- Enganoso
- Montagem engana ao trazer parte de uma frase dita pela ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia, em 2018, sobre a Lei da Ficha Limpa, e descontextualiza ao indicar que o ex-presidente Lula (PT) não poderia ser candidato em 2022.
- Conteúdo verificado: Montagem que está circulando no Facebook traz uma foto da ministra Cármen Lúcia e uma suposta fala dela: “Lei não permite registro de candidato condenado em segunda instância” junto com a frase “Lula não será candidato!”.
Montagem engana ao descontextualizar frase dita pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia em 2018, quando ela se referia à Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa. Na época, o ex-presidente Lula (PT) estava preso depois de ser condenado em segunda instância na Operação Lava Jato.
No entanto, atualmente, Lula é considerado elegível para 2022. As condenações do ex-presidente no âmbito da Lava Jato foram anuladas pelo ministro Edson Fachin em 8 de março deste ano. Na decisão monocrática, o ministro entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar o ex-presidente.
No dia 15 de abril, por oito votos a três, o plenário da Suprema Corte manteve a anulação das condenações. Cármen Lúcia votou pela anulação. Portanto, o ex-presidente se tornou elegível novamente. O petista lidera a corrida presidencial com 46%, segundo a pesquisa mais recente feita pelo instituto Datafolha.
Leia mais:Como verificamos?
O Comprova consultou os processos que envolvem o ex-presidente Lula, notícias relacionadas e comunicados oficiais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), STF e Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Procurou o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, e a advogada Marilda Silveira, especialista em Direito Eleitoral.
Além disso, tentamos contato com a autora do conteúdo enganoso e com a assessoria de imprensa do STF, mas não tivemos uma resposta.
Verificação
Frase de Cármen Lúcia é de 2018
A frase citada pelo conteúdo que viralizou é real, mas ocorreu em outro contexto. Ela foi proferida por Cármen Lúcia em 29 de maio de 2018. Na época, Lula estava preso depois de ser condenado em segunda instância na Operação Lava Jato.
A frase completa da ministra foi: “O direito brasileiro não permite que haja, pela Lei da Ficha Limpa, o registro válido daquele que tenha sido condenado a partir de um órgão colegiado. Juridicamente, é isso que se tem no Brasil”.
Cármen Lúcia se referia à Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura daqueles “condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, por uma série de crimes, entre os quais os cometidos contra a administração pública. O impedimento vale “desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. A legislação foi sancionada pelo próprio Lula, quando presidente, em 4 de junho de 2010.
A declaração da ministra ocorreu durante um evento da revista Veja, chamado Amarelas ao Vivo. A ideia era fazer, com plateia, uma entrevista similar às que são publicadas na seção “Páginas amarelas” do veículo impresso. Além de Cármen Lúcia, naquela edição foram entrevistadas outras dez pessoas, entre as quais o historiador Leandro Karnal e o youtuber Iberê Thenório.
Em razão da greve dos caminhoneiros, a ministra não esteve presencialmente no auditório do evento, mas falou por videochamada. A revista registrou a frase dela quando questionada sobre a candidatura de Lula no mesmo dia em que a entrevista foi realizada.
O Comprova procurou a assessoria de imprensa do STF, mas o órgão não retornou até a publicação da matéria.
Lula se mantém elegível
A primeira condenação de Lula no âmbito da Lava Jato ocorreu em 12 de julho de 2017. O ex-juiz Sérgio Moro decretou a sentença de nove anos e seis meses de prisão no caso em que ele era acusado de ter recebido benesses de uma construtora em um apartamento triplex no Guarujá. O ex-presidente nega ser proprietário do imóvel. No dia 24 de janeiro de 2018, o TRF-4 confirmou, por unanimidade, a condenação e aumentou a pena para 12 anos e um mês de reclusão.
Como o TRF-4 é um órgão colegiado, o TSE indeferiu o registro de candidatura de Lula a presidente da República no dia 1º de setembro de 2018. Ele estava preso desde o dia 7 de abril daquele ano em uma cela especial na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Em 6 de fevereiro de 2019, o ex-presidente foi condenado uma segunda vez, pela juíza federal Gabriela Hardt, a 12 anos e 11 meses de prisão por supostamente receber propinas através de um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. O petista também afirma não ser dono do imóvel. Novamente, o TRF-4 manteve a condenação e aumentou a pena de Lula, desta vez para 17 anos, um mês e dez dias, em 27 de novembro de 2019.
Poucas semanas antes, em 8 de novembro, Lula havia deixado o cárcere. Ele se beneficiou do fato de o STF ter mudado seu entendimento e passado a determinar que o cumprimento da pena deve começar apenas após o trânsito em julgado do processo, momento em que se esgotam todas as possibilidades de recursos.
As condenações do ex-presidente no âmbito da Lava Jato foram anuladas pelo ministro Edson Fachin em 8 de março deste ano. Na decisão monocrática, o ministro entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgá-lo.
A decisão foi remetida para o plenário do STF quatro dias depois, para que a Corte desse uma decisão unânime sobre o caso. No dia 15 de abril, por oito votos a três, o plenário da Suprema Corte manteve a anulação das condenações de Lula. Cármen Lúcia votou pela anulação.
Com isso, o ex-presidente se tornou elegível novamente. O petista lidera a corrida presidencial com 46%, segundo a pesquisa mais recente feita pelo instituto Datafolha.
