Correio de Carajás

Há 40 anos: Garoto fugiu de São Paulo para conhecer Serra Pelada

Acontecimento foi registrado na edição nº 2 do CORREIO

A saga de Kiko foi publicada na edição nº 2 do CORREIO, em 1983

No dia 25 de janeiro de 1983, José Antonio Alves dos Santos, o Kiko, na época com 11 anos, foi resgatado em Serra Pelada após um mês fora de casa. O menino fugiu de sua casa em Guaratinguetá, São Paulo, no dia 24 de dezembro de 1982. Lá, ele morava com José Alves dos Santos, o pai; Maria José Soares, a madrasta e os quatro meios-irmãos. A aventura que começou na Rua Santa Rita, findou tão logo um policial federal o interceptou em pleno centro comercial da agitada Serra Pelada.

A odisseia que iniciou em São Paulo findou no Pará, após passar por quatro outros estados. Depois de ser encontrado em Serra Pelada, Kiko ficou sob a tutela do juizado de Marabá, após ser entregue à Ruth Gurjão, então juíza de direito no município. Foi ela quem realizou os trâmites para que o rapazinho retornasse para casa.

Na época, uma das hipóteses levantadas era de que José Antonio foi atraído pelo filme “Os Trapalhões na Serra Pelada”. Ao findar a peripécia, o retorno de Kiko à Serra era dado como garantido, ele mesmo havia deixado claro.

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 A FUGA

 Na véspera de Natal daquele ano, a família retornou de uma festa que aconteceu na residência de amigos da madrasta do menino e Kiko foi castigado devido seu mau comportamento durante a ceia. Já em casa, Maria preparou arroz, feijão e jiló em abundância e obrigou o menino a comer, sob pena de uma nova “punição”.

 Enquanto comia, Kiko tomou uma decisão que o levaria a mais de 2,4 mil quilômetros de distância de seu lar. A fuga aconteceu na madrugada do dia 25 e o menino deixou por debaixo da porta um bilhete que dizia: “A primeira vez eu fugi e a senhora foi me buscar. Agora eu vou fugir e não volto nunca mais”.

 A VIAGEM

Durante um mês, o garoto viajou escondido em boleias de caminhões; trem, camionete e ônibus. E foi justamente este último o meio de transporte utilizado para percorrer o caminho até São Paulo, capital. Na Estação da Luz – após ludibriar condutores e passageiros –, Kiko embarcou em uma locomotiva que o levou até Brasília.

 A próxima parada foi Minas Gerais, nessa altura o infante, esperto, já se escondia em carroceria de caminhões. Foi desse jeito, pegando carona ali e acolá, que ele chegou até Mato Grosso, onde percebeu um veículo com a placa de Belém e resolveu subir.

 Aos trancos e barrancos Kiko chegou até Imperatriz (Maranhão), no dia 24 de janeiro (um mês após sair de São Paulo). Lá, ele embarcou em uma camionete e tomou o rumo de Marabá, onde passou a noite no KM 6. Para conseguir comer, o menino mendigava uma coisinha aqui, outra ali.

 Somente na manhã seguinte, 25, Kiko partiu para Serra Pelada. Já habituado a ludibriar os adultos por onde passava, o menino desviou facilmente do posto da Polícia Federal (PF) que existia antes de chegar ao garimpo.

 Sua aventura teve fim quando um PF o encontrou perambulando pelas ruas do comércio de Serra Pelada.

 O RETORNO

 Foi o delegado Carlos Alberto Costa Leal, chefe da PF na Serra, quem enviou o garoto para Marabá, sob os cuidados do agente Juvan. Na sequência, a Prefeitura Municipal pagou a passagem de avião para que Kiko fosse devolvido à família, em Guaratinguetá.

A aventura interestadual de Kiko até Serra Pelada, apesar de não encher seus bolsos de ouro, rendeu alguns outros “tesouros”: o menino ganhou uns trocados para comprar uma muda de roupa; seis mil cruzeiros lhe foram doados, além de um par de meias.

O FILME

Lançado em 1982, o filme Os Trapalhões na Serra Pelada conta a história dos amigos Curió, Boroca, Mexelete e Bateia, que se aventuram em busca de ouro no garimpo de Serra Pelada. A região é controlada pelo estrangeiro Von Bermann, cujas ordens são executadas pelo capanga Bira. Sedento por poder, o gringo contrabandeia o ouro e deseja apoderar-se das terras do brasileiro Ribamar, que se recusa a fazer negócio antes da chegada do filho Chicão. (Luciana Araújo)