Correio de Carajás

Funai desobedece Justiça e MPF pede bloqueio de R$ 600 mil por cestas básicas aos indígenas da região

O Ministério Público Federal (MPF) pediu o bloqueio de R$ 600 mil da Fundação Nacional do Índio (Funai) para garantir o cumprimento de sentença da Justiça Federal de outubro de 2020 que ordenou a entrega mensal de cestas básicas e produtos de higiene às comunidades indígenas das regiões nordeste, sul e sudeste do Pará, para o combate à pandemia de covid-19. Passados 60 dias da ordem judicial, nenhuma medida foi tomada pelo governo federal para entrega do material.

A desobediência à ordem judicial é reiterada. A Funai já tinha descumprido decisão liminar no mesmo processo, de junho de 2020. Diante da desobediência, o MPF entrou com um pedido de cumprimento provisório da sentença com bloqueio do valor que corresponde à multa arbitrada pela Justiça para o caso de descumprimento, de R$ 10 mil por dia.

“Restando evidente que apenas a aplicação da multa diária não está sendo suficiente para fazer com que as partes rés cumpram a decisão, faz-se necessária a adoção de outras medidas coercitivas para cumprimento urgente da Decisão Judicial, ainda mais considerando a hipossuficiência das comunidades indígenas e a demanda ser de caráter alimentar. Evidenciando-se como a mais eficaz no presente caso, o bloqueio do valor já alcançado pela multa aplicada, visando a imediata compra de cestas básicas e produtos de higienes a serem distribuídos às comunidades indígenas abrangidas pela Decisão Judicial”, diz o pedido enviado à Justiça Federal.

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A Justiça reconheceu, tanto na decisão liminar quanto na sentença, que a demanda pelo fornecimento dos alimentos e materiais de limpeza é evidente no momento, fato reconhecido inclusive pela Funai em ofícios que enviou ao MPF. A quantidade de cestas básicas e kits de higiene – 4.758 para os indígenas atendidos pela coordenação Baixo Tocantins e 3.500 para os da coordenação sul Kayapó – foram contabilizadas pela própria autarquia indigenista.

Comunidades desassistidas – O risco de disseminação do novo coronavírus dentro de terras indígenas a partir de deslocamentos para as cidades era bem conhecido de todos os órgãos que atuam na questão. Em 2 de abril, o MPF emitiu recomendação à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e à Funai para que tomassem medidas em todo o país para evitar esses deslocamentos e prevenir os contágios. Os dois órgãos reconheceram os riscos em respostas oficiais ao MPF. A Sesai elaborou um plano em que recomendava aos indígenas que não se deslocassem para os centros urbanos, dada a “reconhecida vulnerabilidade das populações indígenas às doenças respiratórias”. São comuns na história dos povos indígenas os genocídios provocados por epidemias de enfermidades que atacam o sistema respiratório.

A Funai também reconheceu a importância de manter os indígenas nos territórios para evitar a disseminação da covid-19, mas se recusou, em documentos oficiais enviados ao MPF, a adquirir alimentos para as comunidades, alegando não ter obrigação de garantir a segurança alimentar dos povos indígenas. Os procuradores da República que ajuizaram ação em Belém refutam o argumento. “O que a Funai pretende é um dispositivo legal expresso determinando ‘em caso de insegurança alimentar ocasionada por uma pandemia deve a autarquia distribuir cestas básicas e kits de higiene aos povos indígenas’. Ora, por evidente que tal preceptivo dificilmente existirá, porque a lei não é capaz de prever em detalhes todas as situações do mundo fenomênico, entretanto, tal obrigação surge do próprio ordenamento jurídico, que determina ser a União obrigada a garantir a segurança alimentar e a saúde dos povos indígenas e que é a Funai o ente responsável por representar a União na promoção dos direitos sociais”, dizem.

Apesar da recusa formal em comprar os alimentos, a Funai apontou a Conab como responsável pelas aquisições e se comprometeu a apoiar a distribuição. Desde abril as comunidades aguardam as cestas básicas e os kits de higiene. Em algumas coordenações da Sesai, foram tomadas providências de emergência para adquirir materiais e alimentos em comunidades que já estavam contaminadas. Mas tais medidas são pontuais e não resolvem o problema, diz o MPF: todas as comunidades indígenas, independentemente do grau de insegurança alimentar, devem receber alimentos para evitar deslocamentos e a contaminação consequente. (Fonte: MPF)