Correio de Carajás

Financiamento, adaptação e protestos: o que marcou a primeira semana da COP30

A primeira semana da COP30 teve agenda aprovada com pendências, impasses em adaptação, protestos indígenas e a retomada da Marcha Global pelo Clima após três COPs com restrições à liberdade de expressão

Lula em discurso durante a cerimônia de abertura da COP30 / Fotos: Luis Ushirobira/InfoAmazonia

“Queremos que todos os países pensem no que desejam para o desfecho”, afirmou o presidente da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), André Corrêa do Lago, na coletiva de imprensa que encerrou a primeira semana. O diplomata destacou que precisará de um “mutirão” para alcançar os resultados esperados na segunda e decisiva fase das negociações climáticas.

A COP30 começou oficialmente na segunda-feira (10), em Belém. A cerimônia de abertura contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria enfrentando um aquecimento catastrófico. Estamos avançando na direção certa, mas em uma velocidade muito lenta. Nesse ritmo, não vamos alcançar o limite de 1,5°C”, afirmou.

A primeira semana foi marcada por intenso trabalho de negociação, com alguns avanços, obstáculos e muito ainda por discutir para alcançar os consensos necessários. Antes da chegada dos ministros na segunda-feira (17) para as tratativas políticas, aqui vai um resumo com cinco destaques do que já aconteceu na COP30.

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Agenda de trabalho aprovada, mas 4 pontos ficaram de fora

Antes da conferência, delegados e representantes da sociedade civil concordavam que aprovar a agenda poderia ser um dos primeiros desafios da COP30. O fato de que, nas reuniões preparatórias de Bonn, em junho, isso levou quase dois dias era motivo suficiente para imaginar que o cenário se repetiria em Belém — mas não foi o caso.

Após um intenso fim de semana de negociações, a agenda com os temas a serem trabalhados foi aprovada no plenário sem grandes objeções. No entanto, quatro temas ficaram de fora e seguiram um caminho “separado” nas discussões — justamente os mais conflituosos, devido às divergências entre os países.

São eles:

  • Artigo 9.1 do Acordo de Paris — sobre a responsabilidade dos países desenvolvidos de mobilizar recursos financeiros para países em desenvolvimento;
  • Medidas comerciais unilaterais — como impostos sobre emissões de carbono de produtos importados;
  • Relatórios bienais de transparência;
  • E a resposta ao terceiro e mais recente ciclo de atualização dos planos climáticos nacionais — as conhecidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

Os dois primeiros pontos foram os que travaram as discussões iniciais em Bonn, em junho.

Enquanto as negociações sobre os temas aprovados avançavam, esses quatro assuntos seguiram juntos em consultas informais moderadas pela presidência da COP30. Representantes da sociedade civil que acompanharam as discussões disseram à InfoAmazonia que o Artigo 9.1 foi o protagonista — e o que ainda apresenta as maiores divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O que acontecerá na segunda semana? É incerto. Corrêa do Lago afirmou que será publicado um texto resumindo as discussões, cabendo aos países decidir o que fazer com ele, já que “é um processo liderado pelos países”. Só então a presidência reagirá.

Obstáculos em adaptação e avanços em transição justa

Entre os temas incluídos na agenda aprovada, houve surpresas — positivas e negativas.

Se Corrêa do Lago havia dito à InfoAmazonia que queria que a COP30 fosse lembrada como a COP da adaptação, as discussões não têm jogado a seu favor. O grupo de países africanos surpreendeu as demais delegações ao pedir mais tempo para definir os indicadores que guiarão a implementação do Objetivo Global de Adaptação — cuja conclusão estava prevista para ocorrer em Belém. O pedido se deve à complexidade dos indicadores e à dependência de financiamento para adaptação.

Relacionado a isso, as discussões sobre o aumento dos fluxos de recursos para adaptação avançam lentamente em outros pontos da agenda. Observadores estão otimistas de que Belém possa trazer melhores resultados nesse tema do que na definição dos indicadores, mas sabem que ainda não se tratará de negociar um valor numérico.

Houve surpresas positivas no Programa de Trabalho sobre Transição Justa. O G77 (grupo que reúne países em desenvolvimento e subdesenvolvidos) chamou atenção ao apoiar a criação de um mecanismo para implementar uma transição mais inclusiva, tanto social quanto ambientalmente. É um primeiro passo favorável, mas ainda há muito a ser discutido — especialmente porque a aplicação em diferentes setores pode gerar divergências entre os países.

“Essa proposta marca o ponto de partida para negociações sérias sobre as salvaguardas e sistemas necessários para evitar que a ação climática empurre acidentalmente pessoas para a pobreza”, afirmou Teresa Anderson, responsável global por Justiça Climática da ActionAid International. “Os países finalmente estão falando seriamente sobre como trabalhadores, mulheres e comunidades podem influenciar os planos climáticos para garantir que suas vidas melhorem — e não piorem”.

Zona Azul da COP30. À esquerda, pavilhão do Brasil
Todos falam de uma rota para sair dos combustíveis fósseis, mas…

Em junho, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, foi a primeira a mencionar a criação de um roadmap — Mapa do Caminho — para a transição que deixaria para trás os combustíveis fósseis.

