Correio de Carajás

HMI: Família acredita em negligência médica

Desolados e com sede de justiça. Assim estão os familiares de Simone de Souza Nascimento, de 29 anos, que morreu após parto no Hospital Materno Infantil (HMI) de Marabá na madrugada da última sexta-feira (4). Para eles, há vários indícios de que o parto normal que levou à morte da paciente possa ter sido induzido, o que é contrai-indicado no caso dela, que já havia tido um parto cesáreo. O município nega e alega “fatalidade”.

Daia Sanches Furtado, cunhada de Simone, foi quem acompanhou a paciente até o hospital, na noite de quinta-feira (3), às 19 horas.  Segundo ela, a mãe não sentia qualquer dor, mas seguiu orientação médica de procurar a casa de saúde porque já a gravidez estava próxima de chegar a 41 semanas. “Minha cunhada não sentia nenhuma dor, em nenhum dedo.  Ela foi porque os médicos deram prazo pra ela ir”.

Daia afirma que, por volta das 20h30, Simone foi muito bem atendida por uma médica. Após exame, ela informou não haver possibilidade da paciente passar por parto normal e questionou o horário da última refeição da paciente. Como Simone havia se alimentado pouco tempo antes, a médica internou a mulher e marcou a cesárea para o outro dia, 6 horas, quando ela estivesse em jejum.

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“Eu ainda perguntei se não iriam induzir e a médica disse que ela não tinha possibilidade de ter um parto normal. Ela fez o procedimento, saí da sala, já vestiram ela, tirei foto, tudo normal, ela entrou sorrindo. Disseram que eu não poderia acompanhar, peguei as coisas dela e ela já entrou para preparar para a cirurgia”.

SUSPEITA

Daia então foi para casa e informou ao irmão, Edvaldo Sanches Furtado, marido de Simone, que ele deveria ir 6 horas para o Materno Infantil, quando estava agendado o parto. Pela manhã, ele foi, se identificou e foi informado que a filha havia nascido pouco depois das 4 da manhã e que a mãe estava morta.

“Ele me ligou, fui pro hospital e quando cheguei ele estava com a assistente social que estava nos dizendo que ela morreu. Falei que eu queria ouvir da boca de um médico. Queria uma explicação, como morreu?”. Daia afirma ter conversado com um médico e que etse justificou o fato como “fatalidade”.

Aos familiares, o profissional disse que a mulher sentiu dores, sofreu dilatação, a bolsa estourou e houve forte sangramento, o que causou parada cardiorrespiratória. “Eu quero que provem que ela sentiu dor porque eles dizem que não induziram, mas ela não sentiu dor de nada até 20 horas. Como que 4h30 a menina nasceu? Minha irmã ouviu de pessoas que estavam no quarto com ela que viram quando aplicaram um soro nela e que ela começou a sentir dor e arrancou tudo. Eu não acredito em fatalidade. O bebê nem estava encaixado para ser um parto normal”.

BEBÊ “JOGADO”

Edvaldo Sanches Furtado relata que após ser informado sobre o nascimento da filha e morte da companheira entrou em choque porque sabia que a esposa estava bem horas antes. “Foi uma surpresa muito grande porque até 22 horas ela estava andando e conversando. Como às 4h25 dilata e vai para um parto normal? Por que quando dilatou não fizeram a cesárea como estava dito? Passa-se por cima de uma regra e faz. O médico que me atendeu, plantonista, disse que nem foi quem fez o parto, disse que já chegou e pegou a situação assim. Eu nem sei quem fez o parto”, comentou.

Ele afirma ter pedido para ver a mulher e o que encontrou o deixou ainda mais perturbado com a situação. Simone, diz, estava deitada e coberta de sangue e a filha estava ao lado, sem roupa, deitada sobre um pano verde, chorando e agitada.

“Eu me deparei com ela em uma sala, passei a mão na cabeça dela e vi que estava morta mesmo. Foi um constrangimento ainda maior ver o estado que ela estava lá, muito sangue, muito feio. Aí me deparei com a minha filha perto dela, só num pano, descoberta. Pensei em como ela deu à luz uma criança às 4h25 e essa criança está até 7 horas da manhã neste mesmo jeito? Chamei a enfermeira e falei ‘moça, a minha mulher tá morta e agora essa criança vai morrer também?’”.

