Correio de Carajás

Floresta da TI Mãe Maria arde em chamas há mais de 20 dias

Com uma área de 62 mil hectares, a Terra Indígena Mãe Maria está sofrendo com um dos maiores incêndios de sua história recente. E os indígenas das 16 comunidades que residem no território estão calculando, ainda, os prejuízos deixados pela devastação da floresta, morte de animais e impactos no extrativismo da castanha-do-pará, nas fontes das águas e na própria produção agrícola.

Na tarde da última terça-feira, a Reportagem do CORREIO adentrou na TI Mãe Maria e foi acompanhada da cacique Kátia Silene Valdenilson, líder do povo Gavião Akrãtikatêjê, de seu irmão Nem Grande e Chicão, em uma das mais produtivas de toda a Terra Indígena. Eles levaram jornalista e fotógrafo a cerca de 8 km floresta adentro para mostrar os estragos que a queimada causaram na mata virgem, apontando centenas de árvores centenárias impactadas pelo fogo. Entre elas, castanheiras produtivas e amarelão. “Não foi só a minha aldeia incendiada, mas o território todo, onde estão meus irmãos Gavião. Houve aldeia em que o fogo destruiu até mesmo a escola”, conta.

No meio da floresta, líderes do povo Gavião Akrãtikatêjê mostram o estrago por onde o fogo passou

A queimada, que iniciou há cerca de 25 dias, segundo ela, também causou grandes impactos na fauna, com cobras e jabutis mortos, expulsando muitos outros de seu habitat natural. “Já não bastavam os caçadores que nos atormentam frequentemente, agora tivemos um incêndio de grandes proporções”.

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Katia Cilene aponta em direção à Rodovia BR-222, onde passa o linhão da Eletronorte e garante que ele veio de lá. “Vimos os funcionários que trabalham debaixo do linhão, da Equatorial Energia, junto com a Eletronorte, fazerem roçagens e logo em seguida atearem fogo. Temos registrado em vídeos no celular. Esse fogo vem invadindo mata adentro. Já tem quase um mês nessa situação. Graças a Deus que choveu, durante dois dias, e amenizou as chamas, mas ainda há fogo nas terras da TI Mãe Maria”.

Na avaliação de Kátia, os prejuízos não têm tamanho, não dá para mensurar totalmente. “Queríamos que o Estado olhasse pra esse prejuízo e visse a situação do nosso território e respeitasse. Queremos ser ressarcidos pelos estragos causados pelo fogo. Queimou até o fio da linha de transmissão de energia”, contabiliza.

Açaizal completamente queimado com maior queimada da TI Mãe Maria

A cacique espera que os fatos narrados na Reportagem cheguem às autoridades competentes, para que possam fazer algo em favor deles, indígenas, porque “ainda há chamas no nosso território. Esperamos que o governo tenha um olhar generoso para o nosso problema, porque os povos indígenas são os primeiros habitantes desse lugar. Sempre digo, que antes de nós, não existia lei, ela existe agora, porque foi criada pelo branco. E se existe lei do branco, que faça prevalecer para que sejamos ressarcidos”.

Ela também pede que todas as comunidades da TI Mãe Maria sejam ouvidas para avaliar a extensão dos prejuízos causados. Na visão de Kátia, a mitigação social e ambiental precisa acontecer, porque os povos indígenas da comunidade (mais de 800) estão sofrendo com doenças decorrentes do fogo e da fumaça. “Em nome do povo Gavião, do território Mãe Maria, eu quero que nós sejamos retribuídos com projetos, com mitigação, etc. Estamos sofrendo muito. Há crianças com dores nos olhos devido à fumaça, os idosos tossem com pulmão infectado, além dos indígenas que estão com covid-19.

Na avaliação dela, os Gavião não têm paz, e diz esta é a maior queimada que presenciou em sua comunidade. “Eu nunca tinha visto. O fogo não tem freio, não tem pensamento, ele invade e queima tudo” desabafa.

A cacique diz que os indígenas já recorreram a quem poderiam para tentar ajudar a apagar o incêndio em sua floresta, inclusive ao Ministério Público, IBAMA, FUNAI, Corpo de Bombeiros, até mesmo para o Exército, mas ninguém apareceu por lá. “Inclusive, vamos fazer um documento e mandar para o Ministério Público Federal (MPF), para que eles façam alguma coisa por nós”.

Cinzas. O cenário de degradação herdado pelo povo Gavião com incêndio

SEM COLHEITA

Ela e os mais de 80 indígenas que moram na aldeia, contam os prejuízos na roça que haviam plantado e que estavam prestes a colher: havia milho, cará, batata, maracujá, mamão, macaxeira, bananal e um belo açaizal. “Até mesmo as galinhas morreram nas queimadas. Vários animais nossos ficaram feridos, os igarapés também vêm secando, por causa do fogo. Então, tudo está relacionado com a natureza, foi muito prejuízo”, encerra. (Ulisses Pompeu)

Nota da Equatorial

A Equatorial Energia Pará esclarece que não tem qualquer participação no incêndio que atingiu a vegetação no entorno da aldeia Akrãtikatejê, na Terra Indígena Mãe Maria, localizada em Marabá. Equipes da distribuidora realizaram serviços de manutenção em outras aldeias da cidade, que se restringiram a trabalho de roço nas árvores e troca de chaves, para evitar problemas no fornecimento de energia.

No entanto, na aldeia Akrãtikatejê, as equipes não conseguiram concluir os serviços, pois foram impedidas por outros moradores do local.

A distribuidora ressalta que os trabalhos de manutenção são essenciais para o bom funcionamento e segurança do sistema elétrico da região, tendo em vista que as vegetações podem tocar na rede de energia, gerando faíscas que podem ocasionar incidentes.

A empresa está dialogando com os representantes da aldeia para que os serviços de manutenção possam ser feitos o mais breve possível.