Ao longo de 35 anos, Vincent Carelli, antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro, captou em vídeo um recorte do legado histórico de Krohokrenhum, conhecido como “Capitão” e líder do povo Gavião que faleceu em 2016. Na próxima quinta-feira, 21, o projeto, que foi transformado em documentário de longa-metragem, será exibido na aldeia Gavião Parkatêjê, localizada em Bom Jesus do Tocantins, a 37 km de Marabá.
Em entrevista por telefone à Reportagem do CORREIO, Carelli descreve como foi o início de seu relacionamento com esse povo e a importância de ter documentado todos esses anos de história e cultura. A obra é também uma homenagem póstuma ao Capitão.
“O relacionamento com os Gavião vai muito além do filme. No processo desse relacionamento eu comecei a filmar e a propor para eles essa ferramenta, o vídeo”. Nessa época, Krohokrenhum já havia iniciado um processo de retomada cultural junto aos índios Gavião do estado do Maranhão. Foi um impulso de cultura, de língua, dinâmica coletiva e de festas desse povo.
Leia mais:O líder indígena estava em uma empreitada para apresentar às gerações mais novas, as grandes cerimônias de seu povo, pois os jovens não tinham visto quase nada desse patrimônio. Eventos que transcorreram durante a juventude de Krohokrenhum, no tempo que ele era índio do mato.
Foi então que Carelli ofereceu ao Capitão o recurso de vídeo, fazendo-o se encantar pela ferramenta. O projeto do documentarista “batia” com a vontade do índio de reconstituir a cultura Gavião na memória dos jovens.
O diretor relembra os desejos do Capitão sobre a memória que estava sendo registrada. “Quero que filme direitinho (sobre o documentário), falava Krohokrenhum, porque quando eu for, pelo menos vai ficar minha sombra”.
Pelos dez anos seguintes, a dupla registrou os ritos culturais da aldeia. Após esse período, Carelli partiu para outros lugares, retornando 15 anos depois, em 2010. Nesse retorno foi possível rever tudo o que já havia sido filmado e fazer um paralelo com a nova realidade na aldeia, a nova vida, a modernidade.
“O filme é um mix de memória histórica. Da narrativa do próprio Krohokrenhum do tempo que ele era bravo, no mato, isolado”. E para além disso, também é um retrato das lutas desse povo, que vivenciou as linhas de transmissão de energia elétrica sendo construídas, bem como a Estrada de Ferro Carajás.
Ante a perspectiva de vir a Marabá e à aldeia Gavião, para mostrar o documentário finalizado, Carelli compartilha que “retornar com o filme e com o material todo, com uma narrativa construída, é a realização final do meu trato com ele. Eu trabalho a serviço dele e seu projeto era que ficasse essa memória como grande referência para o povo Gavião”.
Para ele, essa é a oportunidade de devolver o filme a eles e concluir esse processo. “Uma devolutiva muito esperada pelos Gaviões”.
A sessão de cinema do dia 21, que acontecerá na aldeia, promete ser um momento de grande emoção para todos os envolvidos. O documentarista revela que a maior parte das pessoas que participaram do filme já partiu. Aqueles que ficaram e terão a oportunidade de assistir ao longa, poderão rever seus pais, avós, tios e até irmãos.
“Vai ter, certamente, um impacto emocional muito forte. Fora que o Krohokrenhum é um ícone do povo Gavião”.
O cineasta acredita que, quando os espectadores assistirem ao filme, vão entender como se construiu nesses registros, ao longo de tantos anos, essa história que possui muitas reviravoltas, tragédias e sucessos.
A 7ª edição do Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira (Fia Cinefront) é a responsável pela organização das sessões de exibição do longa-metragem. Uma segunda mostra do documentário será exibida no Cine Marrocos, localizado na Marabá Pioneira, às 16h. Para Carelli, esse é um momento de oferecer uma leitura histórica sobre quem é esse povo e qual sua trajetória. (Luciana Araújo)