O uso da inteligência artificial (IA) pode evitar até US$ 70 bilhões por ano em perdas causadas por desastres naturais em 2050, aponta um novo estudo da Deloitte. A projeção ganha força em um cenário em que tempestades, enchentes e secas se tornam mais frequentes e intensas, pressionando sistemas de infraestrutura já desgastados e exigindo modernização urgente.
Atualmente, os prejuízos globais gerados por desastres somam cerca de US$ 460 bilhões por ano e podem ultrapassar US$ 500 bilhões nas próximas décadas. Segundo o relatório IA para a Resiliência da Infraestrutura, a incorporação de soluções de inteligência artificial ao longo de todo o ciclo de vida da infraestrutura, do planejamento à recuperação, pode reduzir em até 15% as perdas esperadas, tornando redes e ativos mais resilientes e ágeis diante de eventos extremos.
“A infraestrutura inteligente construída a partir da IA pode redefinir a forma como lidamos com eventos climáticos extremos, reduzindo impactos e protegendo vidas e ativos”, afirma o sócio-líder de Strategy, Infrastructure & Sustainability da consultoria Deloitte, Eduardo Raffaini. “É uma ferramenta estratégica, que fortalece o planejamento e acelera a reação diante de crises”, acrescenta.
Leia mais:A infraestrutura global enfrenta uma combinação delicada de desgaste, pressão por modernização e demanda crescente. Redes de energia, transporte e saneamento foram projetadas para condições climáticas que já não existem mais, e muitas operam no limite. A transição para fontes limpas, por sua vez, exige adaptações profundas.
Realidade
Entre os impactos citados no relatório estão interrupções prolongadas em serviços essenciais, como água, energia, comunicações e transporte, e danos físicos a ativos expostos a enchentes, ondas de calor e secas severas. Nesse contexto, a IA surge como elemento central para antecipar falhas, identificar vulnerabilidades e direcionar investimentos.
“A exposição física da infraestrutura a riscos climáticos extremos, como enchentes, ondas de calor e secas, já é uma realidade. Com IA, conseguimos antecipar vulnerabilidades, modelar cenários com maior precisão e direcionar investimentos de forma mais eficiente para proteger ativos essenciais”, afirma Luiz Paulo Assis, sócio de Infrastructure Advisory da Deloitte.
Na fase de planejamento, ferramentas como gêmeos digitais, manutenção preditiva e soluções de inteligência artificial ajudam a mapear vulnerabilidades e antecipar riscos urbanos. Um exemplo é o manejo inteligente da vegetação, que reduz quedas de energia e diminui a probabilidade de incêndios florestais. Durante a resposta a eventos extremos, sistemas de detecção precoce se mostram decisivos.
Na Austrália, por exemplo, tecnologias desse tipo têm potencial para evitar de US$ 100 milhões a US$ 300 milhões em perdas anuais provocadas por incêndios. Já no período de reconstrução, soluções de IA podem acelerar a avaliação de danos e tornar o processo mais eficiente, evitando desperdícios.
Em escala global, apenas os prejuízos causados por tempestades, consideradas um dos desastres com maior potencial de dano nas próximas décadas, poderiam ser reduzidos em até US$ 30 bilhões por ano. “Ao antecipar vulnerabilidades, as empresas deixam de apenas reagir a crises e passam a transformar riscos climáticos em oportunidades de diferenciação e redução de custos”, afirma a sócia-líder de soluções de Sustainability, Maria Emília Peres.
Entraves
A adoção da IA em larga escala ainda depende de maior coordenação entre governos, empresas e o setor financeiro. O relatório aponta entraves como sistemas legados incompatíveis, falta de padronização regulatória e dificuldades de financiamento, fatores que retardam a modernização da infraestrutura.
Para destravar esse avanço, a Deloitte identifica quatro frentes prioritárias. A primeira é a padronização regulatória, com o setor público definindo diretrizes flexíveis e baseadas em princípios que permitam o compartilhamento seguro de dados entre países e diferentes segmentos da economia.
A segunda envolve a transformação dos sistemas já existentes, exigindo que operadores públicos e privados modernizem suas estruturas e incorporem ferramentas de IA em todas as etapas do ciclo de vida da infraestrutura.
O estudo também destaca a necessidade de incentivos financeiros. Seguradoras e instituições financeiras devem atualizar seus modelos de precificação, incorporando IA para medir riscos de forma mais precisa, além de desenvolver produtos específicos para projetos de infraestrutura digitalizada.
Por fim, o levantamento mostra que o avanço exige tecnologia sustentável e integrada. Cabe às empresas do setor desenvolver soluções interoperáveis, de baixo carbono e voltadas à resiliência estrutural.
Um dos principais dilemas em torno da expansão da IA é o impacto ambiental provocado pelo alto consumo de energia. Treinar e operar modelos cada vez mais complexos exige centros de dados robustos, que demandam grandes volumes de eletricidade e sistemas permanentes de refrigeração.
Estudos recentes mostram que, sem controle, o crescimento acelerado da IA pode pressionar redes elétricas, elevar emissões e ampliar a pegada de carbono do setor de tecnologia. “A expansão de data centers provavelmente continuará globalmente, mesmo sem acesso garantido à energia limpa”, alerta Manuel Fernandes, sócio-líder de energia e recursos naturais da KPMG no Brasil e na América do Sul.
Especialistas reforçam que a busca por inovação precisa vir acompanhada de metas claras de eficiência energética, uso de fontes renováveis e desenvolvimento de modelos mais enxutos, sob risco de a própria solução tecnológica se tornar parte do problema climático que tenta enfrentar.
Para Jefferson Lopes Denti, chief Disruption Officer da Deloitte Brasil, o uso da IA não é mais tendência, mas sim uma “estratégia de sobrevivência” em todo o mundo. “A colaboração global será essencial para que a inteligência artificial cumpra seu papel. Só um ecossistema integrado permitirá desenvolver soluções capazes de prevenir falhas, reduzir perdas produtivas e cortar gastos com reparos emergenciais”, afirma.
(Fonte: Correio Braziliense)