SAIBA MAIS

Moradora da Folha 33, Simone de Souza Nascimento morreu após o parto da quarta filha. Conforme informações da Prefeitura Municipal e da própria família, a mulher realizou corretamente o pré-natal junto ao Centro de Referência Integrada à Saúde da Mulher (Crismu), o qual não apontou qualquer anormalidade durante a gravidez.

HMI nega ter induzido parto normal na paciente e sustenta “fatalidade”

Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (7), o médico e diretor técnico do Hospital Materno Infantil, Fábio Oliveira Costa, negou veementemente ter havido negligência médica e definiu a morte como “fatalidade”. Conforme ele, consta no prontuário médico que Simone foi avaliada ao entrar no hospital e foi constatado que ela estava com idade gestacional de 40 semanas e cindo dias.


Fábio Costa: “Em nenhum momento houve negligência desta equipe”

“A gestação humana dura, em média, entre 37 a 42 semanas. Ela estava dentro do limite normal, mas fizemos o protocolo de resolutividade do parto a partir de 40 semanas e três dias. O parto teria que ser resolvido porque estava extrapolando o limite de segurança. Como a paciente tinha uma cesárea anterior, não poderia ser induzida porque indução em pacientes nestes casos predispõe à ruptura uterina. Ela foi internada para realizar o parto cesáreo, mas tinha se alimentado e corre riscos de complicações, portanto foi optado por deixar ela aguardando jejum para operá-la em condições mais adequadas”, explicou.

Segundo ele, durante a madrugada, no entanto, a paciente entrou em trabalho de parto “sem indução, espontaneamente”. Ele diz que a equipe optou por permitir a evolução do quadro e o parto se deu sem ocorrência às 4h24.

“Após o nascimento, normalmente há contração do útero formando o Globo de Segurança de Pinard, que é a contração para estancar o sangramento do útero materno, mas infelizmente ocorreu uma atonia uterina, não contraiu adequadamente. Foram realizadas medicações conforme os protocolos estabelecidos no HMI, com drogas uterotônicas”, explicou.

De acordo com ele, assim mesmo a paciente continuou sangrando. “Pedimos sangue para estabilizar ela harmonicamente e enquanto não chegava o sangue foi infundido soluções para compensar e estabilizar a pressão dela para ser submetida à cirurgia de emergência, até mesmo para a retirada do útero, porém ela evoluiu mais rápido que o normal”.

Conforme o diretor técnico, mesmo com as soluções e com anestesista presente, não houve tempo para a mulher receber o sangue e entrar na sala de cirurgia. Ela teve parada cardiorrespiratória e evoluiu a óbito. Ela foi acompanhada em todo momento pelos médicos, Fábio Farias fez o parto, douta Flávia continuou, anestesista também auxiliou. Em nenhum momento ela ficou sozinha, em nenhum momento houve negligência desta equipe”, declarou.   

Sindicância será aberta, mas equipe segue trabalhando

Nesta segunda-feira, dia 7, a secretaria Municipal de Saúde, Dármina Duarte Leão Santos, encaminhou ofício ao Hospital Materno Infantil de Marabá, no qual, considerando os questionamentos da família da paciente acerca de possível negligência por parte da equipe, solicita apuração dos fatos para averiguação do caso, no prazo máximo de 15 dias.

Fábio Oliveira Costa garantiu, ao responder pergunta da equipe do Jornal CORREIO, que terá respostas ao término deste prazo. Indagado se pretende afastar a equipe responsável pelo atendimento enquanto durar apuração, o diretor técnico respondeu negativamente.

“São médicos competentes, da minha total confiança, são médicos reconhecidos na cidade e tenho certeza que estão tão tristes, muito tristes. Ninguém sai de casa querendo matar paciente, todo mundo sai pra tentar salvar, todo mundo sai pra ter a vitória, mas nem todo dia é dia de vitória”.

Ainda nesta segunda, a secretaria comunicou à promotora Jane Cleide Silva Souza, do Ministério Público do Estado do Pará, ter solicitado apuração dos fatos junto à administração do HMI, ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e à Comissão de Ética do HMI, além da formação de Comissão de Sindicância, que deverá ser formada por dois enfermeiros e dois médicos e que estes não sejam profissionais que participaram do atendimento.

(Luciana Marschall)