Em Belém, reforçou a ideia, e o próprio presidente Lula incluiu o tema em seu discurso aos chefes de Estado: “Precisamos de mapas do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins”.

O otimismo em torno da possibilidade de avançar em um tema responsável por 90% das emissões globais de CO₂ repercutiu nos corredores da COP30. Mas Corrêa do Lago manteve a cautela: “Não é um tema da agenda de negociação”. Para ele, essa rota está diretamente vinculada aos compromissos que cada país assume por meio de suas NDCs.

Mas Corrêa do Lago manteve a cautela: “Não é um tema da agenda de negociação”. Para ele, essa rota está diretamente vinculada aos compromissos que cada país assume por meio de suas NDCs.

Dinamarca, Colômbia, Quênia, França e Ilhas Marshall estariam apoiando o roadmap. Resta saber se o Mapa do Caminho poderá aparecer na segunda semana no texto final da decisão de capa (cover decision) — isso, é claro, se a COP30 terminar com uma decisão de capa.

Poucos seguem a rota de financiamento

Como parte da nova meta de financiamento climático definida em 2024, em Baku — que deixou a maioria dos países em desenvolvimento insatisfeita —, Azerbaijão e Brasil, como presidências da COP29 e da COP30, elaboraram um relatório do Mapa do Caminho Baku–Belém para escalar o financiamento a 1,3 trilhão de dólares.

O documento foi apresentado pouco antes da conferência e recebeu críticas de especialistas por focar em atores e iniciativas que fogem da responsabilidade dos países desenvolvidos de mobilizar recursos públicos. Também levantou preocupações sobre sua aplicação prática, por se tratar de um compilado de ações e recomendações sem caráter vinculante.

A primeira semana terminou com um evento em que, após 40 minutos de repetição do conteúdo já presente no relatório, as presidências ouviram comentários principalmente de alguns delegados e de outros atores.

Ali Mohamed, enviado especial do clima do Quênia, sugeriu que as recomendações de curto prazo fossem incorporadas à decisão da COP30. Já uma delegada da Colômbia, representando o grupo AILAC, criticou o relatório por confundir ações de apoio aos países em desenvolvimento com a transformação de todos os fluxos financeiros e pediu a criação de um espaço para discutir o que, de fato, será levado adiante no processo de negociação.

Sem responder diretamente aos pedidos, Corrêa do Lago foi claro ao diferenciar que apenas a meta de mobilização de 300 bilhões de dólares faz parte das negociações formais. “O relatório do Mapa do Caminho é um documento vivo. Tem um status especial, já que não é um texto negociado e aprovado oficialmente pelos países. Isso permite que seja atualizado e aprimorado”.

Sandra Guzmán, diretora do Grupo de Financiamento Climático para a América Latina e o Caribe, criticou a baixa participação no evento e demonstrou preocupação de que o aumento do financiamento acabe restrito ao documento. “Sem a vontade política do Brasil para promover uma conversa adequada, é muito difícil que os países realmente se interessem em dar seguimento ao Mapa”, disse à InfoAmazonia. “Nenhum país está realmente defendendo o roadmap, e isso se deve a como todo o processo foi conduzido e aos elementos que contém”.

Marcha Global pelo Clima ocorreu na manhã de sábado, 15, em Belém. Foto: Ahmad Jarrah/A Lente

Indígenas fizeram seus protestos ecoarem, dentro e fora do evento

A noite de terça-feira (11) foi marcada pela manifestação de algumas comunidades indígenas, acompanhadas por outros ativistas, que tentaram entrar no local da conferência e foram contidos pela segurança da ONU e do governo brasileiro.

Já na manhã de quinta-feira (13), integrantes da comunidade indígena Munduruku protestaram pacificamente na entrada do evento. Corrêa do Lago saiu para conversar com eles, que pediram uma reunião com o presidente Lula para exigir o fim de atividades extrativas — como mineração e exploração de petróleo — na Amazônia. O presidente da COP30 disse ter explicado que os temas discutidos na conferência também beneficiam as comunidades indígenas.

Depois de três anos em que restrições à liberdade de expressão nas COP27 (Egito), COP28 (Emirados Árabes Unidos) e COP29 (Azerbaijão) impediram a tradicional Marcga Global pelo Clima, no sábado (15), diversas organizações, comunidades indígenas e moradores ocuparam as ruas de Belém em clima festivo, com um forte apelo pelo fim dos combustíveis fósseis. Mais de 70 mil pessoas participaram de uma das mais de 100 protestos realizados em 27 países.

“A Marcha Global pelo Clima representa a força da participação social que dá vida à COP30. Além disso, envia uma mensagem clara aos negociadores da conferência: não há transição justa sem considerar os povos e os territórios que já sofrem diariamente os efeitos da emergência climática”, afirmou Leilane Reis, coordenadora de Justiça Climática do Greenpeace Brasil.

Fonte: Info Amazônia / texto: Tais Gadea Lara