Processos abertos contra Lula
O ex-presidente já foi alvo de 18 procedimentos na Justiça. Destes, três processos ainda estão abertos, quatro foram anulados pelo STF e enviados para serem julgados novamente no Distrito Federal, como explicitado anteriormente, e dos 11 restantes, em quatro ele foi absolvido, em três a denúncia foi rejeitada, três foram arquivados e um foi trancado pelo TRF-1.
As três ações abertas na Justiça Federal ainda estão em primeira instância e não há sentença. Os processos podem ser consultados pelo sistema PJE:
- Ação 1004454-59.2019.4.01.3400: O caso tramita na 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal e a última movimentação foi no dia 26/07/2021, às 16:02:56: “Conclusos para decisão”. Lula é um dos acusados de agir na formação de uma conta-corrente em favor do Partido dos Trabalhadores (PT), “abastecida com recursos do Grupo Odebrecht, como contrapartida ao aumento da linha de crédito para financiamento da exportação de bens e serviços entre Brasil e Angola, de interesse do referido grupo empresarial”;
- Ação 0006803-31.2018.403.61.81: tramita na 2ª Vara Federal de São Paulo. O ex-presidente é acusado de tráfico de influência e lavagem de dinheiro envolvendo o presidente da Guiné Equatorial e o grupo brasileiro ARG. Em decisão do dia 02 de julho, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) Paulo Fontes determinou a suspensão temporária deste processo contra Lula. Ele acatou um pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente e entendeu que esse processo deriva de uma das fases da operação da Lava Jato de Curitiba determinada pelo ex-juiz Sérgio Moro, que foi considerado parcial.
- Ação 1016027-94.2019.4.0.13400: O caso tramita na 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal e a última movimentação foi no dia 05/07/2021, às 14:22:21: “Conclusos para decisão”. Lula é acusado dos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A investigação apurou suposta negociação irregular de 36 caças Gripen, da fabricante sueca Saab, pelo governo Dilma Rousseff (PT). Em maio, o depoimento de Lula chegou a ser suspenso.
Procurado pelo Comprova, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse, por meio de assessoria de imprensa, que os casos dos caças Gripen e do BNDES na Angola estão com petições pendentes de análise na Justiça Federal de Brasília.
“Nessas petições mostramos que os processos estão utilizando de forma ampla o material produzido pela Lava Jato de Curitiba, que foram declarados nulos, de forma irremediável, pelo STF. O caso da ‘Guiné’ está na mesma situação e o TRF-3 suspendeu a marcha processual até o exame final pela Turma Julgadora”, explicou.
Segundo ele, os quatro da “Lava Jato de Curitiba” sequer configuram processos atualmente. “Não há ainda acusações recebidas pela Justiça”, afirmou.
Lula é considerado elegível atualmente. Os três processos em aberto, assim como os quatro anulados pelo STF, teriam que ser julgados em segunda instância e Lula ser condenado para afetar a candidatura do ex-presidente em 2022.
De acordo com Marilda Silveira, especialista em Direito Eleitoral e ex-assessora Jurídica de Ministros e da Presidência do TSE, como esses sete processos criminais encontram-se em primeira instância, a não ser que tenham decisão e a parte perca o prazo de recurso, não interferem em nada na elegibilidade.
“Para que decorra inelegibilidade destes sete processos, seria preciso que houvesse condenação do órgão colegiado do TRF, mantendo sentença condenatória ou afastando absolvição, em um dos crimes dolosos listados no artigo 1, inciso I, alínea e da LC 64/90, com pena superior a 2 anos”, explica.
A LC 64/90, citada por Marilda, teve alguns trechos alterados pela Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura daqueles “condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, por uma série de crimes, como de lavagem e ocultação de bens.
Dessa forma, segundo ela, é muito difícil dizer se Lula poderá se tornar inelegível novamente porque depende de uma série de fatores como tempo do judiciário, dos recursos das partes, do que está prescrito, das provas a produzir, etc. “O fato é que uma decisão condenatória atrativa da inelegibilidade – pela jurisprudência atual – teria que existir até a diplomação em dezembro de 2022 ou até a decisão definitiva do registro de candidatura, que é antes”, comenta.
Quem é a autora?
O perfil @lidice.nascimento.98, que postou o conteúdo, foi procurado via Facebook, mas não respondeu às tentativas de contato. Na rede social, ela se descreve como estudante de direito, armamentista, patriota, cristã, conservadora, bolsonarista e de ultradireita. Na imagem de capa do perfil, ela publicou uma montagem com fotos de dois caixões com bonecos representando os ex-presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff, além da expressão “Bolsonaro 2022”.
Por que investigamos?
Atualmente em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, eleições e a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos. É o caso dessa verificação que menciona pré-candidato que tem liderado as pesquisas.
A publicação verificada aqui teve mais de 13,5 mil interações no Facebook.
O mesmo conteúdo foi checado pelo Estadão Verifica, que o considerou fora de contexto, e pelo Aos Fatos, que o classificou como distorcido.
Recentemente, o Comprova mostrou que vídeo que circulou nas redes sociais não é de fazenda de filho de Lula e mostra ovelhas, não bois; que outro vídeo não prova que houve fraude nas eleições de 2014; e que a Constituição brasileira não permite a revogação de mandato político por assinatura.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda, aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.