, Concita Sompré, liderança Kyikatêjê, diz que a comunidade da aldeia não tem palavras para descrever a dor da perda. “O povo Gavião está com o coração sangrando por dentro. Estamos sem chão”, diz o trecho.

A DOR SEM VELÓRIO

O sofrimento, porém, estava distante de acabar. A comunidade indígena precisou, ainda, lutar para liberar o corpo e fazer um enterro digno da guerreira em seu território. Para tanto, foi necessário acionar o MPF para que o corpo não fosse enterrado na área urbana de Marabá. “Estamos em uma situação tão difícil, não podemos se abraçar para consolar uns aos outros”, lamenta. “Não podemos velar o corpo, temos que nos despedir de longe. O sofrimento é ainda maior”, completa Concita.

Akukare, a Tuiri, muito conhecida na aldeia Gavião Parkatejê, morreu hospitalizada no Hospital Unimed, onde deu entrada com quadro de acidente vascular cerebral, diabetes, hipertensão e outras complicações que se somam como fatores de risco do novo coronavírus.

Tuiri deixa filhos, netos e outros semelhantes em quase todas as aldeias. Na Gavião, ela possuía dois filhos e netos que estão consternados com a morte. O corpo foi sepultado na manhã desta segunda-feira (1º). Os presentes ao enterro utilizaram máscaras e álcool em gel para uma cerimônia segura.

OMISSÃO DO GOVERNO

Conforme Concita Sompré, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem se omitido de prestar auxílio aos povos infectados na região. “Ela [Funai] deveria estar fazendo as devidas barreiras de isolamento e o enfrentamento da doença junto às comunidades”, argumenta.

Da mesma forma, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do governo federal que é responsável pelo atendimento de saúde às comunidades indígenas, sofre com a falta de insumos e equipes para atuar nas aldeias. “A Sesai está sem material e equipes de apoio. Nossas técnicas de enfermagem estão trabalhando nas aldeias sem o aparato, apenas com máscara e álcool, o que eu acho muito frágil para quem está visitando pacientes com sintomas”, penhora Concita.

Ainda segundo a líder indígena, a intervenção da pasta de saúde está demorando a acontecer. “Têm aldeias que estão com sintomas, mas não está havendo uma atuação direta [da Sesai]. As comunidades não conseguem fazer isso [combater a doença] sozinhas, porque tem que ser feita uma medida preventiva, mas de modo que todos possam entender”, penhora ela. Enquanto isso, o número de mortes só aumenta.

MORTES

Na semana passada, o CORREIO revelou que outros dois indígenas haviam morrido em função da patologia causada pelo novo coronavírus em Marabá. Eles eram da etnia Xicrin. Tratava-se de Ireiabeiti Xikrin, de 21 anos, e de Bemok Xikrin, de 72 anos.

Na ocasião, uma liderança da Terra Indígena do Kateté contou ao veículo de comunicação que há inúmeros casos de nativos com traços gripais nas aldeias da região. A reportagem gerou enorme repercussão na sociedade. De lá para cá, outras duas mortes foram registradas entre os Xicrin. (Da Redação e Ulisses Pompeu)